MACROECONOMIA

Economista diz que a atual crise começou com medidas tomadas no último biênio do governo Lula

Segundo Jacques Ribemboim, as medidas estimularam o consumo resultando num crescimento acelerado em 2009 e 2010, mas sem sustentabilidade

Da editoria de economia
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Publicado em 06/03/2016 às 8:00
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Segundo Jacques Ribemboim, as medidas estimularam o consumo resultando num crescimento acelerado em 2009 e 2010, mas sem sustentabilidade - FOTO: Ashlley Melo/JC Imagem
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Como alguns economistas no mundo, o professor de economia da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) Jacques Ribemboim publicou alguns artigos, em 2009 e 2010, antecipando a análise sobre uma futura crise que viria no Brasil. Analistas como Ribemboim não consideravam sustentável o crescimento baseado no consumo, modelo adotado durante grande parte da gestão Lula. Na entrevista abaixo, à repórter Angela Fernanda Belfort, ele explica porque estamos na crise, diz que o Brasil cresceu mais do que o resto do mundo por motivos eleitoreiros e critica a intelligentsia que se calou nos anos de bonança.

JORNAL  DO COMMERCIO – Na sua opinião, de quem é a responsabilidade dessa crise ? 

JACQUES RIBEMBOIM – É resultante dos erros da política econômica do presidente Lula (PT) em seus dois últimos anos de governo. Naquele biênio pré-eleitoral, isto é, entre 2009 e 2010, houve uma expansão irresponsável da economia brasileira, impedindo a chance de um desenvolvimento sustentável. Isto precisa ficar claro. Ele e sua equipe são os grandes responsáveis pelo atual quadro caótico do País. Em outras palavras, o que estamos afirmando é que a atual gestão de Dilma, os escândalos de corrupção e a crise política no Congresso são apenas atores coadjuvantes no agravamento da crise, nada mais.

 

JC – O que leva o leva a dizer isso? 

JACQUES –A população, em geral, possui uma percepção defasada em relação às causas dos fenômenos macroeconômicos. Se as coisas vão bem, atribui-se o êxito ao gestor do momento. E se vão mal, é sobre ele que recai a culpa. Acontece que os resultados de hoje foram plantados no passado. O que se via ao final do segundo mandato de Lula era um quadro de baixo desemprego e explosão do consumo. Ninguém queria criticar a equipe econômica por motivos óbvios. Os políticos porque temiam perder votos e os economistas não queriam ser inoportunos. O problema é que aquele tipo de consumo era baseado em mera antecipação da compra de bens duráveis por meio do endividamento das famílias e do governo. Estava claro que não era um crescimento sustentável. E agora, a partir de 2015, não deu outra, os governos estão falidos e as famílias passando apuros para saldar débitos. É como se diz popularmente: o poço secou.[/TEXTO]

JC – Quais foram os principais erros na condução da política econômica em 2009/2010 ?

JACQUES - Na época, foi anunciado um pacote de bondades com o aumento da folha do servidor público via aumento de contratados e reajuste salarial, ambos naquele biênio. Ocorreu também uma contenção das tarifas públicas sem aumento do combustível, energia elétrica; redução de impostos, como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) que repercutiu no consumo; aumento descomunal do crédito... de uma maneira geral foi como dar bolinho de goma para uma criança. E a classe média foi fisgada nessa oferta descomunal de crédito com juros relativamente baixos. [TEXTO]Não houve um aumento da relação capital x trabalho, como deveria ter havido. Não ocorreu um crescimento lento e consistente, como poderia ter ocorrido. Houve o melhor dos mundos durante dois anos num período pré-eleitoral para emplacar Dilma. O PIB do Brasil cresceu mais do que o resto do mundo no biênio que antecedeu a eleição de Dilma e abaixo do resto do mundo no biênio posterior à eleição da atual presidente. É uma coincidência? Não, foram motivos eleitoreiros. Não existe mágica em economia. Há responsabilidade, equilíbrio de todo tipo – incluindo o fiscal – e a economia precisa crescer com os pés no chão, mexendo com o aumento da produtividade, o estímulo ao investimento e à poupança[/TEXTO].

JC - Além das medidas expansionistas, o que faltou no biênio 2009/2010 ?

JACQUES - Faltou estímulo ao investimento. Quem investe no País é a classe empresarial que precisa de estímulo. O investimento é igual a poupança numa economia em equilíbrio. Para que haja muito investimento, tem que ocorrer de um lado estímulo aos empresários para tomarem essa poupança – pública nacional ou internacional – e investirem. O volume de recursos de uma nação se destina somente ou ao consumo ou ao investimento. O investimento do setor público também é muito importante. Faltou dinheiro ao setor público para o investimento porque ele torra em pagamento dos juros e dos servidores. Isso significa torrar o dinheiro em consumo e não em investimento. O investimento do governo também muitas vezes não é bem feito. Por exemplo, no período que antecedeu a Copa do Mundo, o gasto que se teve com estádios de futebol para receber um evento de curtíssima duração... E aí a gente fica pensando aquele dinheiro todo bem investido no que daria... Os juros ainda são muitos altos para o investidor, inibindo o investimento. No Brasil, a taxa média de investimento com relação ao Produto Interno Bruto (PIB) é de 18%. É a média histórica das últimas décadas. Os demais países emergentes ultrapassam isso. A China chega a 45%, mas não gosto de falar da China, porque é um sistema ditatorial, de supressão das liberdades e por isso não dá para comparar. Temos uma taxa de investimento baixa até com relação aos países latino-americanos.

JC - Qual seria a taxa de investimento ideal para o Brasil ?

JACQUES - Os economistas, de uma forma geral, concordam que seria necessário uma taxa de investimento de pelo menos 25% do PIB para um crescimento sustentável. Por que não conseguimos isso? Primeiro, as taxas de juros são altas. Segundo, a poupança interna nunca foi devidamente estimulada, não faz parte da nossa cultura. Não temos uma tradição poupadora. O governo – me referindo as três esferas que são União, Estados e municípios – poderia ser um grande investidor, se houvesse essa cultura por parte dos gestores públicos, porque funciona como uma grande empresa. É o investimento que leva ao crescimento e não há outra solução. O governo não dá o exemplo de criar uma cultura do investimento. O que se vê é a União sem dinheiro para investir, os Estados idem e os municípios, não vou nem comentar. Todos relativamente com excesso de servidores mal alocados, setores que deviam ter mais gente com poucos funcionários e outros com trabalhadores que não sabem exatamente o que estão fazendo. A eficiência do governo como essa megaempresa investidora não existe.

JC - O senhor já citou em vários dos seus artigos que a produtividade no Brasil não cresce. Por quê ?

JACQUES –A produtividade só cresce com o aumento do investimento. Sou favorável a um crescimento do PIB lento, gradual e sustentável. Sustentabilidade é a palavra chave. O ser humano tende a colocar um valor muito mais alto na perda do que no ganho equivalente, que é uma teoria fantástica que ganhou o Prêmio Nobel de autoria de Daniel Kahneman e de Amos Tversky, a teoria prospectiva. Ela diz que a perda de algo que foi ganho gera uma situação pior do que a inicial. O índice de aprovação do atual governo (federal) é pior nas classes menos abastadas, mais pobres. Os pobres foram tão beneficiados com um surto de consumo que não permanece mais hoje em dia. Esse pessoal está tendo o sentimento psicológico de que está pior do que antes, mesmo que esteja, por hipótese, na mesma situação. É da índole do ser humano preferir não ganhar a ganhar e depois perder. O ser humano gosta de uma melhoria sustentável, mesmo que seja lenta. O conceito de sustentabilidade é importante porque não gera esse sentimento de perda de algo que foi ganho. É sempre melhor um crescimento lento e gradual do PIB do que ter bolsões de crescimento que não sejam sustentáveis. 

JC – E por que o senhor diz que na época da explosão do consumo a maioria dos intelectuais “silenciou”?

JACQUES - Porque no Brasil, nossa intelligentsia, composta principalmente de professores universitários, está muito vulnerável ao governo. Precisam do governo para ascender profissionalmente ou conquistar prestígio, consultorias, cargos públicos. Isso inibe a crítica. Em tempos de bonança, evitam criticar governos, mesmo que estes governos preconizem o contrário do que aprenderam. E há até os que descambam abertamente para a bajulação. O intelectual, como qualquer ser humano, está sujeito ao canto das sereias. Num País de tradição patrimonialista como o Brasil, oito anos de mandato é muito porque quase todo mundo consegue a reeleição. Isso é quase mortal para o País com esse instrumental de cooptação da  intelligentsia, que é severo.

JC – E qual a solução nesse momento de crise?

JACQUES – Infelizmente, não vejo solução no curto prazo. O ciclo precisa se completar. Não existem mágicas em economia. Os excessos do passado serão compensados pela contenção no futuro. Isso já deveria ter sido aprendido no Brasil, porque não é a primeira vez que acontece. O ciclo desenvolvimentista de JK [Juscelino Kubitschek, presidente entre 1956 e 1961] resultou em inflação, desemprego e crise política, culminando com o Golpe de 64. O crescimento acelerado do “milagre econômico brasileiro”, nos Anos 70, arrasou o meio ambiente, concentrou renda, gerando uma dívida externa que implodiu a década de 80. O milagre financiado pela poupança externa é seguido pela década perdida (os Anos 80). Foi toda uma geração que sofreu muito, uma juventude entrando no mercado de trabalho que não encontrou emprego. Quando se fala de desacertos econômicos, se fala de sofrimento humano.Eu acredito que um desenvolvimento sustentável só pode acontecer em passo moderado e firme. Os investimentos devem ser impulsionados pelo próprio governo e direcionados para qualidade ambiental, saúde, educação e maior fluidez da economia (energia, estradas, portos etc), aproveitando nichos vocacionais.Educação é investimento que influi diretamente na produtividade. Capital é também educação, saúde, meio ambiente protegido, as águas, condição atmosférica. 

JC  E qual a lição que fica dessa alternância de alguns momentos de crescimento acelerado seguido de períodos recessivos e conturbados na economia ?

JACQUES –O eleitor deve sempre desconfiar de candidatos que prometam mundos e fundos, coisas do tipo “crescer cinquenta anos em cinco” ou “dobrar o salário mínimo”. Se for um candidato à Presidência, tanto pior: ou é um néscio em economia ou está tentando ludibriar o povo.O problema do País não está na crise política, mas na economia real. Tem que ampliar a razão capital x trabalho porque crescimento sustentável é lento e permanente.

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