Ensino técnico

Educação profissional vive o desafio de derrubar preconceitos

Nunca houve tantos estudantes em cursos profissionalizantes e técnicos, ao passo que as empresas nunca demandaram tantos trabalhadores com esse perfil. Para a balança se equilibrar, Brasil precisa superar excesso de valorização do diploma universitário

Felipe Lima
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Felipe Lima
Publicado em 01/04/2012 às 8:00
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A educação profissional vive um momento decisivo. A procura por esse tipo de ensino atingiu patamares inéditos no Brasil e em Pernambuco. Só que não o suficiente para matar a fome do mercado de trabalho, em especial, o voraz setor industrial. Salários altos e emprego certo, por incrível que pareça, se mostram ineficientes para corrigir a atual distorção do nosso sistema educacional. Apesar de cada vez mais jovens estarem buscando aprender uma profissão, pode-se dizer que ainda falta um maior interesse do público-alvo. A dura verdade é que o desejo pelo diploma universitário, uma cultura secular no Brasil, mascara um preconceito enraizado na sociedade: de que ensino profissional é coisa de pobre.

Em 2011, Pernambuco contava com 31.411 alunos matriculados em cursos técnicos, públicos e privados (aqui incluídos os do Sistema S). Mas análise da consultoria Ceplan mostra que somente as demandas até 2014 de dois segmentos econômicos, a construção civil e a indústria metalmecânica, são de 32.500 novos trabalhadores por ano. O equilíbrio está distante. São nove milhões de estudantes de Ensino Médio no Brasil. Um milhão faz um curso profissional. Aproximadamente 11%. Pernambuco está próximo disso, com 8,8% - já que são cerca de 350 mil pessoas no segundo grau.

É fato: construir uma escola, contratar professores, comprar equipamentos, definir uma grade curricular e formar, em dois anos, uma turma é um processo que não consegue acompanhar o anúncio quase diário de novos investimentos em Suape, Mata Norte, no interior. Nenhum gestor ou especialista discorda disso. Faltou planejamento e vontade política no passado, não há dúvidas. A “justificativa” era de que com a economia do País estagnada por quase duas décadas, a educação profissional, ligada por um cordão umbilical ao mercado, simplesmente perdeu espaço. A retomada só veio acontecer em 2005. As razões para o atual descompasso, entretanto, extrapolam o desafio de recuperar o tempo perdido.

Na Escola de Referência em Ensino Médio Nóbrega, pertencente à rede pública estadual de ensino, sobram ambição e consciência de que o momento econômico vivido pelo Estado escancarou oportunidades. Nenhuma no setor técnico. Pelo menos para um grupo de 16 alunos ouvidos pela reportagem do JC, com idades entre 14 e 19 anos. Apesar de reconhecerem a importância da educação profissional, todos almejam a graduação.

“Quando disse que iria fazer um curso de eletrotécnica, me perguntaram porque eu tinha escolhido passar a vida subindo em poste de luz”. É com ironia que Edivânia Maria da Silva, 20 anos, relata a sua experiência com a desinformação das pessoas a respeito da educação profissional. A situação fica mais absurda quando ela e outros sete alunos do IFPE enumeram as vantagens e os motivos que os levaram a abraçar esse modelo educacional: perspectiva real no mercado de trabalho; crescimento na vida profissional por deter com profundidade o conhecimento prático; maior respaldo na tomada de decisões em uma empresa que graduados na mesma área; melhores condições para se tornar um empreendedor.

A história explica a barreira cultural quando o assunto é ensino profissional no Brasil. No final do século 19, quando foram criados os Liceus de Artes e Ofícios nas principais capitais das então províncias - no Recife, a instituição surgiu em 1880 - o público-alvo eram crianças órfãs e abandonadas. Anos depois, em 1909, foi a vez das escolas de Aprendizes Artífices destinadas aos pobres e humildes. “Essas instituições eram destinadas aos desvalidos da sorte. A ideologia era de que os filhos das classes dominadas deveriam ter uma formação básica para atender às necessidades do mercado. O ensino técnico só ganhou valor nas décadas de 1970 e 1980, quando o setor industrial teve impulso no Brasil”, conta a reitora do IFPE, Cláudia Sansil, lembrando que deveria partir da família o primeiro passo para derrubar o preconceito.

A análise do diretor de Educação e Tecnologia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Rafael Lucchesi, é tipo soco no estômago. “O sonho da família brasileira é ter um filho doutor. É a tradição de olhar pelo retrovisor, a herança jesuíta do academicismo. De que só se pode ingressar no mercado com o fim da faculdade. O que não se percebe é que os jovens são treinados para o vestibular. Desenvolvem um suposto senso crítico de que um operador de máquinas é um profissional adestrado. Quando, na verdade, hoje, as carreiras profissionais são as que possuem maior empregabilidade e melhor remuneração”.

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