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Arnaldo Xavier: dono da Rota do Mar é boa-praça e visionário

Empresário diz que vai voltar a exportar e criar um museu para comemorar os 20 anos de sua empresa

SAULO MOREIRA
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SAULO MOREIRA
Publicado em 27/12/2015 às 8:26
Heudes Régis/JC Imagem
Empresário diz que vai voltar a exportar e criar um museu para comemorar os 20 anos de sua empresa - FOTO: Heudes Régis/JC Imagem
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Um calo no dedo médio da mão direita. Sempre que precisa orientar os novatos sobre a posição correta de manejar a máquina de costura, Arnaldo Xavier exalta sua experiência no ofício e mostra a pequena área endurecida na pele, herança de mais de três décadas confeccionado roupas em Santa Cruz do Capibaribe, Agreste Setentrional pernambucano. Com 49 anos, jeitão de surfista e mansidão típica daqueles que nascem no interior, Arnaldo prepara as ações que marcarão os 20 anos de sua empresa, em 2016. Aproveitando o câmbio favorável, voltará a exportar; criará um museu da máquina de costura; e lançará um livro contando a trajetória empreendedora do grupo.

A Rota do Mar forma um complexo industrial e comercial que emprega 800 pessoas (direta e indiretamente), fatura R$ 40 milhões por ano e fica encravado numa região seca, com 19 municípios. Santa Cruz tem um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH, que mede saúde, renda e educação) de 0,648. Considerada média, a taxa é a 25ª melhor entre a dos 185 municípios de Pernambuco (contando Fernando de Noronha). Os números são do Atlas de Desenvolvimento Humano realizado pelo Programa das Nações Unidas (Pnud) e Ipea. O grande problema da cidade é a falta d’água. Em Santa Cruz, as pessoas convivem, atualmente, com um regime de racionamento de um dia com água e 20 dias sem.

Enquanto a seca castiga, o mercado de trabalho segue firme. Mesmo durante a crise atual, quase não há desempregados nos municípios que vivem de fazer roupas. Só em Santa Cruz, são mais de 10 mil unidades produtoras de confecções que dão trabalho a quase 80 mil pessoas. A Rota do Mar é joia da coroa do Agreste e principal indústria de confecções de Pernambuco. Uma das maiores do Brasil. Sua estratégia: custo x benefício. A empresa vende produtos no estilo surf, esporte e street wear de boa qualidade para públicos B, C e D com preços bem abaixo dos de grifes famosas, como a Seaway, Billabong e Quiksilver.

Arnaldo Xavier Alves da Rocha, chamado por muitos apenas de Naldo, é o mais velho dos cinco filhos de Adalva Olinda Xavier Rocha e Pedro Alves de Rocha. O pai morreu quando Arnaldo tinha 7 anos e a mãe, até então dona de casa, passou a costurar para sustentar a família. Arnaldo começou a trabalhar com dona Adalva aos 15 anos, numa pequena rua de Santa Cruz. Enquanto costurava roupas femininas, sonhava em fazer bermudas e camisetas semelhantes às que via nas revistas de surfe. Queria usá-las. Naqueles anos 80, pensando no que seria seu principal nicho no futuro, Arnaldo, ainda adolescente, observava pela janela da pequena casa a feira da cidade. E dizia à mãe: “Precisamos começar a vender roupa em frente de casa. A feira vai chegar aqui em um ano”. Dona Adalva resistiu, mas depois montou o comércio em frente à residência. E a feira, de fato, chegou. Os negócios prosperaram e Arnaldo, com o apoio da mãe, começou a planejar seu voo solo. Até hoje, junto com os irmãos, reserva todas as terças para almoçar com aquela que é sua grande inspiração.

“O senhor só pode ter fumado maconha estragada”, reagiu uma funcionária, usando uma expressão que nada tem de literal e serve, no popular, para rotular quem perdeu o senso da realidade. Arnaldo ouviu a frase quando juntou os empregados da pequena confecção e avisou que iria montar uma grande indústria para ser referência no Nordeste. Isso foi em dezembro de 1996 e ele, nos negócios e na vida, já contava com a esposa, Marta Ramos, com quem tem três filhas: Beatriz, 21 anos; Isabel, 16 e Alice, 13.

Hoje, Arnaldo e Marta produzem 1,5 milhão de peças por ano nas quatro fábricas que têm. As plantas se integram a cinco lojas, um das quais, resultado de um investimento de R$ 1,5 milhão – com 1.200 mil metros quadrados (m²), heliponto e hangar, onde fica estacionado um Robson 66 (2013) de 5 lugares. Além de ser um diferencial para a empresa, a aeronave é usada para Arnaldo fazer sua frequente ponte aérea de 40 minutos entre Santa Cruz e Recife sempre que bate saudade das filhas. O heliponto, por sua vez, dá competitividade à loja.

Além de clientes do Centro-Sul, vez por outra, aterrissa no local um surfista famoso ou um ator global contratado para fazer propagandas da Rota do Mar.

No último dia 15, de calça jeans, camisa polo da própria empresa, tênis e um Apple Watch no pulso esquerdo, Arnaldo recebeu a equipe do Sistema Jornal do Commercio de Comunicação (SJCC). Educadamente, antes da entrevista, pediu alguns minutos para recepcionar empregados da empresa que tinham vindo de Brejo da Madre de Deus e Caruaru para visitar a matriz. Reuniram-se num auditório perto do escritório central e começaram a escutar atenciosamente as palavras do patrão. Pela porta entreaberta, observei as expressões de admiração e apurei os ouvidos. Num dado momento, Arnaldo percebeu e, com o pé direito, deu um pequeno empurrão na porta, fechando-a. Foi o momento em que ele, de mãos dadas, fez uma oração com todo o grupo. Arnaldo é católico praticante e deixa sua religiosidade bem clara no princípio empresarial de sua empresa: “Colocar Deus acima de tudo”. Entre suas ações sociais, estão a construção de um clube poliesportivo de 5.500 m², onde professores pagos pela Rota do Mar mantêm escolinhas de futebol e outros esportes para estimular a criançada da cidade. No início dos anos 2000, quando soube que Manari, no Sertão do Moxotó, era o município mais pobre do Brasil, comprou terras na cidade, contratou agricultores locais e avisou que tudo que produzissem era integralmente deles.

Arnaldo gosta de passear pelas lojas, mas prefere mesmo é o chão da fábrica, que fica ao lado da megaloja. “Aqui me sinto bem. Conheço todos os caminhos da roupa, conheço todos os funcionários”, diz, explicando como atua a equipe de design, a de plotagem, a de corte. Ensina tudo com o didatismo de quem já passou por todas as etapas.
Caminhando por entre funcionários devidamente equipados com protetores de ouvido, Arnaldo brinca fazendo-lhes provocações inocentes porque sabe que não estão escutando. “Essa aqui é a mulher mais teimosa da fábrica”, aponta para a funcionária que, preocupada em interagir com o patrão, tira o equipamento e, curiosa, pede que ele repita. “É o quê, seu Naldo?” Arnaldo sorri como um menino e sai ligeiro. Quando passa em frente a uma moderna máquina francesa Lectra que comprou há seis anos por R$ 1 milhão, seus olhos se fixam deslumbrados no vai-e-vem das engrenagens. Poucas confecções do Brasil contam com o equipamento, que reduziu praticamente a zero as perdas durante o corte dos tecidos. A julgar pelos prêmios concedidos pelo Great Place to Work, instituição que pesquisa o grau de satisfação de funcionários no emprego, o pessoal gosta de trabalhar na Rota do Mar. “Outro dia, numa festa aqui em Santa Cruz, uma pessoa bem humilde me disse que o sonho dela era abraçar Naldo. Eu chamei ele, que deu um abraço na mulher. Ela não parava de chorar”, conta Áurea Xavier, irmã do empresário, membro do Rotary local e diretora do Moda Center. Diante de tanta popularidade, é de se pensar numa futura carreira política. Arnaldo nega veementemente o interesse, mas deixa escapar que, a pedido do ex-governador Eduardo Campos, filiou-se ao PSB.

O empresário é leve, bom de papo, tranquilo e de riso fácil. “Simplesmente gosto do que faço. Isso é minha vida”, comenta, meio tímido, desviando o olhar para o iPhone 6. “Você ainda surfa?”, pergunto. “Oxente, e então! Olha aqui”, responde abrindo uma foto no celular onde pega uma onda em Maracaípe. Mas o esporte preferido do empresário é mesmo o futebol. Além de praticar, incentiva. A Rota do Mar hoje é patrocinadora-master do Salgueiro. Há alguns anos, eram 27 clubes nordestinos recebendo dinheiro e estampando a marca da empresa.

No escritório central, entre um suco de laranja e uma água mineral, Arnaldo conta seus planos. “Há oito anos, experimentamos o mercado externo, mas depois nos concentramos no Brasil, porque o mercado interno estava aquecido. Agora, com esta crise e com o dólar alto, vamos vender para outros países”, revela. Sobre o museu, mostra as máquinas antigas que mantém em sua sala, inclusive uma Rainha fabricada há 150 anos. Ele pega uma das máquinas, empolga-se e, sorriso aberto, mostra o jeito certo de costurar. Logo se levanta, fala sobre o livro que marcará os 20 anos da empresa (escrito pelo jornalista pernambucano César Rocha) e mostra um mosaico de fotografias onde se vê famosos e desconhecidos, todos com algum produto da Rota do Mar. Entre eles, ex-jogadores como Zico, Maradona, políticos como Luiz Inácio Lula da Silva e uma funcionária chamada Fátima.Arnaldo aponta para ela e diz, quase gargalhando: “Foi esta que disse que eu tinha fumado maconha estragada”.

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