A relação conflituosa entre a Previdência Social e seus beneficiários, principalmente os aposentados, fez florescer associações que se vendem como defensoras dos interesses dos idosos. No Recife, pelo menos quatro instituições deste tipo estão em atuação, convocando os beneficiários do INSS através de cartas, telefonemas e e-mails. O chamariz são sempre possíveis ganhos financeiros contra a Previdência, caso a pessoa aceite ingressar na Justiça através delas. A forma de atuação dessas associações é criticada por advogados e pela própria Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O Ministério Público Federal (MPF) também já entrou com ações contra os escritórios que formam as associações.
Por prometerem ganhos fáceis, conseguem atrair uma boa clientela. “Fiquei curiosa para saber se o meu marido tem direito à revisão. Segundo eles, o INSS já reconheceu 131 mil benefícios que tinham direito e já receberam a revisão, mas dizem que esse número não chega a 1/4 dos que têm direito, que seriam mais de 600 mil pessoas”, relata a professora aposentada Maria das Graças Dourado, 62 anos. Ela disse que não se associou porque havia muita gente na fila e terminou desistindo. “Eles cobram uma mensalidade de pouco mais de R$ 100.”
A entidade em questão é a Associação Brasileira dos Aposentados e Pensionistas, que tem unidades em vários Estados. Em São Paulo, a entidade teve de assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o MPF, no ano passado, para devolver o dinheiro pago por cerca de 1,3 mil aposentados. Assim como no Recife, a associação prometia entrar na Justiça para aumentar o benefício dos idosos, mas quase todas as ações deram errado.
A gerente da unidade da associação no Recife, Luciana Varela, admite que sua entidade não consegue ganhar todas as ações e que alguns ex-associados entram na Justiça por conta disso. “Isso é matéria de direito previdenciário. Informamos que não tem como garantir êxito”, justifica. Ela não diz o percentual de sucesso e nem quanto os associados pagam de mensalidade, “depende da renda”. Apesar disso, justifica a cobrança. “Quem se associa tem direito a descontos em farmácia conveniada, acesso ao Coqueiral Parque (em Olinda), aulas de dança, consultas com psicólogo e nutricionista”, diz. Segundo ela, 3 mil pessoas estão ativas no cadastro.
Outras entidades que se dizem associações nem mesmo oferecem serviços. É o caso da Associação Nacional dos Aposentados Servidores Públicos (Anasp), que funciona num pequeno escritório do Edifício Brasilar, na Praça da Independência, no Centro do Recife. No armário da entidade, diversos processos que eles dizem estar cuidando na Justiça. Mas como conseguem as informações dos beneficiários do INSS? “Somos ligados à Confederação Brasileira, que nos fornece os dados”, diz Kelcilene Leite, auxiliar administrativa do local. O advogado responsável pela Anasp, Evandro Lago, estava viajando de férias, disse Kelcilene. “Não cobramos nada adiantado, mas se conseguirmos ganhar na Justiça, cobramos 20% de honorário e mais 10% de taxa de manutenção da associação”, diz. Eles prometem a revisão e os ganhos acumulados dos últimos 5 anos. “De 100 aposentados, conseguimos sucesso em 70”, diz a funcionária. Ela diz que consegue, em cada processo, até R$ 50 mil para as pessoas que entram na Justiça.
A Previtech é outra entidade que vem inundando os aposentados do Recife com cartas, prometendo a revisão do teto da Previdência para quem era beneficiário entre os anos de 1998 e 2001. O discurso é o mesmo. “A gente não cobra nada, não tem taxa antecipada, a não ser pleitear administrativamente o INSS”, diz Rafael Bohnke, bacharel em direito e responsável pela entidade. Entre esses profissionais, o processo é conhecido como o “Buraco Negro do INSS”.
ILEGAL
Para um advogado que preferiu falar na condição de anonimato, a grande questão em relação a este serviço é a forma como as associações captam interessados. “Eles mandam carta para o pessoal do INSS alegando que a pessoa tem revisão a ser feita mas, na verdade, não tem revisão. Pedem dinheiro antecipado e entram na Justiça já sabendo que o pleito não será atendido”, diz o profissional. Além disso, afirma, a forma como tem acesso às informações pessoais das pessoas seria ilegal, já que o banco de dados do INSS são informações sigilosas que não deveriam estar circulando.
Foi justamente a riqueza de detalhes sobre a sua vida pessoal que despertou a desconfiança da professora e historiadora Marieta Borges. “Recebi dois contatos em momentos diferentes e achei estranho porque ligaram para o meu celular procurando o meu marido. Esse número foi adquirido por ele há muitos anos. Achei muito estranho, porque ele morreu há 11 anos, mas eles sabiam de muitos detalhes. Minha filha me alertou a não dar nenhum documento que eles pedem porque podem usá-los para me transformar em laranja em algum esquema ilícito”, detalhou dona Marieta. “Mas a gente fica curiosa. Será que temos realmente direito a essa revisão?”, completa.
O presidente da Comissão de Propaganda Irregular da Ordem dos Advogados do Brasil em Pernambuco (OAB-PE), Marcus Lins, tem uma solução para todos os aposentados que ficam com essa pulga atrás da orelha. “Recebeu uma carta dessas informando sobre revisão de benefícios? Não vá atrás da associação que mandou. O melhor é ir atrás de um advogado de sua confiança. Dessa forma a pessoa evita qualquer possibilidade de ser enganada”, ensina. Ele afirma que essas entidades acobertam uma prática que é condenável dentro do código de ética da categoria. “O advogado não pode enviar cartas de forma indiscriminada para atrair clientes. E também não podem prometer situações jurídicas que podem não dar em resultado prático. Na verdade, eles operam dessa forma para atrair pessoas com o único objetivo de auferir lucro e isso, o código de conduta da categoria proíbe”, diz.
Ele afirma que a OAB está investigando esses casos, mas só pode tomar providências contra os advogados, caso seja comprovada a má fé do profissional. Como boa parte deles se protegem atrás de serviços de associações, fica impossível para a OAB tomar providências. “Quando uma pessoa receber uma carta dessas, o aconselhável é procurar a corregedoria da OAB para tomarmos providência”, diz. O telefone da OAB é o (81) 3424.1012.
No Recife ainda não foi registrada nenhuma ação contra a atuação dessas associações. Segundo a assessoria de imprensa da Polícia Federal no Estado, o simples fato de essas entidades enviarem cartas a possíveis clientes não se configura irregularidade. Um exemplo disso seriam as empresas que vendem empréstimo consignado a servidores públicos, que ligam para oferecer empréstimo. “Cabe à pessoa dizer que não quer”, diz o assessor da PF, Giovanni Santoro. Ele diz que informações pessoais atualmente estão fáceis de serem encontradas por qualquer um, inclusive através de associações de classes. “O sindicato dos policiais federais, por exemplo, tem informação de todos os servidores da instituição. A questão é saber se essas instituições funcionam como fachada”, diz. Santoro afirma, no entanto, que mesmo que seja configurado algum crime nesta situação, não cabe à PF investigar o caso. “Essa matéria não é de nossa competência, só atuamos no caso de crimes contra a Previdência, como aposentadoria fraudulenta. Casos de estelionato são investigados pela Polícia Civil.”
A delegada do Idoso, Eliane Caldas, por sua vez, informou através que nota que não há nenhuma ação que investigue as associações. “Nesta Delegacia do Idoso temos diversos casos de apropriação de rendimentos, fraudes, estelionato e retenção de documentos no tocante a pessoa idosa, pricipalmente no âmbito familiar. No entanto, especificamente quanto a questão de cartas de associações e escritórios de advogados, no momento não há, nenhum procedimento em tramitação nesta especializada”, escreveu a delegada.
O INSS, por sua vez, esclarece que os dados dos seus segurados e beneficiários são mantidos em sigilo e que, em nenhuma hipótese, fornece qualquer dado pessoal sob sua guarda a terceiros. “O direito às revisões, quando estas são devidas a um grande grupo de beneficiários como no caso da citada ‘Revisão do Teto’, é amplamente divulgada pelo INSS. Nesses casos, o Instituto tem por rotina, inclusive, disponibilizar um sistema de consulta on-line, no site da Previdência Social www.previdencia.gov.br, por meio do qual o beneficiário pode saber se possui ou não direito à revisão do seu benefício. Essa consulta também pode ser feita por meio da Central de Teleatendimento, no número 135. O INSS sempre orienta aos seus segurados e beneficiários que, por questões de segurança, não forneçam o número de benefício ou seus dados pessoais a terceiros”.