Bancos públicos, como o BNDES e a Caixa, não vão mais receber diretamente do governo a lista de empresas condenadas por manterem trabalhadores em situação análoga à escravidão, a chamada "lista suja" do trabalho escravo.
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Portaria assinada nesta terça-feira (31) pelos ministros do Trabalho, Manoel Dias, e dos Direitos Humanos, Ideli Salvati, revogou o documento anterior que obrigava o Ministério do Trabalho a enviar para 13 órgãos da administração pública, semestralmente, a "lista suja". A nova portaria diz que o documento ficará disponível na internet.
A lista, criada em 2003, deixou de ser publicada no fim do ano passado após uma liminar (decisão provisória) de 23 de dezembro do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Ricardo Lewandowski.
Ele acatou pedido de incorporadoras imobiliárias -parte das quais já autuada pela irregularidade- e tornou sem eficácia legal da lista.
Desde então, o BNDES e a Caixa Econômica Federal deixaram de checar se empresas que pedem empréstimo a bancos públicos foram condenadas administrativamente. O veto ao acesso dessas empresas ao financiamento público era uma das principais medidas para coibir esse tipo de crime trabalhista no Brasil.
Antes da decisão de Lewandowski, as instituições checavam se a empresa que pedia dinheiro estava na lista e, se estivesse, não liberavam os recursos.
Consultado pela reportagem, o Ministério do Trabalho afirmou, quando a lista estava suspensa, que nada impediria os bancos de consultarem o órgão sobre empresas condenadas.
Nesta terça (31), o ministro Manoel Dias afirmou que a lei nunca determinou que os outros órgãos recebessem a lista e que eles é quem devem ter a iniciativa de fazer o controle.
"Todos os que tiverem interesse ou necessidade podem acessar o site", disse a ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Ideli Salvati. "O sistema financeiro, por resguardo, tem vários critérios para conceder crédito, entre eles está, em várias instituições, não ser empresa que pratique trabalho escravo".
PUBLICAÇÃO
Com a nova portaria, que anulou a anterior, o ministério espera poder voltar a publicar os dados na internet mesmo sem revogar a liminar do STF.
O entendimento do secretário de Inspeção do Trabalho do Ministério, Paulo Sérgio de Almeida, é que a liminar proibia a lista pelas regras anteriores. Como foram criadas novas regras, não há mais motivos para a não publicação. O ministro Manoel Dias, contudo, disse que os efeitos da lista só poderiam valer após a liminar do STF ser revogada.
Segundo Almeida, a nova portaria incorporou medidas que foram consideradas ilegais pelo ministro do STF, deixando mais claro que somente após o direito de defesa ter se esgotado e a condenação for mantida é que a empresa vai fazer parte do cadastro.
Almeida também explicou que foram modificados critérios de autuação do Ministério do Trabalho para que as empresas tenham mais clareza de que estão sendo autuadas por trabalho análogo à escravidão e possam se defender em relação a esta acusação específica.
Além disso, o critério para sair da lista também foi alterado. Agora a empresa não precisará mais pagar a multa administrativa decorrente da condenação para sair do cadastro. A lista também não vai ser publicada a cada seis meses. Assim que a empresa for condenada definitivamente será colocada na lista.
Com as mudanças nos critérios, a lista deverá ser reduzida de pouco mais de 500 para cerca de 400 companhias.
Almeida espera também conseguir finalizar mais rapidamente os processos administrativos com essas novas regras. Segundo ele, eles demoravam entre quatro e cinco anos até o julgamento final. Agora, a esperança é que eles estejam julgados em um ano.
CRÍTICAS
Durante a cerimônia de assinatura da portaria, os dois ministros fizeram críticas, sem citar nomes, a opositores do governo. Dias, que é do PDT, lembrou Leonel Brizola e disse que a relação à crise política atual "mudam-se os personagens, mas o sistema é o mesmo".
Ele lembrou que as manifestações reforçam a democracia, citou a presidente Dilma como perseguida política e que o "país não pode retroceder" nos avanços sociais.
"É outro Brasil. As ruas cheias de automóvel, os shoppings cheios de pessoas. Aviões cheios. Irrita uma elite reacionária que não quer ver pobre do lado dele", disse o ministro.
Dias afirmou ainda que a corrupção não se dá no poder público.
"A corrupção está no corruptor, tanto na Petrobras como na Receita Federal. E é a primeira vez na história desse país que corruptor vai pra cadeia".
Já a ministra Ideli, que foi senadora pelo PT, afirmou que era bom a portaria sobre o trabalho escravo ser assinada no dia 31 de março [data que marca o início do golpe militar de 1964]. Ela disse que ficou incomodada com uma manifestação no fim de semana de pessoas panfletando o pedido, classificado por ela de "absurdo", de "intervenção constitucional".
"Em qual constituição está o golpe militar? Não é na brasileira", disse Ideli. "A portaria de hoje se insere na defesa intransigente das liberdades, da democracia e do enfrentamento criminoso dos que advogam qualquer tipo de submissão de um ser humano a outro pela exploração do trabalho, como a submissão de uma sociedade inteira a um sistema ditatorial. É uma boa forma de dizer: não voltarão, não passarão e não explorarão de forma aviltante os trabalhadores brasileiros".