Um mistério ronda a conta de luz do Recife. A Contribuição para o Custeio da Iluminação Pública (CIP), um tributo para bancar o gasto com a iluminação de praças, ruas e avenidas da cidade, chega todo mês na fatura da Celpe, que recolhe o dinheiro para as prefeituras. Por lei, no Recife, o tributo varia com o reajuste da energia em abril, alta que chega às contas de fato a partir de maio. Este ano foi diferente. A fatura subiu em maio, como sempre, e em julho, um mês totalmente atípico, aumentou de novo. O motivo foi a CIP, que além de ter aumentado “fora de época”, dois meses após a data em que costuma subir, ainda trouxe dúvidas sobre o valor da alta.
De um lado, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), responsável por calcular a inflação oficial do País, diz que a CIP subiu 35% no Recife. Do outro, a Celpe, que arrecada o valor para as prefeituras, informa que a alta foi de 24,19%. A diferença vale muito dinheiro.
O tributo é previsto na Constituição como forma de manter a iluminação pública. Cada prefeitura tem suas regras. No Recife, a lei municipal número 17.070, de 2004, determina que toda vez que a energia da Celpe subir, a CIP vai junto. Desde então, é automático: tudo sobe a partir de abril, quando entra em vigor o reajuste da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Este ano, a Aneel autorizou uma alta de 17,5% na conta residencial em Pernambuco.
Mas quando o IBGE divulgou a inflação, no início do mês, a surpresa: a fatura residencial do Recife subiu 3,94% em julho, após aumentar 16,65% em abril. No ano, já são 19%. O IBGE é taxativo: o tributo municipal subiu 35% em 13 de junho, mês que foge ao padrão da CIP.
A alta aparece em um boleto aleatório, mas em outro percentual – na conta, a CIP foi de R$ 7,54 para R$ 9,36. A fatura pode não representar a média de uma cidade com 1,5 milhão de habitantes, mas foi enviada para solicitar posicionamento da Celpe. A companhia evita questionar o IBGE. A Celpe ressalta só arrecadar e repassar a CIP, diz seguir a legislação municipal e enfatiza que a alta na verdade foi de 24,19%, “como pode ser conferido na fatura de energia.”
PREFEITURA
Quando se observa o valor da Contribuição para o Custeio da Iluminação Pública (CIP) efetivamente repassado à Prefeitura do Recife, o mistério da conta de luz aumenta. Antes do aumento da CIP em junho, a prefeitura registrou queda na arrecadação do tributo. Em média, o município recebeu R$ 550 mil a menos por mês, no primeiro semestre, na comparação com o mesmo período de 2013.
Fernando Lins, secretário-executivo de Finanças, afirma que a lei municipal é clara e tem até uma tabela para o cálculo da contribuição de iluminação pública. A CIP varia conforme faixas de consumo – de forma geral, é como o Imposto de Renda, com alíquotas maiores conforme aumenta o consumo da casa ou apartamento, até um teto. “Quando sobe a energia da Celpe, a contribuição sobe também”, explica Fernando Lins.
O dinheiro da CIP vai para a Empresa de Manutenção e Limpeza Urbana do Recife (Emlurb) cuidar da iluminação pública da capital.
Lins conta que, na média, a prefeitura arrecadou este ano R$ 4,559 milhões por mês, de janeiro a junho. Ano passado, na mesma época, a arrecadação foi de R$ 5,108 milhões. “Não está claro ainda o motivo. Solicitamos mais informações à Celpe para entender se é inadimplência maior, por exemplo”, completa.
Procurada sobre o assunto, a Celpe não soube informar o motivo. “Em relação aos valores mensais da CIP, a concessionária informa que está levantando as informações solicitadas. A Celpe se coloca à disposição”, escreve, em nota.
SETOR
No País inteiro, os reajustes da energia elétrica têm sido elevados, devido a problemas climáticos e erros na política do setor. A falha começou na Medida Provisória 579, depois convertida na Lei 12.783/2013, que veio para cumprir uma promessa de campanha da presidente Dilma Rousseff (PT) de reduzir em 20% a conta de luz dos brasileiros. Houve uma queda passageira, mas no final a lei teve resultado contrário.
O governo forçou estatais que geram energia, como a Chesf, a engolirem prejuízos para reduzir o custo da eletricidade. Mas só companhias sob controle político federal toparam. Quando veio a seca que afeta o País, faltou energia barata no mercado e o prejuízo se espalhou pelo Brasil, para distribuidoras como a Celpe, que compram energia para revender.
Os empréstimos para socorrer as empresas já chegam a R$ 17,7 bilhões. A fatura, no final, é do consumidor: este mês as contas subiram 23,6% no Espírito Santo, 22,6% em Santa Catarina e 35% no Pará. Os efeitos devem se refletir ao menos até 2017.