Com o celular na mão, do alto do Morro da Conceição, Thiago Barbachan, 34 anos, costuma acompanhar a variação dos papéis de empresas listadas na B3 – bolsa de valores brasileira. Isso quando não está atualizando seus aplicativos que monitoram os gastos com as empresas que ele administra, os quilômetros rodados com o carro ou o app que compara preços para a compra de produtos do seu mais novo empreendimento: um mercadinho online. O que para muitos pode parecer dissonante em se tratando de um morador da periferia do Recife, faz parte de uma realidade cada vez mais constante nos subúrbios, sobretudo no Morro, que acumula histórias de fé do seu povo. Um população antenada com os avanços trazidos pela internet, gerando melhoria de renda para alguns e novas possibilidades profissionais para todos.
Quem sobe o Morro da Conceição pode não perceber, mas lá acontece uma revolução silenciosa que fomenta o surgimento de novos negócios e dinamiza a economia local. Impulsionadas pela maior conexão dos moradores à internet, as mudanças tomam conta das ruas, estão dentro de pequenos estabelecimentos comerciais e da vida das pessoas. “Desde quando cursava o ensino médio, vim morar no Morro da Conceição, mas a história da minha família aqui é muito grande. Meu avô foi um dos primeiros comerciantes da região. Hoje, para ser honesto, minha vida é uma loucura. Eu tenho uma empresa de projetos, sou servidor, e agora tenho esse novo negócio há pouco mais de um mês e meio”, conta Barbachan.
O jovem empreendedor sintetiza bem um novo perfil de moradores do bairro, que, ligados às inovações tecnológicas, empreendem e trazem resultados para si e toda a comunidade. No Morro, segundo o último Censo do IBGE, de 2010, 36,45% dos domicílios apresenta renda mensal de meio a um salário mínimo. No Recife como um todo, esse índice é de 25%. “Antes, eu vendia coxinha na escola, influenciado até mesmo pelo trabalho do meu avô, que tinha uma mercearia. Depois, abri um comércio muito maior, num espaço cedido pelo meu sogro, e foi quando se criou uma dinâmica de comércio, até o depósito que mantenho agora para guardar os produtos do Feira InKasa”, detalha o empreendedor, formado em engenharia de pesca, com pós-graduação em segurança do trabalho, e que investiu R$ 17 mil – maior parte do valor como fruto de retorno dos investimentos na bolsa – no negócio, com website, vendas via redes sociais e comercialização física. “A gente tem conseguido aos pouquinhos trazer o cliente do presencial para a compra via WhatsApp. Do meu total de vendas, o online ainda representa no máximo 30%. É uma luta, mas as pessoas estão começando a entender isso”, conta.
Com as vendas online, Thiago começa a dar um novo salto na revolução, agora transformando os hábitos de compra dos moradores do Morro. Conforme o IBGE, eles chegavam a ter um rendimento médio de R$ 655 em 2010, enquanto o rendimento médio dos moradores da capital pernambucana era de R$ 1,5 mil, 41% a mais.
A revolução da internet
Hoje, quem passa em frente ao mercadinho na Estrada do Morro da Conceição já não quer pagar só em dinheiro a compra de bebidas, ovos ou água – principal produtos vendido no estabelecimento. “A gente precisa ter uma maquininha funcionando e recebendo todo tipo de cartão, o que por sua vez demanda a oferta de uma boa internet, sobretudo nessa época de festa, quando esperamos duplicar o faturamento do negócio”, complementa Thiago.
Segundo ele, a democratização do fornecimento de internet foi o mais importante para se chegar ao estágio atual, com grande atuação dos provedores de bairro. “Temos aqui realmente centrais de atendimento, equipes na rua, gente trabalhando com fornecimento de internet local, e isso deu uma injeção na economia do Morro. Se não fosse isso, a gente nem poderia estar tocando esse negócio que já pensava há uns cinco anos”, reforça.
Cliente da Speedy Paul, empresa de internet criada pelo empresário Paulo Manoel, outro morador do Morro, o mercadinho de Thiago consegue ter conexão rápida e barata (por menos de R$ 100) e ajudar a criar novos empregos dentro do Morro. “Eu comecei a empresa em 2010, só para dividir o link da internet para alguns vizinhos, mas a coisa foi crescendo, e tive que pedir demissão do trabalho como instalador de linha telefônica para tocar a empresa. Comecei com 10 vizinhos, e hoje são mais de 600 pessoas sendo atendidas”, comemora Paulo Manoel.
Com boa parte do Morro da Conceição sem ser atendida pelas grandes empresas, sobretudo via fibra óptica (rede de melhor qualidade), a comunidade onde sempre viveu passou a se tornar o grande alvo de desenvolvimento do negócio de Paulo, mas não só dele, já que hoje o Morro é atendido por pelo menos oito provedores de bairro, tendo mais da metade gerando link a partir do bairro. “Estamos investindo na ampliação da fibra óptica, entre R$ 15 mil a R$ 20 mil ao ano para melhorar o atendimento num raio de 5 quilômetros. Quando comecei, era sozinho, mas hoje já tenho seis funcionários, todos moradores do Morro. É mais do que uma relação de empresa e cliente, é mesmo de comunidade”, acrescenta o empresário.
Dos 600 clientes de Paulo, pelo menos 60% estão no Morro da Conceição. A maioria usa a internet para acessar redes sociais, como é o caso do adolescente Caio Vinicius (@Pokobeltrao). Ele se autointitula “inventor do passinho”, tem mais de 27 mil seguidores e virou “influenciador-digital”. Como resultado, já faz propaganda de pequenos negócios em seu próprio perfil, gerando mais divulgação que qualquer muro pintado ou bicicleta que circule com som pelo bairro.
Paulo diz que “fornece internet até mesmo para a igreja. A festa do Morro é transmitida com ajuda do nosso link, nós fazemos parceria para ajudar na conexão e, claro, também doação para os dias de festa, porque Nossa Senhora faz parte da história daqui”.