O rápido desenvolvimento de Goiana fez vir à tona um problema legal que tem atrapalhado os negócios do novo polo econômico de Pernambuco. A maior parte dos imóveis da cidade simplesmente não tem registro imobiliário: as áreas são invadidas ou apenas pendentes de regularização. O resultado prático disso é que na cidade, hoje alvo de investimentos de multinacionais como o grupo italiano Fiat, as pessoas costumam negociar casas e terrenos apenas com recibo, como quem compra ou vende um fogão. A precariedade provoca espanto nos empresários, é reconhecida por corretores e até pela prefeitura. A busca é por uma solução para o problema.
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Paulo Francisco de Nascimento, 53 anos, há muito tempo conhece o problema. Ele foi o primeiro corretor de imóveis de Goiana, uma história bem curiosa. Depois de ir à falência no ramo de confecções, em 2003 ele resolveu se virar como mototaxista e, ao mesmo tempo, na intermediação de compra, venda e aluguel de casas. “Comprei uma moto e usava uma jaqueta com o nome Paulo Corretor. E é assim que sou conhecido na cidade até hoje”, lembra.
O curso de técnico de transação imobiliária, para tirar registro no Conselho Regional de Corretores de Imóveis (Creci), capacitou Paulo a entender todas as etapas envolvidas nos negócios imobiliários. Foi quando ele se deparou com a precariedade dos registros em grande parte da cidade.
“Se a gente pega dez contratos de compra-e-venda, dois vão ter escritura pública e os outros são com base apenas na posse do imóvel e em recibo. Isso dificulta o desenvolvimento do mercado imobiliário em Goiana”, afirma o corretor.
Os problemas não ficaram no passado, na época em que ele começou na atividade. Paulo cresceu no negócio, hoje tem uma imobiliária com recepcionista, estagiários e atende a clientela em um escritório com uma bela mesa de granito. Na garagem da família estão dois automóveis Tigo, da Chevy.
“Desde 2007, com Hemobrás, fábrica de vidros e a Fiat, os preços subiram muito, mas os negócios continuaram na base do recibo”, relata o corretor.
Em 2008, diz, as distorções provocadas pela falta de registro teriam sido tantas que a Caixa Econômica Federal (CEF) resolveu apurar porque sua unidade de Caruaru fechou o ano com mil financiamentos imobiliários e a de Goiana com apenas cinco. O banco foi procurada na última sexta-feira, mas alegou não ter tempo hábil para checar a informação.
Um exemplo do que o problema provoca é o caso de Fátima, nome fictício de uma empresária que não quer ser identificada. Ela chegou a fechar negócio em um terreno para investir na cidade. Quando pediu os papéis, descobriu que era só uma posse. “Sem registro não dá para conseguir um empréstimo e investir”, lamenta.
O 1º Ofício de Notas e Registros de Imóveis de Goiana, apesar de carregar o “1º” no nome, é o único cartório na cidade para registrar casas, prédios e terrenos. O titular é Carlos Torres, que admite o problema, mas em dimensão bem menor do que na versão de Paulo.
“Se existe dessa forma, não chega ao cartório”, afirma Carlos. A questão é que, como ele acumula ainda um ofício de notas, onde são registrados contratos, o notário deveria perceber a discrepância entre o número de registros imobiliários, de um lado do cartório, e o de contratos, no outro lado.
De uma forma ou de outra, mesmo se as distorções realmente não chegarem até o cartório, elas são percebidas por vários outros entrevistados e até pela prefeitura, que não apenas confirma o problema como se refere a ele nas mesmas proporções descritas por Paulo Corretor. Goiana teria cerca de 40 mil imóveis e menos de 20% teriam registro.
Por lei, um programa de regularização fundiária é de responsabilidade do município. Carlos Botelho, secretário de Desenvolvimento Econômico, diz que a prefeitura vai fazer um esforço, sugerir parcerias com o Poder Judiciário, por exemplo, e tentar solucionar o problema – que é bem antigo, vale ressaltar.
“Apesar dos projetos econômicos, Goiana é uma cidade pobre. Precisamos trabalhar para regularizar os imóveis e também no recadastramento, para melhorar a arrecadação do IPTU”, conta Botelho.