Depois de uma década quando registrou o fechamento de pelo menos 10 usinas em Pernambuco, o setor sucroalcooleiro, atividade econômica mais emblemática do Estado, ensaia uma recuperação. Três usinas voltaram a moer, de forma mais estruturada nesta safra, gerando emprego num momento em que as oportunidades estão cada vez mais raras, sobretudo para aqueles menos qualificados.
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São a Cruangi, a Pumaty e a Pedroza. As duas primeiras passaram a ser administradas por cooperativas de fornecedores de cana que arrendaram o parque fabril das empresas.
Vários motivos contribuíram para a retomada. O primeiro foi a insatisfação dos fornecedores com um número menor de usinas comprando a produção. Somou-se a isso, o preço do álcool que se valorizou nos últimos meses.
No meio de uma das maiores crises que o País atravessa, as três usinas geram novos postos de trabalho – absorvendo um pouco da mão de obra que perdeu o emprego nas obras da Refinaria Abreu e Lima (Rnest) – em Suape. A reativação também traz impacto positivo na economia de 25 cidades da Zona da Mata que têm na indústria sucroalcooleira a sua principal atividade.
“Nos últimos cinco anos, o País estava em crescimento e o setor em crise. Agora, o Brasil está em crise e o setor com a expectativa de crescer. O etanol teve um aumento significativo por causa do aumento do preço da gasolina. O litro do álcool sem impostos estava sendo vendido por R$ 1,35 em março último e na semana passada alcançou R$ 1,71. A alta do dólar também puxou pra cima o preço do açúcar”, explica o presidente da Cooperativa do Agronegócio dos Associados da Associação dos Fornecedores de Cana-de-Açúcar de Pernambuco (Coaf), Alexandre Andrade Lima. Ele foi um dos articuladores da retomada da atividade dessas usinas, costurando um acordo que passou pela criação das cooperativas e conseguiu uma redução de 6,5% do ICMS para o álcool fabricado por esses grupos.
A Coaf arrendou, por oito anos, a parte industrial da Cruangi e adquiriu uma parte do canavial da empresa, que tem sede em Timbaúba. A unidade voltou a moer nesta safra depois de três moagens paradas e deve processar 400 mil toneladas de cana-de-açúcar nesta moagem. Esse montante não é maior, porque pode ocorrer uma perda de até 35% da colheita devido à estiagem que atinge a Mata Norte atualmente. Somente na preparação da empresa para a moagem foram investidos R$ 2,7 milhões pela Coaf. Desde que começou a safra, há dois meses, a cooperativa movimentou mais R$ 15,1 milhões comprando matéria-prima, equipamentos, além de pagar salários e impostos. A unidade receberá a produção de cana de nove cidades da Mata Norte.
A lógica da reativação das usinas obedece à regra de aproveitar a cana dos fornecedores dessas regiões. As três são de porte médio e optaram pela produção do álcool. Quando estavam paralisadas, os produtores tinham moer a cana em empresas mais distantes e até na Paraíba e em Alagoas, diminuindo a rentabilidade. Numa safra, estava sobrando 1,1 milhão de toneladas de cana-de-açúcar de fornecedores no Estado. “Na última safra, pelo menos duas usinas não pagaram os fornecedores. A retomada da moagem da Cruangi, na Mata Norte, e da Pumaty, na Mata Sul, vai equilibrar esse mercado. Os fornecedores de cana só vão sobreviver em cooperativas porque, desse modo, conseguem agregar valor a sua matéria-prima”, diz Alexandre.
Administrada pela Cooperativa do Agronegócio da Cana-de-Açúcar (Agrocan), a usina Pumaty voltou a fazer uma moagem inteira nesta safra depois de receber um investimento em torno de R$ 10 milhões, segundo o vice-presidente da Associação dos Fornecedores de Cana-de-Açúcar, Frederico Pessoa de Queiroz, que responde pelo grupo que está à frente da empresa. No ano passado, a unidade iniciou uma moagem tardiamente em novembro, processando 513 mil toneladas de cana depois de duas safras sem moer. “Agora, a expectativa é de processar 700 mil toneladas”, diz. A empresa absorve a produção de cana de 10 municípios da Mata Sul.
Morador do município de Gameleira, o canavieiro Luciano José dos Santos, 37 anos, dá “graças a Deus” que a Pumaty voltou a moer, fazendo ele arranjar um trabalho num engenho em Água Preta. Em toda a vida produtiva, nunca exerceu outra atividade e cortou cana em usinas da Mata Sul, Mato Grosso, São Paulo e Minas Gerais.
Numa safra, a Cruangi gera 3,2 mil empregos, sendo 350 na indústria. Já a Pumaty precisa de cerca de 3 mil pessoas, das quais 300 ficam na indústria. Em ambas, o restante dos empregos é no campo. Uma parte desses empregos já existia pois as usinas tinham paralisado a parte industrial, enquanto as terras continuaram sendo cultivadas por fornecedores ou acionistas. “Antes da retomada, os fornecedores empregavam menos. Mas é difícil dizer quantas vagas foram criadas com a retomada”, calcula Alexandre.
Depois de um ano sem moer, a Pedroza voltou a produzir. A empresa foi arrendada à Copersur, formada pela família do fornecedor de cana Gerson Carneiro Leão e o executivo Reginaldo Moraes Filho. Com sede no município de Cortês – Mata Sul –, a empresa vai processar 300 mil toneladas de cana. A sua operação vai gerar cerca de 3 mil empregos, dos quais 350 na indústria. Ela vai comprar a cana produzida em seis municípios da Mata Sul.
Fornecedores tomaram a frente
O modelo de cooperativa de fornecedores que está sendo empregado nas usinas Cruangi e Pumaty se inspirou na experiência da Cooperativa da Agroindústria do Estado do Rio de Janeiro (Coagro) que começou um arrendamento da Usina São José na região de Campos em 2003. Este arrendamento deu tão certo que, no ano passado, o grupo de fornecedores comprou a Usina Sapucaia, fechada há quatro anos. “Em Pernambuco, a nossa expectativa é que as cooperativas continuem arrendando a Cruangi e a Pumaty”, explica Alexandre Andrade Lima que está à frente do arrendamento da Cruangi.
Até então, a única usina que tinha sido administrada por uma cooperativa em Pernambuco foi a Catende, também na Mata Sul, uma experiência muito mal sucedida que culminou com a empresa paralisando as suas atividades.
As usinas arrendadas pararam de moer pelos mais diversos motivos, indo desde briga familiar na sucessão da empresa, como ocorreu em Cruangi, até dificuldades que não conseguiram ser superadas, o que ocorreu com a Pumaty.
A retomada das usinas fez o fornecedor Abelardo Carneiro Leão contratar mais pessoas para trabalhar no seu engenho nesta safra em Ribeirão, na Mata Sul. “O cenário mudou completamente. Das 208 pessoas selecionadas para fazer o corte da cana nesta moagem, percebemos que 40 tinham trabalhado nas obras da Refinaria Abreu e Lima em Suape”, revela. E acrescenta: “quando as obras de Suape estavam no auge, cheguei a retardar a colheita pela escassez da mão de obra. Era uma dificuldade”. Ele está direcionando uma parte da produção para a Usina Pumaty. “Na safra passada, vendi uma cana que até hoje não recebi”, diz.
Outro setor que “sentiu um alívio” com a volta das usinas foi o comércio. “Quando a Pedroza estava parada, as lojas de Ribeirão registraram uma queda de 30%. Se a usina não tivesse voltado, a situação estava muito pior”, afirma o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Ribeirão, Geasy Vieira Brandão. Depois do início da moagem, “ocorreu um aumento na movimentação”, conclui.
A retomada da moagem em três usinas pernambucanas coincidiu com “o fim de um sonho” para muitos trabalhadores que saíram da Zona da Mata trocando, há alguns anos, os seus empregos no setor sucroalcooleiro pelos postos de trabalho bem melhores que surgiram na construção da Refinaria Abreu e Lima (Rnest), em Suape. Com o atual cenário de crise e desaceleração das obras em Suape, eles voltaram a trabalhar numa indústria que surgiu com os primeiros habitantes do Estado: a sucroalcooleira.
E, por incrível que pareça, a contratação das usinas para a atual moagem fez Pernambuco apresentar o maior saldo de geração de emprego entre todos os Estados do Brasil no último levantamento do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) elaborado pelo Ministério do Trabalho e Emprego. De acordo com o Caged, o setor criou 4.142 vagas de trabalho nos canaviais e 2.062 postos na indústria, todos com carteira assinada.
Natural de Joaquim Nabuco – onde fica a sede da Pumaty –, o soldador José Leonardo da Silva de beneficiou de uma dessas vagas criadas na indústria da Pumaty em setembro último. Ele passou quase quatro anos trabalhando nos consórcios que faziam as obras da Rnest, atuando como lixador e soldador até que foi dispensado em março de 2013. “Fiquei mais de dois anos desempregado. O salário da refinaria era fictício. Só tinha lá e é de outro mundo. Além da remuneração mensal ser 50% maior, tinha benefícios como plano de saúde, plano odontológico, um cartão no valor de R$ 310 para compras mensais nos supermercados”, afirma.
O primeiro emprego de José Leonardo foi o de ajudante na casa de cana na parte industrial da Pumaty. O pai dele trabalhava como cortador de cana, atividade que nunca exerceu. O soldador concluiu o fundamental e considera uma “melhora ótima” a usina voltar a moer. “Era uma tristeza ver a única empresa da cidade parada”, diz.
Mesmo com a perda de salário e benefícios, ele se diz feliz porque a carteira de trabalho está assinada e pode obter o seguro desemprego, em caso de demissão. Atualmente, passa a semana na casa de parentes em Joaquim Nabuco e durante o final de semana vai para a casa dele, em Prazeres, no Grande Recife, para onde se mudou na época em que trabalhava na refinaria.
“A necessidade me obrigou a voltar para usina. O salário é menor do que o pago nas obras da refinaria, mas estou bem e em casa”, diz o também soldador Enildo José da Silva que ficou desempregado em março último depois de um ano e dois meses trabalhando nas obras da Rnest. Com o fundamental II completo, ele se intitula “peão de trecho”, um tipo de operário que “corre” para os locais onde estão sendo realizadas grandes construções e chegou a trabalhar no Rio Grande do Norte, Bahia, Minas Gerais, Goiás e Brasília. “Com essa crise, as obras fecharam em todos os cantos. Só voltei a trabalhar com a carteira assinada em setembro último”, afirma. O pai dele trabalhava na parte industrial da Pumaty.
A parte industrial das usinas emprega as pessoas mais qualificadas que geralmente têm o segundo grau completo. No corte da cana, os trabalhadores demitidos das obras de Suape também sentem saudades dos benefícios e salários maiores pagos pelas empresas para fazer a Rnest. O atual cortador de cana Reginaldo Lima trabalhava como montador de andaime num consórcio contratado pela refinaria no qual passou quase dois anos, sendo demitido em janeiro último. Antes de trabalhar em Suape, passou mais de 10 anos no corte da cana em cidades da Mata Sul. “O trabalho também era pesado na refinaria, mas a diferença de salário é mais de R$ 1 mil”, conta. Com as horas extras, a remuneração mensal nas obras da Rnest chegava a R$ 3 mil, enquanto hoje ganha cerca de R$ 1,2 mil mensais. “Lá, o trabalho também era o ano todo”, lembra o canavieiro.
Tanto no campo como na indústria as usinas de cana empregam mais pessoas nos seis meses da moagem. “Na nossa avaliação, há um impacto positivo no emprego para as famílias que vivem no entorno dessas usinas que voltaram a moer durante a moagem. No entanto, a maioria desses trabalhadores vai ficar apenas com o que recebem da bolsa família e do Programa Chapéu de Palha durante os seis meses da entressafra”, alfineta o presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Pernambuco (Fetape), Doriel Barros.