Um dos pais do Real, o economista Edmar Bacha é o mais novo integrante da Academia Brasileira de Letras (ABL). Como autor, já escreveu 12 livros e organizou mais 18 publicações. É o caso do que foi lançado há duas semanas: a Crise Fiscal e Monetária Brasileira. Ele diz estar “muito satisfeito” por ter entrado na ABL que tem uma tradição de ter economistas no seu quadro, como Celso Furtado, “o maior de todos”. Num dos seus livros, o Belíndia 2.0 - Fábulas e Ensaios sobre o País dos Contrastes contou como o Brasil estava caminhando para ser uma mistura de Bélgica com a Índia (Belíndia) principalmente por causa da concentração de renda. Na última sexta-feira, dia 18, conversou, por telefone, com a repórter Angela Fernanda Belfort. Falou sobre o novo livro, a crise fiscal e suas consequências.
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JORNAL DO COMMERCIO – O último livro que o Sr. lançou a Crise Fiscal e Monetária Brasileira são analisados vários motivos que levaram a atual crise. Como o Brasil chegou a essa crise tão profunda ?
EDMAR BACHA – A gente pôde resolver os problemas especialmente na administração de Fernando Henrique Cardoso (FHC) através do aumento dos impostos, das chamadas contribuições sociais. Durante esse período, houve o crescimento dos gastos acompanhando o aumento da carga tributária e mantendo mais ou menos em equilíbrio o orçamento. Quando chegamos ao governo Lula, o Brasil foi beneficiado por uma enorme bonança externa com o aumento do preço das nossas commodities no mercado internacional especialmente por influência da emergência da China e sua enorme demanda por matérias-primas que produzimos e tiveram os seus preços muito aumentados. Portanto, mesmo sem os aumentos dos impostos, houve um grande aumento da arrecadação do governo (federal). Foi isso que permitiu, no governo Lula (PT), um incremento continuado dos gastos públicos. Chegamos a crise financeira internacional de 2008 e 2009, a resposta do Brasil foi um aumento ainda maior do gasto do governo para compensar a perda de mercado, o enfraquecimento do setor privado. Desde então, o mundo mudou muito e, para pior, do ponto de vista brasileiro. O auge das commodities desapareceu, porque a China desacelerou. Os países industriais entraram num processo de estagnação. Em suma, as condições externas – que permitiram o aumento dos gastos – se deterioraram e isso refletiu numa desaceleração da economia brasileira e numa perda da capacidade tributária do governo. O fato é que o quadro fiscal foi se deteriorando e aí inventaram as famosas pedaladas fiscais...
J.C. - E o que são as pedaladas fiscais ?
EDMAR – Nada mais eram do que o ocultamento da gravidade do déficit público. As despesas (da União) eram feitas através dos bancos públicos e não eram reconhecidas nos gastos orçamentários do governo, nem apareciam no déficit da União até 2015, quando finalmente ocorreu a nomeação de Joaquim Levy para Ministro da Fazenda. Ele revelou a extensão do buraco enorme que havia se criado nas contas públicas e o enorme aumento da dívida pública. Todo esse problema levou ao impedimento da presidente da República.
JC – No livro, tem um capítulo dizendo que a dívida pública chegaria a 80% a 90% do Produto Interno Bruto (PIB) se continuasse crescendo na mesma proporção que ocorreu até 2015. Qual a maneira de controlar essa relação do aumento da dívida pública com o PIB ?
EDMAR – Esse é o propósito da PEC (241) do teto dos gastos que o Congresso está votando. Espero que o Senado aprove essa PEC até o final do ano. O que a PEC faz ? Ela estabelece um teto para o aumento dos gastos limitado à taxa de inflação. Ou seja,em termos reais, descontada a inflação, a PEC estabelece que não vai mais haver aumento dos gastos públicos no Brasil, em tese, para os próximos 20 anos. Isso cria uma situação absolutamente nova do ponto de vista da nossa experiência. Como lhe disse, desde a Constituição de 1988 que houve um crescimento contínuo da relação entre os gastos públicos e o PIB. É uma medida dramática, mas acho que a classe política entendeu que ou é isso ou é a insolvência.
JC – Os movimentos sociais estão criticando muito a PEC 241. Eles acreditam que vai haver um retrocesso principalmente na área de saúde e educação com o limite dos gastos públicos. Como o Sr. vê isso ?
EDMAR – A questão que se coloca é perguntar que alternativa o País tem ? Chegamos na beira do precipício. Se déssemos um passo adiante, cairíamos no precipício. Então, foi preciso parar e tentar arrumar as contas do governo. A PEC é o primeiro passo. É verdade que a PEC sozinha não resolve, mas é necessária, embora não seja suficiente. O governo já disse que o Congresso aprovando a PEC, a próxima etapa será a reforma da previdência. O objetivo da reforma da previdência é abrir espaço do orçamento, cujo total estará congelado, para os gastos sociais poderem continuar a crescer, ainda que de forma mais limitada.
JC – O Brasil pode voltar a crescer sem esse ajuste fiscal que o Sr. defende ?
EDMAR – A retomada do crescimento tem diversas indagações que precisam ser resolvidas ao longo do tempo. Além da crise fiscal e monetária, estamos vivendo uma grande crise política. Fruto dessa última, existe uma enorme incerteza sobre o futuro relacionado à Lava Jato que vai continuar... Uma vez que se materialize a chamada delação do fim do mundo, que é a dos executivos da Construtora Odebrecht, vai causar um impacto ainda maior no sistema político brasileiro. A incerteza do futuro é muito grande. É muito difícil pedir para os empresários voltarem a investir com esse grau de incerteza política. Esse é um problema suficientemente grande. Mas ainda há outros...
JC – E quais são os outros ?
EDMAR – A verdade é que esse governo é provisório e não foi eleito. Ele está limitado nas suas ações por essas duas circunstâncias. O Brasil precisa de reformas muito amplas, mas é preciso que haja uma legitimidade dada pelas eleições, que esse governo não tem. Em segundo lugar, esse governo só tem dois anos e, portanto, há uma incerteza sobre as medidas corretas que ele está tomando... Sou favorável a PEC do limite dos gastos, a reforma da previdência, a mudança no regime de exploração do pré-sal, a despolitização das agências reguladoras e das empresas estatais, às mudanças no sistema de concessões e privatizações, a reforma do ensino médio... esse governo está fazendo tudo isso. Mas é preciso, do ponto de vista da retomada da economia, que haja uma perspectiva de que essas medidas vão continuar... porque têm que serem feitas as reformas trabalhista, tributária e política, a mais importante de todas. E tudo isso não vai ser feito num período interino de dois anos. A possibilidade de uma retomada vigorosa da economia brasileira só a partir de 2018 com um novo governo eleito.
VOLTAR A CRESCER
JC – Na sua opinião, qual o mínimo que o Brasil precisa para voltar a crescer ?
EDMAR – O problema é que as reformas que vinham sendo feitas pelo FHC foram interrompidas a partir da entrada do Guido Mantega no Ministério da Fazenda em substituição ao Palocci no primeiro mandato do Lula. Durante os dois anos do seu primeiro mandato, Lula continuou fazendo reformas, fez a reforma da previdência, a do sistema de crédito, mas isso parou, quando veio a bonança externa. Acreditamos que com a bonança, não precisávamos fazer mais nada. O governo Dilma foi o contrário, o da anti-reforma. E nesse processo, tornou o novo regime de exploração do pré-sal inviável, houve um aumento enorme dos requisitos de conteúdo nacional que inviabilizou a construção das plataformas da Petrobras, um novo regime de preço de energia que impediu a expansão do setor energético brasileiro, além da chamada nova matriz macro econômica a qual só resultou em inflação mais recessão. Infelizmente, o estrago foi muito grande e dada a sua extensão e a situação política provisória que estamos vivendo, em especial a incerteza gerada pela Lava Jato, – sobre quem vai sobrar no sistema político brasileiro – vamos ter um período de baixo crescimento até que sejam realizadas todas as reformas que o País precisa.
JC – Dá pra ter uma ideia de quantos anos pode durar esse período de baixo crescimento ?
EDMAR –Ano que vem, se crescer de 1% a 2% estará de muito bom tamanho. Em 2018, com a Lava Jato, já tendo feito o seu trabalho de limpeza, teremos uma visão mais clara sobre a continuidade da política de reformas.
EDMAR –Os Estados Unidos estão entrando numa fase de regularização da sua moeda. A presidente do Banco Central americano, Janet Yellen, já disse que deve começar a aumentar os juros na próxima reunião do BC americano em dezembro. Isso já causou um rebuliço no mercado financeiro brasileiro e mundial. A tendência é ter um enfraquecimento do real e uma valorização do dólar com a normalização da moeda americana.
JC – O Sr é considerado um dos pais do Plano Real. Qual o legado que ficou do Plano Real ?
EDMAR – O legado foi uma consciência muito clara de que o povo brasileiro não atura mais aquele regime que existia anteriormente. Havia uma hiperinflação, o governo resolvia os seus problemas emitindo dinheiro ou então dando calote na dívida como ocorreu com o (presidente) Collor. Esse passado de calote e de inflação ficaram pra trás por causa do Plano Real e das medidas que foram consolidadas durante os dois mandatos de FHC, especialmente a Lei de Responsabilidade Fiscal. Os políticos perceberam que controlar a inflação é algo que os favorece. O povo vota contra a inflação. Esse é o legado mais importante. Eu diria que há ainda um outro, que percebemos na última eleição, o povo está votando contra a gastança. Alguns prefeitos se elegeram com base num lema de austeridade fiscal e isso é uma grande novidade no Brasil.