DEMISSÕES EM MASSA

Entenda o impacto social e econômico das novas demissões em Suape

Além dos 1,2 mil funcionários que podem ser desligados da Refinaria Abreu e Lima, outras demissões ainda devem ocorrer no Complexo Industrial de Suape

Da editoria de economia
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Publicado em 13/12/2018 às 9:08
Foto: Guga Matos/JC Imagem
Além dos 1,2 mil funcionários que podem ser desligados da Refinaria Abreu e Lima, outras demissões ainda devem ocorrer no Complexo Industrial de Suape - FOTO: Foto: Guga Matos/JC Imagem
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O Complexo Industrial de Suape vive novo episódio de um drama que parece interminável. Em reunião com o Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Pernambuco (Sindmetal-PE), o Estaleiro Atlântico Sul (EAS) confirmou a demissão de 500 a 600 trabalhadores, e o Vard Promar disse que planeja mandar embora outros 80 até o fim do ano. O anúncio foi feito dois dias após a Qualiman romper o contrato com a Petrobras para construção de Unidade de Abatimento de Emissões Atmosféricas (SNOX) na Refinaria Abreu e Lima (Rnest), ameaçando desligar 1,2 mil funcionários. O quadro traz à tona memórias de um passado recente, quando ocorreu a desmobilização de 42 mil funcionários da Rnest em 2014. Em todo o Complexo de Suape, que reúne mais de 100 empresas, atualmente são empregados cerca de 20 mil trabalhadores, número que sofrerá impacto até o fim de 2018. “A linha é mais ou menos esta: fazer a demissão, encerrando o ciclo de dezembro, na faixa de 800 demissões no mês. Ano que vem, segundo o estaleiro, é outro cenário, mas não vai deixar de fazer as demissões. Entre maio e junho (de 2019), termina o último navio a ser entregue pelo EAS. O Vard também vai continuar fazendo demissões até o fim do ano. E a partir daí disse que vai esperar os navios corvetas. Nesse meio período, o trabalho no Vard será basicamente de reparos em embarcações”, diz o presidente do Sindmetal-PE, Henrique Gomes.

Segundo ele, ao longo deste ano, os dois estaleiros já demitiram 1.171 pessoas. Desse total, 672 foram no EAS e 498 no Vard Promar. O EAS, que já chegou a ter 11 mil empregados diretos, encerrará o ano com pouco mais de 2 mil empregados diretos e, segundo o sindicato, meta de redução para 1.300 em 2019.

A indústria naval em Pernambuco luta para sobreviver. O EAS conta com a assinatura de dois memorandos com empresas privadas para obter novas encomendas, dois navios contêineres com capacidade de até 4,8 mil TEUs (unidade que equivale a um contêiner de 20 pés) e outras duas embarcações para o mercado de cabotagem. O Vard, que já teve 1.600 trabalhadores diretos em 2013, se concretizar as demissões de dezembro, chegará a 2019 com pouco mais de 150 funcionários diretos e também participará de licitação para fechar contratos com a Marinha. Nem o EAS nem o Vard responderam aos pedidos de entrevista do JC, enviados desde o início da manhã. A reportagem também tentou contato com os trabalhadores dentro do Estaleiro Atlântico Sul, mas não recebeu autorização para entrar.

Entre os trabalhadores que um dia sonharam com uma vaga no estaleiro e agora vivem um pesadelo, é o montador Santiago Santos, 57. Natural da Bahia, Santos trabalhou a vida toda em estaleiros, um deles no Japão. “Deixei o Japão para trabalhar no Estaleiro Atlântico Sul. Cheguei aqui em 2010 e logo vi que se tratava de uma falsa promessa. Vim a convite de uma empreiteira que estava com contrato aqui. Em Toyohashi (cidade japonesa), todo ano a gente tinha praticamente um navio pronto. No EAS, foram vários anos para liberar o João Candido (primeiro navio a ficar pronto)”, diz o montador, em referência ao primeiro navio entregue pelo estaleiro após 3 anos e oito meses de construção. “Me arrependi de ter voltado ao Brasil. Se soubesse, teria ficado lá”, afirma Santos, que foi demitido após 11 meses de trabalho no EAS. No Japão, ele recebia o equivalente a R$ 6 mil. No Brasil, o salário caiu para R$ 3 mil. Hoje, ele ganha a vida administrando um armazém com clientela cada vez mais reduzida, no Centro comercial de Ipojuca.

A poucos quilômetros dos estaleiros, no Centro de Ipojuca, o escritório da Qualiman está abandonado há pelo menos dois dias, segundo um vizinho que preferiu não se identificar. “Não estamos recebendo currículos”. É o que diz a placa fixada na entrada do escritório. “Não tem mais ninguém aí. Ontem (terça-feira) é que apareceu um funcionário só para pegar algumas coisas”, conta o vizinho. As portas fechadas do escritório simbolizam a situação vivida por milhares de pessoas que viam no Complexo Industrial Portuário de Suape a oportunidade de uma vida melhor.

Tanto a situação da empresa quanto a dos trabalhadores aprofunda a situação de crise econômica no Estado, que possui a 4º maior taxa de desemprego do País, com um índice de 16,7%, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua do IBGE. A diminuição da renda é um dos efeitos mais imediatos das demissões em massa, prevê o professor de economia da UniFBV Wyden e da UniFavip, Guilherme Martins. “A economia entra em um ciclo vicioso. Diminuição da renda leva à queda da demanda e da produção, gerando mais desemprego. A gente tem que ter a esperança de que o novo governo nacional dê um choque de investimento no Nordeste”, comenta Martins.

Na opinião dele, a situação em Suape fugiu ao controle. O caso mais emblemático é o da Refinaria Abreu e Lima. No auge, em 2011, a obra chegou a ter 45 mil trabalhadores atuando no Complexo de Suape. Em 2015, passou a ter três mil. O fim da construção do primeiro trem de refino, em 2014, somado aos problemas de gestão e denúncias de corrupção investigadas pela Operação Lava Jato aceleraram a desmobilização. Milhares de trabalhadores levaram calote de empresas que prestavam serviço à Petrobras. Os reflexos da desmobilização são sentidos até hoje. Qualquer divulgação de vaga de emprego relacionada à obra provoca comoção nas cidades próximas. Em 2016, a notícia da retomada das obras da SNOX fez 6 mil desempregados correrem até o Centro do Cabo para entregar currículos. Em março do ano passado, depois que a Qualiman assinou contrato com a Petrobras para retomada, outra multidão se aglomerou na frente do escritório da empreiteira para entregar currículo. Porém, a esperança dos trabalhadores continua a sofrer fortes abalos.

O Ministério Público do Trabalho (MPT) abriu inquérito para investigar demissão em massa de 1,2 mil trabalhadores da Qualiman. Na próxima terça (18), será realizada audiência com a Qualiman, Petrobras e o Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Construção em Pernambuco (Sintepav-PE). Por enquanto, os trabalhadores não receberam verbas rescisórias. “Suape é a crônica de uma morte anunciada. O MPT já tenta alertar para as demissões do término da obra desde 2013. Infelizmente, o poder público de Pernambuco não deu a atenção devida para as questões da desmobilização. É uma grande soma de crise econômica do País com descaso dos governos envolvidos”, comenta a procuradora do MPT, Débora Tito.

Impacto social preocupa

Após mais demissões em massa, as prefeituras de Ipojuca e do Cabo de Santo Agostinho pretendem procurar a Qualiman e os estaleiros para buscar respostas sobre as razões que levaram aos desligamentos. O Complexo de Suape é um dos principais geradores de emprego para estes dois municípios, que temem os efeitos mais nefastos da desmobilização, como o aumento da violência, favelização e prostituição infantil. Isso aconteceu entre 2014 e 2016, quando mais de 42 mil trabalhadores da Refinaria Abreu e Lima foram demitidos com o fim das obras e as denúncias de corrupção envolvendo a Petrobras. Em meio à crise, as cidades também buscam novos investimentos para se viabilizar economicamente e criar postos.

“Primeiro, precisamos saber o que aconteceu e se podemos reverter a situação. Também procurar contato com o futuro governo e o presidente da República. O Complexo de Suape gera pelo menos 30% dos empregos no município. Outra grande parte vem do turismo em Porto de Galinhas”, comenta o secretário de Desenvolvimento Econômico e Turismo de Ipojuca, Marcos Rodriguez. 

Ele acrescenta que o município está buscando outras alternativas, como a consolidação de um distrito industrial de 120 hectares e novos investimentos. “A previsão é de que o distrito industrial vai gerar entre dois mil e três mil empregos em cinco anos, quando estiver pronto. Agora, estamos fazendo a infraestrutura. Já temos quatro empresas que enviaram cartas declarando a intenção de se instalar em Ipojuca”, comenta Rodriguez. Sobre o atendimento aos desempregados, o secretário informou que os trabalhadores receberam distribuição de cestas básicas e têm prioridade na hora de serem contratados.

A situação também preocupa o Cabo de Santo Agostinho. Dos 1,2 mil trabalhadores da Qualiman, pelo menos 700 moram no Cabo de Santo Agostinho. “A gente vê com muita tristeza a situação, lamentavelmente mais uma desmobilização de forma repentina. A gente já está com uma situação delicada por conta de cinco anos atrás, quando houve a grande desmobilização da refinaria. E aí, da noite para o dia, sem aviso prévio, a Qualiman faz um comunicado encerrando a operação. A área mais afetada com a desmobilização é o Litoral, a maior parte dos trabalhadores mora nessa área. Aumento da violência e da vulnerabilidade social como um todo preocupam, porque impactam diversos serviços, como saúde e educação. O município tem que aumentar a capacidade de atendimento”, lamenta o secretário de Desenvolvimento Econômico do Cabo, Moshe Caminha. Uma das iniciativas para qualificar os desempregados do município é o programa Cabo Qualifica, que este ano atendeu duas mil pessoas. Também foi retomada a Comissão de Emprego e Renda, que discute a situação dos setores econômicos no município. 

Comerciantes sentem baque

O desgaste do símbolo de desenvolvimento econômico da região que compreende os municípios do Cabo de Santo Agostinho e Ipojuca, na Zona da Mata pernambucana, alastra-se para as áreas urbanas dessas cidades e impacta a oferta de serviços e o comércio local. Assim como em 2015, quando Suape viveu demissões em massa em função dos efeitos da Lava Jato sobre a Refinaria Abreu e Lima e os estaleiros, 2018 vai chegando ao fim com mais um saldo negativo para os trabalhadores do complexo portuário e a incerteza, para os moradores da região, em relação à autonomia da economia dessas cidades.

Era 2014 – mesmo ano do início das operações da Refinaria Abreu e Lima – quando Juliana Maria, 33 anos, conseguiu emprego de carteira assinada num restaurante no Centro de Ipojuca. O estabelecimento, igualmente aberto naquele ano, tinha noites de casa cheia. 

“Aqui era uma fila danada para conseguir entrar. Ficava gente do lado de fora esperando, e olhe que o restaurante é grande”, conta ela, enquanto aponta para as 32 mesas postas no salão. Em pleno horário de almoço, menos de dez estavam ocupadas. Além dos residentes de Ipojuca, eram os trabalhadores do Complexo de Suape que costumavam frequentar o local. “A gente teme que desta vez seja um baque tão forte quanto o que vimos no passado, porque pode fazer até a gente mesmo perder o emprego”, preocupa-se Juliana. No restaurante, o faturamento vem caindo de 30% a 40% nos últimos anos.

Em 2015, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), Ipojuca tinha o segundo melhor resultado do Estado, com saldo de 86 postos de trabalho. Este ano, de janeiro até outubro, 1.368 vagas foram fechadas.

Em todo o comércio da cidade, o abre e fecha das lojas passou a ser uma constante. “Que eu lembre, digo a você que este mês já fecharam umas cinco. Eu mesma já estou no meu terceiro ponto comercial por conta do valor do aluguel. O povo tem ido embora, e a gente tem que procurar preços mais baixos”, diz Luciana Maria, 43. Atualmente ela administra um comércio que se divide em armazém de construção e casa de ração. “Estou pagando R$ 2 mil pelo aluguel aqui no Centro. Pagava R$ 3,5 mil no outro, mas ainda assim está caro, porque todo dia é menos cliente”, relata.

Animada com o movimento maior de pessoas na cidade desde meados de 2010, após o início do funcionamento do Estaleiro Atlântico Sul, Luciana chegou a comprar dois apartamentos junto com o marido. “A nossa ideia, a princípio, era comprar para investir. Pagamos uns R$ 120 mil pelos imóveis. O sinal foi à vista, mas financiamos. Não chegamos nem ao fim do negócio com o banco, porque faltou dinheiro para pagar as parcelas e não tinha nem a quem alugar o imóvel. No fim, temos apenas um dos apartamentos, que é onde moramos”, desabafa.

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