Microcrédito

Microcrédito ajuda empreendedores do Polo do Agreste a driblar a crise

Negociantes do Polo de Confecções do Agreste trocam o fiado pelo microcrédito

Leonardo Spinelli
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Leonardo Spinelli
Publicado em 28/03/2019 às 20:11
Léo Motta / JC Imagem
Negociantes do Polo de Confecções do Agreste trocam o fiado pelo microcrédito - FOTO: Léo Motta / JC Imagem
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Partindo do Recife e percorrendo a BR- 232, o município de Gravatá é o primeiro do Agreste pernambucano. A região, com 78 cidades, tem clima seco e vegetação que mistura espécies da litorâneas da Zona da Mata com os mandacarus da caatinga, típica do semiárido nordestino.

Esse cenário abriga um conglomerado de quase 18 mil micro e pequenas empresas que movimentaram R$ 5,5 bilhões com a confecção de peças de roupas e produtos para cama, mesa e banho somente no ano passado. O ambiente de negócios gira, predominantemente, com um tipo de financiamento informal – o chamado “fiado”, na linguagem popular. Mas esta realidade está começando a mudar com o microcrédito.

Moisés Chaves de Oliveira, 45 anos, decidiu desafiar a crise financeira nacional e montar o próprio negócio de confecção e venda de produtos de moletom. Três anos atrás, ele abandonou o emprego de balconista, que lhe rendia apenas um salário para sustentar dois filhos. “Chega um momento que você tem mudar de atitude, quis ser meu próprio patrão”, conta o empreendedor.

O começo não foi fácil. Para comprar o tecido, sua matéria-prima principal, Oliveira pedia prazo de pagamento ao vendedor. O famoso “fiado” – ou “comprar e pagar depois” – se baseia na confiança entre os negociantes, mas não sai de graça porque o vendedor embute no preço o risco de não receber. “O vendedor sempre aumentava aumenta R$ 1 no quilo do moletom quando pedia para pagar depois”, conta Oliveira.

Não demorou muito e o empreendedor conheceu o Ceape, uma Oscip (Organização Civil de Interesse Público) que atua no ramo de microcrédito desde 1992. “Eles me procuraram e perguntaram se eu não queria fazer o teste”, conta o empreendedor.
Com um grupo de amigos – de duas cunhadas e dois vizinhos, que também trabalham no ramo de confecções –, Moisés pegou seu primeiro empréstimo no Ceape, no esquema conhecido como aval solidário, em que um empreendedor garante o pagamento do outro. Esse sistema é o que permite que a inadimplência do microcrédito seja baixa e que, por isso, as taxas de juros sejam mais baratas. O Banco do Nordeste, maior player do setor, trabalha com taxas de 2,2% ao mês.

 

Em três anos, Oliveira já pegou empréstimo no Ceape seis vezes, sempre em um valor de R$ 5 ou R$ 6 mil, pago em até seis meses. Com esse recurso, o empreendedor compra tecido à vista e consegue um desconto que supera o juros que paga mensalmente no financiamento. O resultado disso é que empreendedor consegue margens melhores no seu negócio, que hoje lhe confere uma renda cinco vezes maior do a que a tinha como balconista. “Só tenho o segundo grau. E tanta gente aí formada, lutando por um emprego para ganhar um salário”, diz, orgulhoso.

O bom desempenho de Moisés em plena de crise não significa que os negócios no polo de confecções foram fáceis nos últimos. Fredi Maia, presidente do Núcleo Gestor do Polo de Confecções de Pernambuco, conta que o pior ano foi 2017, quando a produção de peças na região ficou em apenas 470 milhões, uma queda de mais de 21% em relação a dois anos antes, quando o montante confeccionado foi de 600 milhões de peças.

No ano passado, houve uma ligeira recuperação em relação a 2017 e o montante de peças produzidas ficou em 500 milhões, alta de 6,4%. O crescimento sinaliza que o pior já passou, mas fica abaixo de 2015 em 100 milhões de peças. Com preço médio de R$ 11 por peça, a estimativa é de que o polo faturou R$ 5,5 bilhões em 2018.

SECA

Não bastasse a recessão econômica nacional, o Agreste de Pernambuco foi atingido pela maior seca dos últimos 100 anos, que ainda se arrasta desde 2012. A região pernambucana representa quase 18% da produção de jeans do País. Os custos das empresas do ramo no processo de lavagem do jeans – no qual as marcas agregam valor ao seu produto – dispararam pela necessidade de comprar água e fazer investimentos em poços particulares. A maioria das empresas não conseguiu repassar esse aumento ao consumidor.

Em paralelo, os consumidores da região tiveram perdas com suas lavouras e viram seu poder aquisitivo despencar, explica Maia. O saldo de tudo isso foi uma queda de 20% no emprego formal na região.

Buscar soluções rápidas em um ambiente de demanda restrita foi fundamental para o empresário Manoel Caciano Barros Filho, 48 anos. Casado e com uma filha de quatro anos, ele estava com uma viagem para o exterior agendada com a família, quando veio a crise e o plano teve que ser abortado. “Já tínhamos até tirado o passaporte.”

Mas essa não foi a única prova do poder de reação do empreendedor. Comerciante de produtos de cama, mesa e banho há oito anos, ele sempre trabalhava com folga de capital de giro próprio até 2015. Em 2016, as vendas chegaram a cair 40%, os custos subiram, as margens de lucro despencaram e ele ficou descapitalizado para poder comprar percal, tecido usado para fazer lençóis e fronhas.

Pelo boca a boca, Barros Filho conheceu o Ceape e, quase imediatamente buscou informações. Agora, sempre que precisa comprar mercadoria, tira empréstimos de R$ 15 ou R$ 16 mil no Ceape. Não fosse isso, diz, poderia ter perdido clientes. “O microcrédito me ajudou a manter o negócio. Fiquei sem grana para fazer o giro e manter o meu estoque. Sem esse recurso, eu não teria a mercadoria e os clientes que restaram iriam comprar em outro lugar”, conta.

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