Entrevista

Sérgio Machado fala sobre os 10 anos da retomada da indústria naval

Presidente da Tranpetro diz que o próximo desafio é a competitividade

Adriana Guarda
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Adriana Guarda
Publicado em 13/09/2014 às 7:05
Marino Azevedo/Transpetro
Presidente da Tranpetro diz que o próximo desafio é a competitividade - FOTO: Marino Azevedo/Transpetro
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Há 11 anos na presidência da Transpetro, o cearense Sérgio Machado é o timoneiro na retomada da indústria naval no Brasil. Na condução do Promef enfrentou águas agitadas (no momento da partida do programa) e agora espera por bons ventos e mares tranquilos.

Jornal do Commercio - São 10 anos do Promef e sete navios entregues. É positivo o balanço que o senhor faz do programa?
Sérgio Machado
- Nós começamos a estruturar o programa me 2004, mas o primeiro contrato assinado foi em 2007. Levamos 14 anos sem entregar nenhum navio. Nos últimos 3 anos entregamos 7 e até o final do ano mais três ou quatro. Passamos 20 anos sem nenhuma encomenda e a indústria naval tem hoje a quarta carteira mundial em navios em geral e a terceira em petroleiros. Empregamos mais de 80 mil pessoas e só o Promef criou três novos estaleiros, dois deles em Pernambuco. Nós estamos caminhando pro rumo, as coisas começam a acontecer. Há uma demanda grande por plataformas e barcos de apoio. Enfim é uma indústria que começa a se firmar e se preparando para se tornar um player mundial.

JC - A previsão era que a conclusão das entregas acontecesse em 2016 e o novo prazo agora é 2020. Esse atraso foi maior que o esperado?
SM
- O primeiro navio foi que levou mais tempo do que o esperado. A partir do segundo os atrasos estão reduzidos. Hoje a gente está trabalhando com atraso de dois a três meses.

JC - O João Cândido e o Zumbi dos Palmares foram construídos em 45 meses, o Dragão do Mar caiu um pouco para 39 meses. Qual é a meta da Transpetro?
SM
- O tempo que estava programado era um prazo de 24 a 30 meses. A gente quer, paulatinamente, na medida que for vencendo a curva de aprendizagem ir reduzindo esse prazo. Ninguém sai da inércia sem pagar um preço. Só quem acredita em varinha mágica e em fada madrinha. Isso é assim no mundo todo. Na Coréia, os três primeiros navios da Hyundai o cliente não aceitou e eles tiveram que criar uma empresa de navegação para usar esses navios. Nós não tivemos esse problema. O João Cândido, que foi o primeiro navio, no ano passado foi eleito o melhor navio da frota e acaba de voltar de uma viagem ao Chile, levando petróleo para lá e passando pelo Estreito de Magalhães, que é uma região difícil, com ondas enormes, mas ele teve um desempenho muito bom.

JC - Quando deve acontecer a licitação de três navios do Promef que estavam com o Estaleiro Superpesa, mas eles não puderam dar conta da encomenda?
SM
- Estamos preparando para lançar e acreditamos que deverá acontecer ainda este ano.

JC - E o lançamento da terceira etapa do Promef, que já vem se falando a algum tempo. Vai sair?
SM
- Essa é a discussão maior, o lançamento do Promef 3. Nenhum País é soberano se não tiver uma Marinha Mercante própria. Os países que dominam 50% do comércio mundial têm mais de 70% da frota porque é estratégico. Nós precisamos mudar a matriz de transporte e dar um peso maior ao aquaviário. Precisamos aproveitar os 50 mil quilômetros de rios que temos no Brasil. A indústria naval é fundamental, além do que uma das maiores riquezas do Brasil é o petróleo do pré-sal, que traz oportunidade para a produção de plataformas, barcos de apoio, petroleiros e sondas. Agora pra isso ter sustentabilidade é preciso ser competitivo mundialmente.

JC - O que falta pra lançar o Promef 3? É avançar nas duas primeiras etapas ou o momento político não é propício?
SM
- A gente precisa completar primeiro o ciclo atual. E também não tem sentido lançar o Promef 3 em período eleitoral. Depois dos dirigentes eleitos vamos dar continuidade ao processo.

JC - O senhor estava falando em soberania da Marinha Mercante. Qual é o tamanho da frota da Transpetro hoje e quanto o País gasta com afretamento de navios de outras bandeiras?
SM
- Nós temos uma frota hoje de 60 petroleiros e vamos passar para 110. Isso é uma evolução significativa. Para se ter uma ideia a Petrobras utiliza hoje 250 petroleiros. E vamos começar a fazer não só cabotagem mas também longo curso, como a que o João Cândido fez com sucesso. O Brasil gasta hoje US$ 17 bilhões com transporte marítimo. Isso porque 95% do nosso comércio internacional é feito por transporte marítimo.

JC - No mercado têm se defendido que a política de nacionalização poderia ter começado com um índice mais baixo para depois ir aumentando. O senhor acha que foi ousado começar com 65%?
SM
- Acho que o índice de 65% deve ser mantido. Nossa preocupação não tem que ser discutir revisão de conteúdo nacional tem que ser a competitividade. A pré-condição para uma indústria nacional competitiva é ter estaleiro, mas a condição para que isso aconteça é ter gestão. Temos uma vantagem que poucos países têm, que é financiamento e demanda. Discutir o conteúdo nacional é querer combater a febre quando nós temos que combater a infecção. Temos que enfrentar o problema, ter projeto, planejamento, controle de qualidade. No primeiro navio a gente teve quase 40% de trabalho e hoje a ideia é ficar entre 3% e 5%. Criamos o SAP (Sistema de Acompanhamento da Produção) para melhorar a produtividade.

JC - Um dos desafios do Promef foi a compra do aço para construir os navios. Quanto o programa conseguiu comprar no mercado brasileiro?
SM
- No começo do programa era zero, mas hoje já chega a 40% as compras nacionais. A indústria nacional também se reorganizou pra ser competitiva. Nós não podemos permitir que um índice que pesa de 20% a 30% do custo seja mais caro do que os concorrentes da Ásia têm, senão não vou ser competitivo, sobretudo numa indústria nascente. Como somos uma indústria retardatária temos a vantagem de não cometer os mesmos erros de quem veio na nossa frente.

JC - Outra crítica de especialistas do setor é que a inteligência da atividade é de fora do Brasil, por meio das parcerias internacionais. Como o senhor avalia isso?
SM
- Se você olhar a história do mundo em qualquer setor, todos seguiram essa trajetória. Eu não posso inventar a roda, tenho que aperfeiçoar a já existente. E nada melhor do que trazer parceiros que possam queimar etapas, sobretudo agora que os parceiros estão vindo não só para vender assistência técnica, mas pra ser acionista e correr risco.

JC - A retomada da indústria naval está ancorada nas encomendas da Petrobras. O setor já tem condição de competir internacionalmente?
SM
- Os players do setor levaram de 30 a 40 anos para chegar aonde estão. A gente precisa um pouco mais de tempo pra ser competitivo. Nós estamos tentando criar programas (como o SAP) para queimar etapas e amadurecer mais rápido. Pela lei da natureza a gente não pode colher antes de plantar. Isso não vai ser num piscar de olhos. Tem uma frase que eu gosto muito: quando me analiso me envergonho, quando me comparo me orgulho.

JC - Os valores dos contratos foram reavaliados, em função da valorização do dólar e de outros fatores?
SM
- Essa pergunta é muito importante. Nenhum contrato com nenhum estaleiro nós fizemos qualquer reajuste de valores. O que houve foi só correção de indicadores previstos no contrato. Não teve mudança de preço.

JC - Alguns estaleiros entraram em crise, a exemplo do Eisa, OSX e Iesa. Como a Transpetro está vendo esse cenário?
SM
- Nenhum estaleiro desses está acompanhado por nós. Os nossos estão todos funcionando. Não posso falar dos que não têm contrato conosco.

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