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Apostas esportivas: a 'febre' que movimenta bilhões de reais no Brasil

Apostas são tendência entre fãs de esportes; prática se aproveita de uma brecha na lei, que não regulamenta atividade no País

Vinícius Barros
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Vinícius Barros
Publicado em 24/09/2017 às 7:18
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Apostas são tendência entre fãs de esportes; prática se aproveita de uma brecha na lei, que não regulamenta atividade no País - FOTO: Filipe Ribeiro/JC Imagem
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Bola ao centro, times prontos e uma série de pessoas vidradas para acompanhar o resultado. Poderia ser um enredo de qualquer partida de futebol, mas a ávida legião que assiste ao jogo atende por outro nome: apostadores.

Febre no Brasil, as apostas esportivas movimentam cerca de R$ 4 bilhões por ano no País, de acordo com especialistas. Dinheiro, cartão de crédito ou débito, boleto bancário e até moeda eletrônica. Você escolhe. Nesse mundo, o grande produto é justamente quem aposta, imerso nos quase 500 sites estrangeiros, dos quais cerca de 10% são traduzidos para o português. Eles operam livremente no Brasil por terem servidores hospedados em outros países, não sendo submetidos à Constituição nacional. Isso faz com que essa atividade drible a lei brasileira, sem sofrer nenhuma marcação.

No Recife, as apostas despertam não só a curiosidade, mas também a paixão dos torcedores. Unir o fanatismo com a chance de ganhar um dinheiro extra enche os olhos de muitos, mas também pode esvaziar os bolsos. Este é o caso de Luiz Carlos, jogador de futebol profissional, no momento sem clube, que já chegou a perder R$ 600 por semana com seus palpites. Ele alerta: quem diz que ganha mais que perde está mentindo.

"No começo era cerca de R$70, R$80 por semana. Depois que comecei a pegar a manha, empurrei o pé. Mas também já ganhei prêmios de R$ 4 mil", afirma. Para vencer é preciso bater o chamado 'pule', nome popular do cartão de apostas, onde quem joga precisa ter 100% de aproveitamento para receber o prêmio.

Disponíveis pela internet e com bancas espalhadas tanto em periferias quanto em bairros nobres, não é difícil encontrar um local para fazer os palpites. Luiz mora no Alto do Pascoal, Zona Norte do Recife e afirma que cerca de 90% dos amigos mais próximos jogam e fazem disso um meio rápido para pagar as dívidas, já que os prêmios são pagos em 24 ou 48 horas. "O pessoal faz o seguinte: 'tenho uma conta para pagar amanhã e não tenho esse valor' aí vai na banca e joga. Mas eu tenho meu limite".

Funcionário de uma banca no Alto do Pascoal, Alef Paulo afirma que em dias de jogos de futebol o movimento é mais intenso, gerando cerca de R$ 800 em apostas por dia.

"Já saiu premiação de R$ 8 mil, R$ 16 mil aqui e todo mundo foi pago, talvez com um prazo maior, mas recebem", conta.

 

Ambição. Essa é a palavra-chave para o apostador Renato Baptista*, morador de Campo Grande. Assumidamente viciado, ele prefere dar seus palpites de casa ao invés de ir até as bancas e afirma como os sites fazem para conquistar o usuário. "Eu tinha uma certeza na cabeça: se eu começasse ia viciar, por isso relutei. No começo, oferecem bônus para estimular quem tá começando e aí o cara continua pra ganhar o que perdeu e fica num ciclo vicioso", explica.

Segundo ele, o percentual de ganho não chega a 2%, mas a facilidade do jogo online e o uso do cartão de crédito fisgam o apostador. "Basta ter limite que em cinco minutos o cartão é aprovado e essa facilidade é o que motiva a apostar". Sem emprego e de férias da faculdade, ele afirma que no último mês de julho o ócio o levou a se aventurar em esportes que não acompanha. "Uma vez tentei acertar quem faria um ponto qualquer em uma partida de vôlei, algo totalmente aleatório". Atualmente, no entanto, ele já pensa em parar. "Recentemente passei três semanas sem jogar, então não é mais aquele vício forte. Tem uma hora que o cara vê que é feito de otário", comenta.

Para a psicóloga Fabíola Barbosa, cada caso deve ser analisado de maneira particular, sempre respeitando o tempo e o interesse do paciente no tratamento. "É muito importante dar voz para que a pessoa tenha condições de se dar conta de quais são as suas motivações para jogar sem freios e com danos materiais, financeiros, psíquicos, afetivos e sociais tão grandes", afirma.

Segundo os apostadores, geralmente quem joga não comenta em casa por ter receio da repercussão entre os familiares. "A palavra aposta é muito forte. Se eu chegar em casa dizendo que aposto e já perdi muito, soa mal", afirma Baptista.

Mas, essa discussão é importante de acordo com a psicóloga. "A prevenção é sempre o diálogo aberto e franco em família, no trabalho, nas universidades, nas escolas. Não é adequado demonizar o jogo, culpando essa atividade pela dependência, mas sim acolher essas pessoas", ressalta.

Legislação

Preferido entre os brasileiros, o futebol estampa os cartazes das bancas vistas pelas ruas da cidade. Com tantos apostadores dando palpites sobre o esporte, o temor sobre a manipulação dos resultados recai sobre as principais competições.

De acordo com o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Pedro Trengrouse, essa é uma preocupação mundial. "A maioria dos países já monitora os padrões das apostas e atua para coibir a manipulação de resultados. A Federação Internacional dos Jogadores Profissionais de Futebol (FIFPro) alerta que 35% dos jogadores do Cazaquistão, 30% da Grécia, 15% da Bulgária, 10% da Rússia, 10% da República Tcheca, 8% da Ucrânia, 7% da Polônia e 5% da Croácia já foram abordados para manipular o resultado de um jogo".

Segundo ele, a proteção ao esporte é o principal motivo para a regulamentação da prática no Brasil, que poderia trazer uma arrecadação de 1,3 bilhão aos cofres públicos por ano. "Proteção à integridade do esporte já seria motivo suficiente para regulamentar e monitorar as apostas esportivas. Além disso, a proteção à economia popular garantindo que apostadores recebam seus prêmios e o potencial significativo de arrecadação tributária completam um tripé consistente de razões", argumenta.

Em tramitação no Senado, um projeto de lei visa proibir operações em sites internacionais de apostas para conter a evasão. O texto ainda defende a "legalização da exploração da atividade econômica dos jogos de azar de maneira responsável".

 

Economia popular e direito do consumidor

Por ainda não existir uma regulamentação vigente sobre os sites que operam no exterior, os apostadores locais ficam sem suporte legal caso sejam lesados, como aponta o presidente da Comissão de Direito do Consumidor da OAB de Pernambuco. "Quem se submete a gastar ou se endividar fazendo um jogo como esse sofre um risco muito grande. Se receber, ótimo, caso não receba não tem a quem se socorrer", detalha.

No entanto, ele afirma que o apostador pode recorrer caso algum envolvido com as apostas seja identificado. "Um representante desse site de jogos poderia responder até criminalmente por isso, contanto que haja a comprovação desse jogo". O advogado complementa que a dificuldade em comprovar está na falta de dados nos boletos dos jogos, os populares pules, que possuem apenas códigos referentes a cada palpite.

Foi apostando na 'zebra', que o jogador César Soares* viu seus R$ 0,70, valor do palpite, virarem mais de R$ 2 mil. Mas, a revolta surgiu quando o pagamento foi negado pela banca, localizada no bairro do Barro, Zona Oeste do Recife. " Falaram que um dos jogos que apostei foi fraude e por isso não iriam me pagar, mas em nenhum lugar saiu essa informação e ainda me mostraram a notícia em um site falso", comenta. A partida citada foi entre Atlético-MG e Santos, pela 13ª rodada do Brasileirão, registrada normalmente pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF).

César afirma que a mesma banca deixou de pagar a outros apostadores na região e, no caso dele, o estabelecimento só aceitou pagar $ 400. "Disseram que não queriam acordo porque não iriam pagar um prêmio de mais de R$ 2 mil para alguém que tinha apostado só R$ 0,70". Sem ter a quem recorrer, César ficou sem o valor completo que lhe cabia.

A reportagem entrou em contato com o Ministério Público de Pernambuco (MPPE). O órgão informou que "não há registro de nenhuma representação referente a apostas esportivas, seja em sites ou em bancas físicas" no Estado.

Para quem deseja tentar a sorte no mundo das apostas, Renato Baptista dá um recado: "Se você ganhar nos primeiros pules, aí é que vai se iludir mesmo. Não entendia como perdiam dinheiro com isso. Até que comecei a perder dez para ganhar uma".

*nome fictício

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