Para qualquer lado que se olhe, números e análises mostram principalmente dois pontos preocupantes. Um: não paramos de piorar. Dois: não sabemos quão fundo é o poço em que a economia do País agoniza. As soluções possíveis são pouco prováveis, como reformas estruturais que dependem do governo federal e do Congresso Nacional. Contudo, entender de onde o contexto recessivo vem e do que se alimenta é indispensável em meio à tempestade.
É difícil não ser pessimista com os resultados da economia. Ontem, o IBGE revelou que o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro registrou recuo de 4,5% em relação ao mesmo período de 2014, sexta retração seguida e também um recorde negativo nos últimos 19 anos (veja mais detalhes no infográfico abaixo). Esse percentual manteve o Brasil na rabeira de um ranking de 42 países elaborado pela Austin Rating. Na penúltima posição (41ª) da lista, entre julho e setembro a economia brasileira teve desempenho pior apenas que a da Ucrânia, que convive com uma guerra civil e cujo PIB encolheu 7% no período. Até a Rússia, que além de crise econômica enfrenta embargo de países ocidentais, passou o Brasil no segundo trimestre – seu PIB encolheu 4,1% no trimestre, colocando-a na 40ª posição da lista.
São números que afetam todos os segmentos da população, do empresário ao desempregado. Segundo pesquisa recente do Data Popular, 84% dos brasileiros dizem que o País vive uma “crise de perspectiva”, e 89% não conseguem pensar em alguém capaz de tirar o Brasil dessa crise. Com o desempenho do terceiro trimestre, o consumo das famílias acumula retração de 1,8% nos últimos 12 meses. Um dado dessa magnitude no fechamento do ano já seria o pior desde 1990. Desde então, o consumo das famílias teve, no máximo, uma queda de 0,7% em 1992 e 1998.
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Maurício Costa Romão, que tem pós-doutorado em economia e passagens pelo poder público e instituições internacionais, lembra que a origem da situação atual tem participação de praticamente todos. Os investimentos sociais e injeções na economia feitas sem respaldo estrutural ainda no governo Lula alavancaram o Brasil, a ponto de as poucas vozes divergentes serem abafadas diante da prosperidade da qual todas as camadas sociais usufruíram. “O governo vem em uma trajetória de déficit há muito tempo, gastando muito mais do que recebia. O problema é que antes ele podia contar com o crescimento econômico e com o aumento das commodities. Dez em cada dez economistas alertavam sobre isso, mas ninguém deu atenção porque nosso PIB estava alto”, rememora.
Desde então, sinais e mais sinais de que esse tipo de gestão – focada no fomento ao consumo e em medidas populares insustentáveis como a redução das tarifas de energia em 2013 – foram aparecendo e se fortalecendo, sem que os ajustes necessários forem feitos para contê-los. Entre outros elementos citados por Romão, ele ressalta um ciclo danoso que parece cada vez mais intrincado: o déficit nominal crescente do governo pressiona o dólar, encarecendo as importações, o que piora as expectativas de inflação, fazendo os juros aumentarem e forçando o aumento da dívida. “Tudo isso faz com conquistas dos últimos 30 anos – a democracia, a estabilidade da moeda e a inclusão socioeconômica – estejam sendo minadas”, lamenta.
Economista da área de Macroeconomia da Tendências Consultoria, Alessandra Ribeiro reforça que os resultados das decisões equivocadas dos últimos quatro anos foram severamente agravados pela corrupção no País. Segundo ela, somente em números os desvios encontrados pela Operação Lava Jato já atingem 2,5% do PIB nacional. Ao comentar sobre os ajustes que o governo tenta fazer desde janeiro, ela sublinha que, independente dos resultados, eles levarão tempo para emergir. Enquanto isso, o País sofre. “A confiança já estava em queda. Agora temos uma crise política que potencializa a crise econômica; uma conjunção de fatores muito negativa e que explica esse resultado do PIB”, resume a especialista.
SAÍDAS - Especialistas ouvidos pelo Jornal do Commercio e pelas agências de notícias nacionais não conseguem vislumbrar melhoras antes de 2018. Vai ter muita água, raios e trovoadas antes da tempestade passar.
“Os problemas de 2014 não foram solucionados em 2015. Aliás, muitos deles se agravaram este ano, como a questão fiscal”, enfatizou o gerente-executivo de Política Econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Flávio Castelo Branco. “Vamos começar 2016 com todas as dificuldades presentes de 2015, o que significaria dizer uma economia em recessão”.
Os economistas destacam em uníssono que, de início, a saída dessa areia movediça passa pelo governo federal e pelo Congresso Nacional. Alex Agostini, da Austin Rating, afirma que não há mágica, mas cita pelo menos três passos que resultariam numa saída. O primeiro é controlar os gastos públicos. “Resgatar a confiança de empresários e investidores só ocorre se as contas públicas estiverem em ordem”. O segundo passo que melhoraria o ambiente econômico seria baixar a inflação. “Ela vai cair e será controlada pela recessão”, diz. E o terceiro passo seria a transparência na gestão do governo federal. “Deixar claros os objetivos, o que vai fazer, como isso será alcançado e cumprir o que anunciou que seria feito. Isso gera credibilidade”, conta Agostini.
O economista Maurício Romão acrescenta que o governo precisa cortar despesas reais, em vez de reduzir investimentos e praticamente não mexer no custeio. Para ele, que também prioriza as contas públicas como primeiro item a ser resolvido, é preciso estabelecer uma agenda de transformação estrutural, indo desde as reformas necessárias (tributária, trabalhista, política...) a investimentos sérios em áreas como educação. Todos os países que se tornaram desenvolvidos priorizaram a educação. “Resolvidas as contas, precisamos acionar mecanismos de proteção social contra recessão e desemprego, estabelecer um programa emergencial para Estados e municípios e criar uma agenda mínima para a retomada do crescimento”.
Os profissionais concordam também que, apesar de fundamentais, essas medidas requerem um esforço que o governo e o Congresso parecem incapazes de levantar agora. Para Alessandra Ribeiro, da Tendências Consultoria, uma alternativa à fragilizada presidente Dilma Rousseff é seguir por concessões e privatizações, tentando caminhos pela abertura comercial, com menos dependência do Congresso.
Tanto Romão quanto Alessandra ponderam, entretanto, que o fato de instituições nacionais estarem atuando com sucesso contra a corrupção é um ganho para o País, deixando nossa situação geral menos vulnerável que países como Argentina e Venezuela. É um alento, mas não chega a ser suficiente para elevar o ânimo da nação. Assim como os investimentos estrangeiros, como grandes grupos comprando participações de empresas locais. “O Brasil teve uma significativa depreciação cambial e algumas empresas estão em dificuldade e acabam colocando ativos para vender. Ou seja, é interessante do ponto de vista do mercado, mas não dá pra considerar esse tipo de atração de investimento relevante para retomar a economia até 2018. Não necessariamente significa crescimento”, diz Alessandra.
Outra reflexão vem de Agostini, que considera a atual crise um mal que pode vir para, pelo menos, algum bem. “O sentimento da vergonha moral vai começar a aflorar nas pessoas com a prisão de políticos e empresários. Eticamente, a população vai passar a exigir mais dos políticos e empresários depois dessa crise”, comenta.