Na última quarta-feira (27), não teve almoço na casa de Luciana Libânia da Silva, 25 anos. As panelas ficaram vazias porque mal havia comida para levar ao fogo. Só um resto de arroz no armário. Sem nada de feijão, carne ou ovos. “É assim toda vez que vai acabando o dinheiro do Bolsa”, confessa Luciana, num misto de vergonha e tristeza. A esperança de ver a despensa um pouco mais abastecida depende, todo mês, dos R$ 130 que a jovem recebe do Bolsa Família, o programa federal de assistência aos mais pobres. É a única renda da casa. E por ser a única joga Luciana na faixa de maior vulnerabilidade social: a dos que vivem na condição de extrema pobreza. Se, para a classe média, o desemprego e a baixa remuneração representam um duro impacto na qualidade de vida, para essa faixa da população não há quase nada a perder.
Não são poucos no Estado. Em Pernambuco, um milhão de pessoas sobrevivem com menos de R$ 145 por mês. Algo em torno de 11% dos pernambucanos. Com dois filhos pequenos, Luciana não esconde que, muitas vezes, precisa recorrer a vizinhos e parentes para colocar comida dentro de casa. “Pedir é feio, mas ficar com fome é pior ainda”, diz. Tudo em volta da jovem é miséria: a palafita que, na maré alta, é inundada pelas águas sujas do rio; a falta de saneamento; a baixa escolaridade; o desemprego; a desesperança.
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Moradora da comunidade do Bode, no Pina, Zona Sul do Recife, Luciana ainda encontrava um alento na venda do sururu que pescava toda semana no mangue. Mas, desde que o vazamento de óleo chegou às praias do litoral pernambucano, em agosto deste ano, essa fonte secou. Ela simplesmente não acha quem queira comprar o produto. “As pessoas têm medo de comer. Não adianta nem sair para buscar no mangue, porque ninguém quer.”
Quando se olha a série histórica que mede o tamanho da miséria que envergonha o País, os índices só pioraram. Ao todo, 13,5 milhões de pessoas no Brasil viviam em 2018 com até R$ 145 por mês, o que corresponde a 6,5% da população. Esse percentual em 2014 era de 4,5%. Significa dizer que 4,5 milhões de brasileiros passaram a integrar a parcela dos extremamente pobres – um aumento de 50% no número de miseráveis. Assim como no Brasil, a taxa cresceu em Pernambuco na série histórica, iniciada em 2012, ainda que timidamente. E atinge prioritariamente pretos e pardos, como Luciana e seus dois filhos. A extrema pobreza tem cor. Mais de 75% das pessoas em condição de miserabilidade no Estado são negras.
A piora nos indicadores sociais, observada nos últimos anos, assombra o futuro de milhares de brasileiros e pernambucanos. Torna ainda mais improvável o compromisso firmado pelo Brasil de erradicar a miséria no País. Firmada em 2015, como parte da agenda proposta pelas Nações Unidas, a meta estipulava o ano de 2030 como o prazo final para eliminar a extrema pobreza. O desafio é tirar do mapa da miséria uma população do tamanho de países como Bolívia, Bélgica, Grécia e Portugal. Missão cada vez mais distante e difícil.
Situação de extrema pobreza
Pelos critérios do Banco Mundial, são considerados extremamente pobres aqueles que vivem com até US$ 1,90 por dia, o equivalente a R$ 145 por mês (por pessoa)
1 milhão de pernambucanos vivem em condição de pobreza extrema no Estado
O cenário em Pernambuco nos últimos anos
2012 - 11,1% da população
2013 - 9,5% da população
2014 - 8,2% da população
2015 - 10% da população
2016 - 11,4% da população
2017 - 12,1% da população
2018 - 11,1% da população
O perfil da população mais pobre
75,5% das pessoas extremamente pobres no Estado são negras
PE
38% têm restrição à educação*
34,8% têm restrição às condições de moradia**
69,3% têm restrição ao saneamento básico****
52,3% tem restrição à Internet*****
RECIFE
25% têm restrição à educação*
41,8% têm restrição às condições de moradia
48,9% têm restrição ao saneamento básico
28,4% tem restrição à Internet**
* Crianças e jovens fora da escola, jovens e adultos analfabetos ou que não possuem o ensino
fundamental completo
** Pessoas residentes em domicílios sem acesso à internet