A semana passada foi marcada pela divulgação do balanço auditado da Petrobras. Apesar de trazer uma espécie de alívio para a imagem da empresa ao apresentá-la como realmente está, os dados apresentados revelam o tamanho do problema que a companhia tem para ser recolocada nos trilhos.
O prejuízo de R$ 21,6 bilhões é o maior já registrado por uma empresa de capital aberto desde 1986 e suas dívidas de R$ 282,1 bilhões reduziram a Petrobras a uma empresa com poder de fogo reduzido, que precisa de quase 5 anos para quitá-las. Além disso, o documento trouxe o reconhecimento público dos roubos cometidos dentro da empresa e uma palavra estranha para quem não está acostumado ao jargão contábil, o impairment, ou ajuste de ativos que perderam valor. Um exemplo de impairment é a própria Refinaria Abreu e Lima, cujo valor estimado saiu de R$ 16,4 para R$ 7,3 bilhões.
Com isso, a Petrobras separou sua perda total de R$ 51,2 bilhões em R$ 6,19 bilhões ocasionados por pagamento de propinas e outros R$ 44,6 bilhões gerados por má gestão, principalmente relativos às decisões de construção das refinarias que representam 70% desse valor.
“Esses investimentos em refinaria tiveram ingerência política. Havia briga para saber onde seriam instaladas, em Pernambuco, Maranhão, Ceará, Rio... Ficou evidente, na época, que houve ingerência política. O negócio mais rentável para uma petrolífera é exploração, poço de petróleo, o pré-sal. Mas a empresa acabou entrando nesse negócio de investimento em refinaria e acabou dando errado. Provavelmente teve ingerência política no governo Lula, pois na gestão de Dilma Roussef, Graça Foster (ex-presidente da Petrobras) começou a arrumar a casa e a diretoria envolvida foi retirada”, opina o gestor da Finacap DTVM, Luiz Fernando Araújo.
Para a professora de direito tributário da FGV Direito SP, Vanessa Canado, o que mais surpreende no balanço não são os números da corrupção, mas a incompetência demonstrada nos testes de impairment. “Me deixou muito surpresa a aparente incompetência de planejamento, que deixa parecer outra prática de corrupção, pois esses erros podem ter sido propositais, mas as investigações da PF estão em curso. Mas o que se demonstra é que esses erros não estão relacionados a pagamento de propina, mas à superavaliação de custos para contrução de determinadas plantas, que não deveriam exisitr se fossem, de fato, bem planejadas”, disse.
Antes de entender um pouco melhor sobre os dados apresentados pela Petrobras sobre as suas perdas, é importante, também, ter uma referência sobre eles. Os R$ 51 bilhões divulgados pela Petrobras como fruto de corrupção e perda de valor são colossais. Para se ter uma ideia, apenas 11 companhias abertas brasileiras têm valor de mercado superiores a esse montante, numa lista que inclui a própria Petrobras, bancos como o Itau e Bradesco e cervejaria Ambev, atualmente a maior companhia do Brasil. A Bolsa de Valores de São Paulo tem mais de 300 empresas listadas.
Em seu balanço, a Petrobras registrou os gastos adicionais contabilizados indevidamente devido à corrupção e as baixas por impairment, uma técnica contábil que passou a ser exigida das companhias brasileiras a partir de 2007, quando o Brasil se adaptou às regras internacionais de contabilidade. “De forma simples, significa que os ativos da empresa deixam de ter um determinado valor contábil e passam a ter um valor menor. Essa diferença é contabilizada como impairment”, explica o professor de finanças Marcos Piellusch.
O impairment e a Petrobras
Imagine que você tem uma transportadora e comprou um caminhão para realizar os serviços de entrega, mas ele quebra e não vai mais poder gerar renda para a sua empresa. Esse ativo, portanto, perdeu seu valor e essa mudança tem de ser registrada no balanço. Agora pense que você comprou um apartamento de R$ 1 milhão para alugá-lo e, tempos depois, alguém constrói uma linha de trem que vai passar na frente de sua janela. Esse apartamento também perderá seu valor, assim como o aluguel que gera sua renda. É para isso que serve o impairment, para recalcular o preço de ativos que, por alguma razão, interna ou externa, perdeu valor de mercado.
“No caso do apartamento, o aluguel poderia ter baixado de R$ 3 mil, para R$ 1,5 mil. Ou seja, o valor do imóvel pode cair pela metade. Numa empresa, esse valor é calculado trazendo ao valor presente todas as expectativas de geração de caixa de um ativo, usando a taxa de desconto WACC”, explica o professor Marcos Piellusch. O WACC é a sigla em inglês para Custo Médio Ponderado de Capital, um cálculo que mede a remuneração pretendida sobre o capital investido num determinado negócio.
No caso da Petrobras, dois motivos principais levaram a empresa a fazer o ajuste dos fluxos de caixa futuros: o cenário econômico e o planejamento feito de foram inadequada. O primeiro fator incidiu principalmente nos seus campos de produção de petróleo e gás, que tiveram uma redução de valor de R$ 17 bilhões para R$ 12 bilhões em função da queda do preço do petróleo no mercado internacional. “Ou seja, ela calculou o quanto gastou nesses campos e o quanto eles vão passar a gerar de caixa agora que o preço caiu”, completa o professor.
Apesar disso, os principais impactos na conta de impairment, segundo as notas explicativas da empresa, têm a ver mesmo com problemas de planejamento em relação a seus investimentos em refinaria, com destaque para a Abreu e Lima (Rnest), instalada em Suape, e o complexo Comperj, no Rio de Janeiro. Na baixa contábil de R$ 44,6 bilhões, esses dois empreendimentos foram responsáveis por R$ 30,9 bilhões. “A Petrobras reconheceu que usou taxas de desconto inadequadas para analisar a viabilidade desses projetos. Usando uma taxa de atratividade errada, o valor é distorcido. Mas eles não divulgaram qual foi o erro de cálculo”, comentou o professo Piellusch. “Esses fatos evidenciam incapacidade de gestão, ou falta de capacidade técnica para avaliar, o que talvez não seja o caso, porque tem muita gente boa na empresa. Mas o sinal que se passa para o mercado é esse.”
Já os dados de corrupção foram levantados com base nos depoimentos do ex-diretor Paulo Roberto Costa que informou à Polícia a existência de pagamento de 3% de propina sobre contratos assinados pela empresa. A partir daí, foram isolados todos os contratos assinados sob suspeita num determinado período de tempo (2004 a 2012) e calculou-se o percentual que chegou aos R$ 6,9 bilhões.