Quem sentar na frente da TV durante esta semana vai se deparar com uma propaganda do governo Federal sobre a reforma da previdência. Nos intervalos dos telejornais e das novelas um ator aparece num vídeo de um minuto, falando que “tem muita gente no Brasil que trabalha pouco, ganha muito e se aposenta cedo”. O discurso de combate aos privilégios é a nova estratégia do governo para tentar diminuir a resistência da população ao tema. Mas essa realidade vai mudar com as novas regras? Hoje, as aposentadorias da elite dos servidores públicos contribuem para aumentar a desigualdade de renda no sistema previdenciário brasileiro.
Enquanto o valor médio do benefício no setor público é de R$ 8,2 mil, no regime geral da previdência social as pessoas se aposentam ganhando em média R$ 1,2 mil. E se o teto da aposentadoria pelo INSS é de R$ 5.531, um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) pode alcançar um limite de R$ 33 mil. “O déficit do regime geral ficou na casa dos R$ 150 bilhões em 2016 contra R$ 77 bilhões da União. A diferença é que um tem 30 milhões de benefícios e o outro 1 milhão. Quando se compara o déficit per capita, o da União é de R$ 56 mil contra R$ 5 mil do regime geral. Todas essas distorções deixa clara a necessidade de fazer a reforma. Hoje metade da despesa primária do governo Federal é com a Previdência e a tendência é crescer com o envelhecimento da população e com a manutenção das regras atuais”, defende o coordenador de Estudos e Pesquisas em Seguridade Social do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Rogério Nagamine Costanzi.
Especialistas defendem que qualquer reforma da previdência deveria começar atacando a desigualdade. “A ideia de combate a privilégios na teoria é maravilhosa, mas na prática não é assim que acontece. Só dá pra acreditar nisso quando se começar tirando de quem tem mais. Não dá para admitir incongruências como um estivador que começa a trabalhar cedo para sustentar a família e terá que ter uma idade mínima de 65 anos para se aposentar e uma filha de militar que receberá pensão vitalícia mesmo depois de casada e de estar em atividade profissional”, compara o advogado especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Reis & Pacheco Advogados, Almir Reis.
MILITARES
Excluídos da reforma da previdência, os militares vão continuar mantendo privilégios. Reis explica que integrantes das Forças Armadas que se aposentaram antes de 2001 e pagaram uma contribuição adicional de 1,5% sobre o valor do salário têm direito a deixar pensão vitalícia para filhas solteiras e casadas, mesmo que o País não esteja em situação de guerra. “Andei por mais de 30 países estudando sistemas de previdência e não vi nada parecido em nenhum lugar do mundo”, observa. Hoje, a despesa média com aposentadoria militar é de R$ 97,6 mil e o déficit na categoria chega a R$ 89,9 mil por beneficiário, enquanto a despesa com os aposentados do regime geral é de R$ 17 mil e o déficit está na casa de R$ 5 mil.
“Eu não sou contra ajustes no modelo previdenciário. Se a população está vivendo mais é preciso ajustar de acordo com a realidade demográfica nova. O que não pode é fazer uma reforma baseada em falsas premissas. É preciso pensar na proteção social e não apenas na questão fiscal. A rede de proteção social do Brasil é uma das mais amplificadas do mundo. Em mais de 70% dos municípios brasileiros, o que se paga de benefício previdenciário é superior a arrecadação do município com FMP (Fundo de Participação dos Municípios), por exemplo. E essas aposentadorias movimentam a economia de cidades do interior. Mexer com a aposentadoria de pessoas que moram no interior e a expectativa de vida não chega a 70 anos querer que ela só se aposente com 65 vai ser complicado porque provavelmente começou muito cedo a trabalhar”, pontua Reis.
O especialista defende que o modelo mais justo é o que alia tempo de contribuição com a idade. Se o profissional começou a trabalhar cedo sai mais cedo porque já aportou no sistema o suficiente para garantir a aposentadoria. E quem ingressa mais tarde geralmente são as pessoas com melhores condições de vida, porque fazem uma universidade por exemplo. “É preciso acabar primeiro com os privilégios efetivos e fazer essa estruturação de cima para baixo. Primeiro mexendo com regras para políticos e militares para depois mexer com a base tão sofrida, que ganha tão pouco e vai ser a mais atingida pelo menos de maneira imediata”, defende Reis.
A economista do Santander Adriana Dupita também se debruçou sobre a desigualdade no sistema previdenciário. Intitulado “Para além do (necessário) equilíbrio fiscal: por que reformar a previdência pode reduzir a desigualdade?”, o estudo sugere um ajuste que venha diminuir a distância no valor dos benefícios pagos aos servidores públicos e do setor privado. Em âmbito geral, o Brasil já figura entre os 15 países mais desiguais do mundo. E não é diferente no sistema previdenciário com uma base grande de aposentados pobres e uma pequena elite de aposentados ricos.