A Caixa acelerou a liberação de novos empréstimos para Estados e municípios do Nordeste depois que a reportagem do Estadão procurou o banco para questionar o motivo da queda das operações para a região neste ano. O valor de novos empréstimos para a região triplicou na última semana para R$ 270 milhões.
Em 2019, até o dia 29 de julho, haviam sido autorizados menos de dez operações, totalizando R$ 89 milhões - cerca de 2,2% do total de R$ 4 bilhões autorizados para governadores e prefeitos de todo o País.
Desde o dia 30, quando a reportagem questionou o banco, sete novos empréstimos para municípios do Nordeste entraram no sistema, no valor de R$ 46,9 milhões - duas operações para o município de Dias d'Ávila, na Bahia, no valor de R$ 15 milhões; quatro operações para o município de Simões Filho, também na Bahia, no valor de R$ 25 milhões; e uma para o município de Oieiras, no Piauí, de R$ 6,9 milhões.
Nessa sexta (2), após a publicação da reportagem, o presidente da Caixa, Pedro Guimarães, ordenou celeridade na liberação do maior financiamento para o Nordeste no ano. Foram R$ 133 milhões para a prefeitura de São Luís (MA), destinados a obras de infraestrutura. O pedido do prefeito Edivaldo Holanda Júnior (PDT) havia sido feito no dia 9 de maio e, até então, não havia sido liberado. À noite, a Caixa aprovou o contrato para a prefeitura da capital maranhense.
Com isso, o total de novas concessões para o Nordeste neste ano passou para R$ 270 milhões. Assim, a Caixa elevou o porcentual de novos empréstimos para a região de 2,2% para 5,8%, nos últimos quatro dias. No total, a soma dos novos empréstimos feitos pela Caixa para todo o País neste ano aumentou para R$ 4,6 bilhões. O levantamento foi feito com base nos números do próprio banco e do sistema do Tesouro Nacional.
Em entrevista à rádio CBN, Guimarães afirmou que o banco não tinha uma política de redução de empréstimos para o Nordeste. "A Caixa é um banco matemático. Já conversei internamente. Não existe nenhum direcionamento. Isso não existe. Somos o banco de todos os brasileiros", disse o executivo, em entrevista à rádio CBN.
Segundo Guimarães, o valor desembolsado pela Caixa para a região representava algo entre 20% a 30% do que havia sido liberado pelo banco. O executivo, no entanto, não fez referências a novas operações, tema da reportagem.
Os desembolsos são diferentes das contratações porque estão relacionados a contratos que foram firmados em anos anteriores. A Caixa não contestou os números de contratações neste ano apresentados antes da publicação da reportagem.
Segundo apurou o Estadão/Broadcast com fontes do banco e da área econômica, a ordem para não contratar operações para os Estados e municípios do Nordeste veio de Guimarães. Sob condição de anonimato, elas confirmaram que ouviram a orientação em mais de uma ocasião.
Guimarães, no entanto, disse que a liberação de recursos sofre influências sazonais e a concessão dos empréstimos leva em conta os ratings dos Estados - ou seja, a qualidade de risco e as garantias atreladas. "Neste momento, inclusive, estamos analisando empréstimos relevantes para cidades e Estados do Nordeste de um volume muito maior do que de outro. Não tem nenhuma política. Pelo contrário", rebateu o presidente da Caixa, pela manhã.
Em 2018, a Caixa fechou R$ 6 bilhões em operações para os governos regionais, sendo cerca de R$ 1,3 bilhão (ou 21,6% do total) para o Nordeste. No ano anterior, o banco contratou R$ 7 bilhões, dos quais R$ 1,3 bilhão foi direcionado para governadores e prefeitos nordestinos (18,6% do total).
Explicações em 'viva-voz'
O presidente Jair Bolsonaro telefonou nessa (2) sexta para o presidente da Caixa, Pedro Guimarães, e colocou a ligação no viva-voz para que ele desse aos jornalistas explicações sobre reportagem do Estadão/Broadcast que mostrou o baixo número de empréstimos a Estados e municípios do Nordeste. Dados da própria Caixa e do sistema do Tesouro Nacional revelam que houve redução da concessão de novos empréstimos para a região neste ano.
Ao telefonar para o presidente da Caixa, Bolsonaro avisou que colocaria a conversa dos dois no viva-voz. Ao pedir "cola", ele justificou que os dados eram técnicos. "Não existe nenhuma indicação para não favorecer uma região ou outra", afirmou o presidente do banco.
Antes da "conversa pública", Bolsonaro revelou que havia pedido explicações para o presidente da Caixa mais cedo.
"Pedro, estou com uma penca de jornalistas aqui, que estão questionando a questão do porcentual pequeno de empréstimos para prefeituras da Região Nordeste. Posso botar no viva-voz?", perguntou. Para complementar: "A gente não faz discriminação, nem quem é o prefeito, qual partido daquela prefeitura, a gente discrimina."
Na ligação com o presidente, Guimarães disse não reconhecer o dado que consta no próprio site da instituição. "Esse dado não é algo que reconhecemos. Simplesmente pegaram um dado específico, mas vai ser normalizado. Mas se é 20%, 15%, essa é uma análise técnica. É matemática", disse.
Ao encerrar a ligação, Bolsonaro afirmou que "isso é igual o desmatamento", em referência a dados oficiais contestados por ele recentemente. A divulgação de dados feita pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), contestados por Bolsonaro, levou à saída do presidente Ricardo Galvão do cargo. A Caixa não contestou os dados da reportagem antes da publicação.