Fragilizado pela recessão econômica e pela crise política que atinge o governo brasileiro, o real sofreu forte desvalorização nesta terça-feira (22), chegando a quatro unidades por dólar, o menor valor de sua história.
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Poucos minutos após a abertura do pregão, a moeda brasileira caiu para 4,03 unidades o dólar, cumprindo assim a previsão do mercado e dos analistas, que há dias anteciparam que ultrapassaria a barreira de quatro reais o dólar em um contexto de forte deterioração econômica.
Depois do meio-dia, o real caia a 4,056 o dólar, registando uma perda de 1,8% em relação ao fechamento de segunda-feira (3,982 dólar) e mais de 33% este ano, segundo a consultoria CMA em São Paulo.
Seu declínio também arrastou a Bolsa de São Paulo: o Ibovespa, seu principal indicador, caia 2,30% às 13h45, a 45.518 pontos.
"Esta forte desvalorização não é apenas devido à situação econômica que o Brasil está enfrentando, mas também à imobilidade do governo. Do meu ponto de vista, parece que o governo está perdido, que não dialoga com o Congresso, que chega e envia coisas sem planejar", comentou à AFP Angelo Larozi, analista da corretora Walpires em São Paulo.
"Esta falta de diálogo e planejamento está gerando essa crise e empurrando o mercado financeiro, também porque o nível de investimento foi perdido. Tudo isso são coisas que se acumulam como uma bola de neve, pressionando a nossa economia e o mercado", acrescentou.
Um coquetel amargo
A presidente Dilma Rousseff enfrenta um complexo coquetel que mistura recessão econômica, elevada inflação e aumento do desemprego. Sua popularidade está em seu pior nível, a oposição apela para seu impeachment e o Congresso, à revelia, questiona seu crucial plano de austeridade.
O grande esquema de corrupção descoberto na Petrobras, que atingiu a economia e levou à prisão importantes figuras do Partido dos Trabalhadores (PT), se somou à recente decisão da Standard and Poor's de retirar o grau de investimento do país.
Depois de apresentar ao Congresso um orçamento no vermelho para 2016, o governo cedeu, voltou atrás e agora defende o adiamento de reajustes salariais e de contratações públicas, a eliminação de cargos públicos e ministérios para tentar alcançar um excedente orçamental primário de 0,7%.
O pacote inclui ainda a reativação de impostos que já haviam sido abolidos, como a CPMF, e fazer cortes nos programas sociais, uma bandeira dos governos do PT de Dilma Rousseff e de seu antecessor Luiz Inácio Lula da Silva (2003-10).
"As dificuldades que o governo enfrenta no Congresso deixam o país quase ingovernável a partir de um ponto de vista fiscal", estima o operador da consultoria SLW, João Paulo de Gracia Correa, em declarações ao site G1.
Um real a cinco dólares?
Para muitos especialistas, as medidas vieram tarde demais.
O governo espera uma contração da economia de 1,49% este ano, embora o mercado acredite que pode chegar a 3%, enquanto a inflação está se aproximando de dois dígitos, mais que o dobro da meta oficial; o desemprego segue aumentando e o consumo, grande motor da economia na última década, também caiu.
Os analistas preveem que a recessão se arrastará por todo 2016. Se isto for confirmado, o Brasil vai enfrentar a pior crise econômica nos últimos 85 anos. A última vez que a economia se contraiu por dois anos consecutivos foi em 1930-31.
A moeda brasileira nunca esteve tão fraca como agora desde a sua entrada em vigor, em 1994, com o Plano Real, conduzido pelo então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso.
O mercado e os analistas esperam que a moeda continue a desvalorizar-se e alguns até mesmo antecipam uma queda a cinco unidades o dólar.
"Prevemos uma queda de 4,5, mas a situação pode piorar", disse Larozi.
Nas últimas semanas, o real vinha despencando a mínimos históricos desde outubro de 2002, quando o nervosismo tomou conta do mercado antes da iminente vitória de Lula à presidência.
"Um real mais fraco também é ruim para a economia, porque há empresas que têm dívidas em dólar, os bens importados se tornam mais caros e empurram a inflação; investimentos são paralisados ??porque não existem sinais claros o que provoca demissões", lista Larozi.