De efervescência cultural, o Morro também é um celeiro para desenvolvimento de talentos no universo da economia criativa. Escolas de Samba, afoxés, orquestras, quadrilhas, tudo isso movimenta a cena cultural da região e também a economia, mesmo que aos trancos e barrancos. Fruto de uma promessa feita aos pés da imagem de Nossa Senhora, a quadrilha Origem Nordestina, do Morro da Conceição, para se apresentar durante as festas de São João demanda investimentos na ordem dos R$ 200 mil.
O valor não é pouco, o esforço para arrecadação tampouco. “Todos os anos, o caixa da quadrilha está zero, e a gente começa organizando bingos, rifas, pedindo ajuda aos componentes. A quadrilha tem 26 anos e nunca parou. Se parar, morre cada um, até porque tem gente que tira o sustento daqui”, conta a fundadora da quadrilha, Suelane Carvalho. Durante toda a vida sobrevivendo de arte, Suelane transita entre quadrilha, escola de samba, peças teatrais e aulas de dança, de onde vem o seu sustento.
É da quadrilha também que Anderson Gomes, 38 anos, conseguiu dinheiro para cursar uma graduação, manter as contas de casa em dia e tocar a vida. “Eu nunca quis usar minha arte como compensação financeira. Para mim, a arte era hobby, e minha família também não entendia como um trabalho, mas como lazer. Minha família não me apoiava a fazer o trabalho artístico, porque é um mundo que oscila muito. Quando comecei a ter uma condição estável, o pensamento da minha família mudou completamente, porque eles entenderam que o que eu fazia dava certo”, conta ele, que trabalha como produtor da quadrilha desde 2004.
“Eu sou produtor, mas não vivo só da quadrilha. Todo o capital que chega é o próprio integrante que paga. Daí, sai dinheiro para roupa, maquiador, aderecista, produtor, transporte. A grande renda ainda sai do bolso de quem dança a quadrilha. Mas, a partir do que produzo aqui, consigo prospectar novas oportunidades, que me dão em torno de R$ 1,5 mil a R$ 2 mil por mês. Eu sobrevivo de arte, hoje é meu ofício número um”, afirma.
Cultura negra ferve
No mesmo morro da santa, a cultura negra se mobiliza artisticamente e tenta trazer protagonismo social e econômico para essa parte da população. Pelas contas do IBGE (2010), mais da metade das pessoas que moram no Morro se declara preta ou parda.
Há mais de 30 anos, dona Conceição dos Prazeres vem buscando dar oportunidade econômica a essa maioria através da música. “Minha mãe era benzedeira e mãe de leite de muitas crianças aqui. Quando ela faleceu, a gente resolveu transformar a realidade das crianças através de um centro cultural. Mas na época nem escola tinha no Morro. Foi aí que surgiu o Centro de Formação do Educador Popular Maria da Conceição”, conta Conceição.
De 1982 a 2010, o Centro existiu fisicamente. Mas, por inviabilidade financeira, acabou sendo fechado. O legado, no entanto, permaneceu. Até hoje, quem foi formado no centro trabalha com música e pela música no bloco afro Raízes do Quilombo, na Orquestra dos Prazeres ou em carreiras próprias. “Criamos uma metodologia chamada aprendizagem pela prática cultural. Hoje, a orquestra cumpre esse objetivo e traz aos músicos da comunidade a visão de que, através do seu tambor, ele pode ganhar o mundo”, resume Conceição.