AMAZONAS

A Zona Franca de Manaus e a floresta do Amazonas

Segundo especialistas, a indústria da zona franca é sustentável e contribui para deixar a floresta em pé

Ângela Fernanda Belfort
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Ângela Fernanda Belfort
Publicado em 10/12/2019 às 15:46
Foto: Gilson Melo/Fespim
Segundo especialistas, a indústria da zona franca é sustentável e contribui para deixar a floresta em pé - FOTO: Foto: Gilson Melo/Fespim
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MANAUS – No meio da floresta está o Polo Industrial de Manaus (PIM), o segundo maior do País, perdendo apenas para o de São Paulo. Lá, tecnologia de ponta e o que há de mais moderno em gestão de fábricas – incluindo modelos adotados no Japão e na Coreia – foram incorporadas ao chão de fábrica manauara. São 500 indústrias que geram cerca de 500 mil empregos num Estado que tem cerca de 4,1 milhões de habitantes. Desse total, cerca de 2 milhões residem na Grande Manaus. “O PIM produziu uma externalidade: a proteção da floresta do Amazonas”, resumiu o presidente do Instituto de Inteligência Socioambiental Estratégica da Amazônia (Piatam), Alexandre Rivas.

O Estado do Amazonas tem 96% da sua floresta em pé, segundo Rivas. E isso ocorreu por vários motivos. Um deles foi a geração de empregos no polo industrial – que demandou uma série de serviços e comércio, que adensaram a economia e diminuíram a dependência do extrativismo. O outro motivo é o isolamento que vive a capital manauara: só é possível chegar a outro Estado se for de barco ou de avião. E, por último, o polo é um exemplo de sustentabilidade porque as empresas instaladas incorporaram esse conceito há algum tempo até para cumprir metas definidas por suas matrizes que têm sede fora do Brasil.

Uma das empresas mais antigas do PIM é a fábrica de motos da Honda, que funciona no local desde 1976. A planta produz, em média, 4,1 mil unidades diariamente, que levam de 15 a 18 dias para chegarem ao seu destino final. De Manaus, as motocicletas seguem de navio por cinco dias até chegar a Belém do Pará. A partir daí, podem ser transportadas por rodovias. A companhia planeja reduzir em 50% a geração das emissões de carbono até 2030. “Essa é uma meta mundial. A nossa produção é preocupada com o futuro do planeta”, disse o vice-presidente industrial da Moto Honda da Amazônia, Júlio Koga.

Para conseguir isso, Júlio citou iniciativas adotadas como a implantação de um parque eólico no Rio Grande do Sul que gera energia limpa, alterações fabris implantadas para fazer o uso racional dos produtos naturais e tecnologias que melhoram a eficiência energética. Só como exemplo: a empresa passou a usar a sucata metálica – gerada no setor de estamparia – como uma das matérias-primas para fazer os cilindros das motos. E isso eliminou a compra de 100% do ferro gusa adquirido com essa finalidade. A fábrica da Honda emprega cerca de 6 mil pessoas.

“A Zona Franca não é só do Amazonas. É do País, porque adquirimos muitos componentes de outros lugares. Por exemplo, do Sul do País, trazemos os pneus da fábrica da Pirelli (no Rio Grande do Sul); o aço vem da Usiminas, de Minas Gerais”, contou Júlio. Além da unidade fabril, a Honda do Amazonas tem uma reserva de mil hectares de terra, dos quais 80% são ocupados com floresta nativa. Na reserva, em 160 hectares são cultivadas árvores frutíferas e espécies ameaçadas de extinção, como pau-rosa, copaíba e andiroba.

DESENVOLVIMENTO

O crescimento sustentável do Amazonas foi o mote principal da I Feira de Sustentabilidade do Polo Industrial de Manaus (Fespim) que contou, na última semana de novembro, com a participação de especialistas que estudam aquela região. “Só acredito na economia com a floresta em pé. Precisamos passar a ter a BR-319. Não bastam apenas os incentivos fiscais. É preciso investir na infraestrutura inteira. Não há internet (de qualidade), não temos portos nem hidrovias. Também precisamos investir em capital intelectual”, resumiu o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto (PSDB), na abertura do evento.

A BR-319 ligaria a cidade de Manaus a Porto Velho, capital de Rondônia. “Uma parte das pessoas defendem que a BR-319 não deve ser finalizada porque poderia trazer mais desmatamento por causa do acesso mais fácil à floresta. No entanto, o cidadão daqui também deve ter o direito de ir e vir, usando uma rodovia”, defende o diretor do Amazon Receptive, Orsine Oliveira Júnior, que esteve à frente da Secretaria de Turismo do Amazonas entre 2017 e 2018. Na palestra, que fez durante o evento, ele defendeu que o Amazonas deveria explorar mais as opções turísticas da floresta e de pesca esportiva, que podem ser o “destino verde do Brasil”.

Ainda no evento, outra opção para o desenvolvimento local citado por especialistas é aliar o extrativismo das comunidades que estão no interior com o processamento industrial, o que já é feito por algumas empresas como Coca-cola (que compra o guaraná), Natura, que adquire produtos, como ucuuba, cacau etc. Fabricante de compostos plásticos, a empresa Rubberon pretende ativar, no PIM, uma unidade que vai começar a funcionar em 2020 com a finalidade de beneficiar 500 toneladas por mês de CVP, uma espécie de borracha prensada feita do látex, extraído da seringueira.

“As empresas do setor que não se voltarem para a bioeconomia podem fechar em 10-15 anos. O biodegradável é uma tendência que veio para ficar e acreditamos que vale a pena investir num negócio sustentável”, afirmou o diretor-presidente da Rubberon, Marco Garcia. A empresa vai fazer uma parceria e o produtor que fornecer para a companhia receberá também um valor de uma subvenção já existente da Conab para pequenos produtores, deixando o preço da venda mais atrativo. A empresa também se aproximou da Agência de Fomento do Estado do Amazonas (AFEAM) que pretende dar apoio – incluindo uma subvenção estadual para que os pequenos produtores se organizem em associações e a opção de venda chegue aos moradores de áreas mais inacessíveis. Historicamente, a borracha trouxe muita riqueza ao Amazonas. No começo do século XIX eram comercializados 40 mil toneladas de látex por ano. Hoje, essa produção é de 400 toneladas anuais. A concorrência com a Malásia, uma praga que atacou as seringueiras na década de 70 e a dificuldade de venda dos pequenos produtores contribuíram para o encolhimento da atividade.

REFLORESTAR

Apesar de estar dentro de uma grande floresta, a capital do Estado do Amazonas é pouco arborizada. E um dos principais projetos de plantio de arvores por lá surgiu de uma parceria liderada pelo Instituto Soka – Centro de Pesquisas e Estudos Ambientais do Amazonas (Cepeam) – localizado em frente ao encontro das águas dos rios Negro e Solimões, onde nasce o segundo maior curso de água do mundo, o Amazonas.

O centro fez uma parceria com as maternidades públicas de Manaus e a cada criança que nasce naquela capital, se os pais concordarem, é plantada uma árvore que simbolize esse ato. A iniciativa resulta no plantio de quase 300 sementes de árvores por mês.

O Instituto é uma ONG e está há 30 anos no mesmo espaço. E, para quem chega lá pela primeira vez, a impressão é de estar conhecendo uma parte nativa da floresta amazônica. Ledo engano. A instituição escolheu um local degradado para se instalar em 1992. “Era uma lixeira com olarias da época da borracha”, lembra o diretor-presidente do Instituto Soka – Cepeam –, Edison Akira Sato. E complementa: “Somos a prova de que é possível recuperar a floresta”.
O centro recuperou 60 hectares de floresta, introduzindo inclusive árvores que correm o risco de desaparecer. Lá também também são produzidas sementes das espécies nativas da Amazônia.

“Também mantemos parcerias com 18 universidades, porque o importante é repassar o conhecimento”, diz o gestor ambiental do Soka, Jean Dinelly Leão. O objetivo principal da instituição é apoiar iniciativas que potencializem o conhecimento sobre a floresta, o que inclui também formação sobre o meio ambiente aos professores.

O local é uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) que pertence à Soka Gakkai International, uma Organização Não Governamental (ONG) com mais de 12 milhões de associados em 192 países. O fundador da instituição foi o filósofo e poeta japonês Daisaku Ikeda, conhecido também por ser o autor da Carta da Paz que envia, anualmente em janeiro, à Organização das Nações Unidas (ONU), sugerindo várias medidas que resultem num mundo mais pacífico. Ele teve a ideia de implantar o centro da Amazônia em 1990, quando começaram as discussões preparatórias para a Rio 92, uma grande conferência do meio ambiente promovida pela ONU.

 A repórter viajou a convite da I Fespim

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