EUROPA

Entenda por que Portugal tem se tornado o destino dos investimentos de brasileiros

Além de retomada econômica, o país europeu aprimorou suas políticas migratórias, facilitando concessão de vistos

Lucas Moraes
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Lucas Moraes
Publicado em 30/09/2018 às 10:07
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Além de retomada econômica, o país europeu aprimorou suas políticas migratórias, facilitando concessão de vistos - FOTO: Foto: Pixabay/Reprodução
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Ex-sócia de uma empresa de turismo no Brasil, Daniela Bachmann, em meio ao auge da crise econômica, decidiu rever seus planos de investimentos. À época, meados de 2015, a empresária tentou migrar o modelo de negócio para Miami, nos Estados Unidos, mas fatores como os custos de manutenção da empresa a espantaram. Foi quando optou por fincar os pés em terras portuguesas. Do outro lado do Atlântico, Daniela viu não só a oportunidade de ter uma vida mais tranquila, mas também de empreender com mais perspectivas de prosperidade. Ela é uma dos milhares de brasileiros que, abalados com a estagnação da economia local, veem Portugal como um destino viável.

“No Brasil cheguei a perder 80% dos clientes. Aqui, o negócio está funcionando desde 2017 e tivemos crescimento de 50% ao ano”, afirma Daniela, que, mesmo trabalhando num escritório de advocacia, abriu a RTC turismo em Portugal. Uma das vantagens apontadas por ela na “terrinha” é a agilidade para abertura da empresa e a redução dos custos para manutenção do negócio. “Meu investimento inicial foi 5 mil euros. Abri a empresa em menos de um dia e, como contrato funcionários com recibo verde, não tenho tantos custos com os colaboradores”, revela. Quem trabalha por recibo verde (espécie de prestador de serviços) e ganha menos de 10 mil euros ao ano não paga, por exemplo, o IVA (imposto português sobre bens e serviços).

Segundo Números do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), atualmente já há mais de 85 mil brasileiros residindo em Portugal. Pesquisa divulgada pelo Datafolha, em junho, indica ainda que 70 milhões de brasileiros querem deixar o País e colocam Portugal em segundo lugar entre os destinos preferidos (o primeiro é os EUA). “Há cerca de três anos, Portugal entrou num ciclo virtuoso da economia e investiu pesado na infraestrutura turística, segurança, qualidade de vida e receptivo turístico. No país você vive o padrão europeu com preços mais baratos em relação aos demais países do continente”, ressalta o investidor e consultor da BM Invest Oswaldo Mattos.

Para o diretor regional Nordeste da Associação Brasileira de Franchising (ABF), Eduardo Lamartine, até mesmo os pequenos negócios têm encontrado espaço no território lusitano. “O movimento de franquias e de microfranquias em direção a Portugal também tem crescido. Basicamente temos dois perfis: quem quer morar lá e operar uma franquia ou quem quer expandir os negócios para a Europa entrando por Portugal”, explica.

Atualmente, 34 marcas brasileiras estão em Portugal, quarto maior país em número de franquias brasileiras. Uma delas é a Açaí Concept, que abriu a primeira loja há um ano e meio e já conta com 14 unidades em todo o território português. “No primeiro ano de operação a loja piloto faturou 10 mil euros, hoje o faturamento é de 30 mil euros, com lucro líquido de até 7 mil euros”, garante o diretor comercial de expansão da marca na Europa, Paulo Siqueira. O investimento inicial da operação foi de 500 mil euros e a previsão é de até 2020 ampliar esse montante para até 1,5 milhão euros. “Daqui a três meses teremos mais sete lojas em Portugal, além das três que temos na Espanha”, ressalta Siqueira. Com opções de franquia entre 32 mil euros a 70 mil euros, a rede se antecipou à ida dos brasileiros e os tem como principais franqueados (cerca de 90%), com faturamento médio de 15 mil euros a 20 mil euros.

Muito embora não se trate de uma franquia, o restaurante Mingus, que tem unidade em Boa Viagem, Zona Sul do Recife, buscou novos sócios e iniciou uma série de estudos de mercado para em 2019 abrir uma segunda casa na Europa. “Para dar os primeiros passos, iniciar a pesquisa, mandar equipe para Portugal e relacionar profissionais lá estamos investindo 100 mil euros. Com a crise, as pessoas passaram a ir menos aos restaurantes, mas a operação do Mingus é autossustentável. Não temos nenhuma unidade fora de Pernambuco, e essa oportunidade de ir para Portugal nos abre uma porta incrível para o restante da Europa”, avalia um do sócios do restaurante, o empresário Fábio Gueiros.

Entre os investidores brasileiros, tem sido comum também a prática de comprar empresas lusitanas. “Estamos atuando há pouco mais de um ano e já temos uma cartela de investimentos que vai de  500 mil euros a 250 milhões de euros. Neste caso, são empresários e profissionais liberais bem-sucedidos querendo diversificar investimentos e sair do ‘risco Brasil’”, diz o diretor titular da Direct Empreendimentos, Gustavo Morais. Hoje, Portugal representa mais de 60% dos negócios fechados na Direct.

Contrapartida

O risco citado por Morais, embora real, ainda não tem sido suficiente para afastar os investimentos estrangeiros de longo prazo no Brasil. Segundo o professor de economia internacional da UFPE, Écio Costa, o País ainda recebe mais do que aporta no exterior, mas a saída de empreendedores tem impactado diretamente a economia. “O dinheiro que não é investido na economia daqui vai gerar empregos nos outros países, e o Brasil termina deixando de ter investimentos. Isso é ruim, porque estamos falando de pessoas produtivas, que obtiveram relativo sucesso no passado e estão buscando mais segurança lá fora”, conta Costa. Conforme o professor, para além da situação econômica, o Brasil continua a ter um perfil de consumo em ascensão e perspectivas positivas de crescimento.

No sentido contrário, atraindo europeu para o Brasil, segundo o presidente da Agência de Desenvolvimento Econômico do Estado (ADDiper), Antônio Xavier, Pernambuco tem feito o seu papel no que diz respeito à concessão de incentivos. “Os atrativos de Portugal atendem a um público específico, pessoas que fazem investimento pensando em viver naquele país. Aqui, nós temos um amplo leque de incentivos fiscais, que efetivamente são diferenciais de mercado para empresas”, afirma Xavier. Para ele, o aumento de brasileiros investindo em Portugal não chega a ser encarado como concorrência ou seja capaz de atrapalhar a captação de recursos para desenvolvimento de Pernambuco. “É uma relação de ganha e ganha. Portugal é um grande parceiro. Queremos ampliar essas interações e vamos trabalhar para que no futuro tenhamos mais portugueses fazendo o caminho inverso”, confirma.

Vistos

O governo português tem aprimorado as formas de acesso a quem está disposto a investir no país. Um dos vistos mais solicitados é o chamado Golden Visa, que garante pelo menos cinco anos de residência e possibilidade de requerer cidadania. “Com investimento de pelo menos 500 mil euros em imóveis você tem direito ao Golden Visa. Se tiver interesse, após esse período, pode requerer a cidadania e viver em Portugal”, afirma o sócio da imobiliária portuguesa Consultan Guilherme Grossman.

De acordo com dados divulgados pelo Ministério Interior português na última quarta-feira (26), 6.498 não europeus garantiram residência em Portugal através do Golden Visa desde o lançamento do programa, em 2012, gerando um total de 3,9 bilhões de euros em investimentos.

Os chineses são o grupo que mais tiveram acesso ao visto: 3.936. Os brasileiros, por sua vez, já ocupam a segunda colocação e representam um total de 581 vistos dourados.

Outra possibilidade oferecida por Portugal é o visto D2, voltado para empreendedores estrangeiros. “Não existe um valor mínimo para se investir em Portugal, mas é preciso um capital mínimo de 20 mil euros para requerer a nacionalidade por ser empreendedor. Em um dia você tem sua empresa aberta, desde que tenha o NIF (CPF local) e contrato social (documentação da empresa)”, detalha o advogado da Urbano Vitalino e especialista em direito empresarial Ivo Tino.

A partir de 1º de outubro, o governo português também colocará em vigor a nova Lei dos Estrangeiros, que permite a empreendedores, trabalhadores e estudantes qualificados a obtenção de visto online. Antes da mudança, toda a documentação para solicitação ou renovação de visto residencial era entregue pessoalmente num consulado, seguido de entrevista e ida a um posto do SEF em Portugal. Em outubro, o envio de documentos poderá ser feito digitalmente e a ida ao SEF poderá ser marcada a partir do Brasil.

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