APOSENTADORIA

Como e porquê se tornar empreendedor depois de se aposentar

Número de aposentados que decidem abrir o próprio negócio vem crescendo

Edilson Vieira
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Edilson Vieira
Publicado em 27/01/2019 às 8:41
Foto: Anderson Freitas / Maker Mídia/Divulgação
Número de aposentados que decidem abrir o próprio negócio vem crescendo - FOTO: Foto: Anderson Freitas / Maker Mídia/Divulgação
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Lucia Nunes, 66 anos, e Carmela Bezerra, 65, sabiam muito bem o que iriam fazer com o tempo livre quando chegasse a hora de se aposentar. Iriam trabalhar. O casal Jayron, 61, e Tereza, 57, também trocou a ociosidade na terceira idade pelo desafio de montar uma pequena empresa. Essa pessoas fazem parte de um grupo que cresce a cada dia. O de aposentados que, por escolha própria, resolvem ser donos de um negócio e botar a mão na massa, mesmo depois de terem completado o tempo necessário para adquirirem a tão sonhada (para alguns) aposentadoria.

Uma Pesquisa do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) junto ao público acima de 50 anos, feita em 2017, sobre o potencial do empreendedor aposentado mostrou que 1 a cada 10 entrevistados pretende empreender, seja para aumentar a renda da família, seja para ocupar o tempo. Os futuros empreendedores da terceira idade, em sua maioria, já sabem o que querem. Segundo a pesquisa, mais de 50% pretendem empreender no comércio e 30% no setor de serviços. Negócios em alimentação foram citados por um quarto (25,2%) dos entrevistados. O setor lojista foi o escolhido por 6,8% dos entrevistados; e uma parcela menor (4,6%) gostaria de abrir uma empresa de consultoria. O motivo alegado pela metade dos entrevistados para continuar trabalhando foi a necessidade de complementar a renda (49,7%). Cerca de 21% dos entrevistados pensam em abrir uma empresa para se manterem ocupados após a aposentadoria. Outra quinta parte dos entrevistados (21%) disse que a motivação para abrir uma empresa é a necessidade de sustentar a família.

As amigas Lucia e Carmela transformaram diversão em negócio. Após se aposentarem como funcionárias públicas, montaram, há sete anos, a Colombina Fantasias, no Bairro da Tamarineira, Zona Norte do Recife. As ex-funcionárias de instituições bancárias começaram criando e costurando em casa fantasias de Carnaval. A única experiência que tinham no setor era como foliãs. “Nós duas sempre gostamos de Carnaval, então porque não se dedicar a ele os 12 meses do ano?”, simplifica Lucia. Elas contam que não fizeram empréstimos nem utilizaram as economias para iniciar a empresa. Começaram aos poucos. Há seis anos, como não havia mais onde guardar as linhas, tecidos e outros materiais utilizados na confecção, investiram em uma sede própria, embora a pequena e charmosa casa que faz as vezes de loja e ateliê seja alugada. Carmela diz que pediu aposentadoria proporcional porque estava estressada demais com o emprego. Hoje, junto com a amiga, mantém o compromisso de cumprir a jornada de trabalho diariamente. “A diferença é que estamos fazendo algo de que gostamos muito. É prazeroso construir esse sonho todos os dias”, afirma.

EMPREENDEDOR

As amigas se prepararam para entrar no mundo dos negócios. Ambas fizeram cursos de design de moda, além de outros voltados para o empreendedorismo. A empresa tem uma costureira como funcionária fixa. Todo o resto é feito pelas duas sócias, que compram materiais, criam, desenham, modelam e atendem os clientes. O que continua sendo um desafio é a parte administrativa. “Fazer contas, organizar estoques, lidar com a burocracia, esta é a parte chata”, diz Carmela que, admite, prefere ficar com a parte criativa do negócio. A Colombina Fantasia tem prontas para o Carnaval deste ano cerca de 800 peças, entre roupas, fantasias e adereços, que estão à venda por preços que vão de R$ 49 (par de brincos estilizado) até R$ 325 (fantasia de sereia). “Toda a nossa produção é vendida apenas no período do Carnaval. Não temos faturamento no restante do ano. Então tudo que apuramos serve para manter a empresa nos meses seguintes”, explica Lucia. As sócias preferem não revelar números de faturamento mas, se não há grande lucro, também não há prejuízo. “Não pensamos em crescer demais. A empresa deve ser do tamanho que nós possamos dar conta”, diz Lucia Nunes.

Já o agrônomo Jayron Fernandes, 61, e a ex-bancária Tereza Miranda, 57, sabem exatamente quanto custou entrar na aventura do empreendedorismo depois da maturidade. “Arriscamos todas as nossas economias e quase todo o nosso patrimônio”, diz a falante Tereza, que hoje cuida da parte comercial e de divulgação do Engenho Capibarim, pequena empresa de produção artesanal de produtos derivados da cana-de-açúcar. Há quase 20 anos, o casal adquiriu 140 hectares de terra no município de Aliança. Pagaram R$ 90 mil pelas terras sem qualquer benfeitoria. “Era só mato”, lembra Tereza. A ideia inicial era construir uma casinha para curtirem a aposentadoria. Confrontado com a realidade, o sonho mudou.

A queda na renda depois da aposentadoria fez Jayron apelar para os seus conhecimentos de agronomia. “Já que estávamos na Zona da Mata e minha família é de fornecedores de cana, pensamos em construir um engenho para produzir rapadura, açúcar mascavo e mel de engenho, e assim fizemos”, conta Jayme, que precisou pesquisar muito e viajar atrás de empreendimentos semelhantes para acumular conhecimento. Para colocar o engenho Capibarim de pé, foi necessário vender bens da família, como uma loja e a casa de praia. A construção da unidade produtiva e aquisição do maquinário, de segunda mão, consumiu mais R$ 50 mil. Hoje, o engenho Capibarim produz por mês cerca de 1 tonelada de mel de engenho e cerca de 200 a 300 quilos de açúcar e rapadura. O faturamento não é alto. Em torno de R$ 5 mil mensais. Tereza Miranda diz que todo o esforço valeu a pena. “Conhecemos muita gente que nos ajudou e hoje temos como meta, um dia, fabricar também cachaça. Estamos trabalhando para isso”, diz, com entusiasmo.

CAPACITAÇÃO

Empreender na terceira idade tem vantagens, mas exige cuidados. O alerta é da gerente da unidade de atendimento individual do Sebrae-PE, Roberta Andrade. “A grande vantagem de empreender na aposentadoria é usar a experiência de vida como diferencial competitivo. As pessoas que estão em vias de se aposentar, ou já se aposentaram, têm a seu favor o know-how, a rede de relacionamentos e o aprendizado dentro ds empresas públicas ou privadas e que vão possibilitar a elas entrar no mundo dos negócios com um passo a frente.” Roberta Andrade diz ainda que a rede de relacionamento é muito relevante porque, através dela, é possível contatar fornecedores, parceiros e clientes potenciais. O perigo, diz a executiva do Sebrae, é a pessoa achar que já sabe tudo. “Em qualquer idade é preciso buscar conhecimentos mais atualizados”, diz a analista.

Para capacitar esse público, o Sebrae promove a partir do próximo mês um programa de gestão empreendedora na aposentadoria, composto de oficinas, cursos, palestras e mentorias. Nada impede que o aposentado comece um negócio do zero. Mas, para quem está inseguro e pensa que não tem mais muito tempo para errar, existem as franquias, que apresentam um modelo de negócio já testado e validado. O diretor regional da Associação Brasileira de Franchising (ABF) e proprietário do Grupo Bonaparte, Leonardo Lamartine, diz, como franqueador, que pessoas de terceira idade têm um perfil adequado a um bom empreendedor. “As principais qualidades são a maturidade e o maior tempo livre para se dedicar ao negócio”, diz Lamartine. Ele, que tem seis franqueados com idades entre 55 e 74 anos de idade, diz que os aposentados se destacam nas reuniões por terem atitudes sempre positivas. “São mais objetivos e com espírito construtivo”, afirma.

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