Pernambuco deveria estar comemorando. Depois de mais de duas décadas de acalanto, o que era um projeto distante tomou corpo e finalmente poderia caminhar para realizar seu propósito: ontem, a Petrobras anunciou que a Unidade de Coqueamento Retardado da Refinaria Abreu e Lima (Rnest), última fase do chamado “primeiro trem”, entrou em operação, concluindo a primeira etapa do empreendimento, agora apto a fornecer combustível para o Brasil.
Mas o que era expectativa de vigor econômico e autossuficiência de combustíveis virou frustração, já que a Rnest é um dos pontos mais sensíveis da operação Lava Jato, que investiga a corrupção na estatal. O silêncio da companhia só reforça o receio de que a segunda fase da usina nunca chegue a operar. E, para os pernambucanos, fica o “meio-sonho”, a desconfiança de que os milhões vazados nas propinas investigados pela Polícia Federal poderiam ter dado ao Estado o projeto inteiro.
A Unidade de Coqueamento Retardado (UCR) produzirá coque, um subproduto de petróleo que, grosso modo, reúne a parte mais “pesada” do óleo, liberando o restante para derivados mais nobres. Neste caso, o item é chamado de coque “verde” de petróleo (CVP), devido ao baixo teor de enxofre, ao contrário do que é retirado do carvão. O CVP tem usos diversos, entre eles a utilização como combustível por indústrias siderúrgicas, metalúrgicas e cimenteiras.
O anúncio da UCR foi feito quatro dias depois da Petrobras divulgar que entrou em funcionamento outra unidade, a de Hidrotratamento (HDT), responsável por produzir o diesel S-10, que tem um teor de enxofre muito baixo, de 10 partes por milhão – enquanto o diesel comum tem 500 partes por milhão. O S-10 é o principal produto da Rnest. A carga inicial é de 45.915 barris por dia. Além dele e do coque, a refinaria já produz comercialmente nafta, gás combustível, gás liquefeito de petróleo (GLP) e gasóleo pesado.
São feitos que acabam soterrados pelas pás de cal que a Lava Jato vem jogando sobre a Rnest, agravadas pelo silêncio da Petrobras. Sabe-se, por exemplo, que o S-10 deveria corresponder a 70% do volume de produção, considerando a capacidade instalada de 230 mil barris diários. No entanto, a companhia não informa sequer os atuais volumes de produção totais da refinaria. A última informação sobre a relação entre o que é fabricado e o que foi previsto no funcionamento pleno é que a Rnest opera com apenas 19% da capacidade total, ou seja, pouco mais de 40 mil barris diários.
Um dos golpes que sinalizam para uma refinaria “menor” veio ainda em janeiro deste ano, quando a estatal decidiu cancelar os investimentos na construção das refinarias Premium I e II, no Maranhão e no Ceará, respectivamente, além de adiar indefinidamente o prazo para a segunda fase da Rnest, antes marcado para maio deste ano. Desde do anúncio dessa revisão de calendário, a Petrobras não responde aos questionamentos sobre uma nova data para que a refinaria cumpra o objetivo inicial de 230 mil barris/dia, que deveria ter sido atingido desde 2011, primeiro cronograma para funcionamento total da Rnest, e cravaria a realização do sonho pernambucano de sediar uma refinaria, que remonta à década de 1980.
Uma das últimas empresas que atuam na montagem da usina é o consórcio CNCC, liderado pela Camargo Corrêa, investigada na Lava Jato. De acordo com fontes da reportagem, o contrato dele com a Petrobras encerra-se no fim de abril. Segundo o CNCC, a obra está em 92% e o consórcio “segue cumprindo o contrato (...) e busca entendimentos para finalizar o projeto conforme planejado (...).” Desse acerto depende o destino de 3.300 trabalhadores, que podem ser demitidos – ou desmobilizados, para usar o termo que define o fim das obras – deixando para trás um trabalho incompleto.