SÃO PAULO - Entre as diversas transformações que a Copa de 2014 trará ao Brasil, destaca-se a mudança do perfil e, consequentemente, do comportamento dos torcedores. A expectativa é que ocorra uma elitização do público frequentador dos estádios, assim como uma espécie de "domesticação" desses torcedores - o próprio formato das arenas que estão sendo construídas foi concebido pensando nessa alteração.
É o que defende Antonio Holzmeister Oswaldo Cruz, doutor em Antropologia Social pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), que desenvolveu uma pesquisa sobre as transformações das torcidas e dos estádios ao redor do mundo.
"A Copa do Mundo no Brasil e a elitização do público é uma situação de causa e efeito que segue uma tendência quase que mundial dentro do futebol globalizado que temos atualmente", explica Antonio Holzmeister Oswaldo Cruz. "O que se busca sempre é uma torcida mais espectadora do que participativa."
Ele cita o exemplo do Maracanã. O estádio que já chegou a receber mais de 183 mil pessoas teve sua capacidade reduzida para 86 mil espectadores após diversas obras de modernização. Para o Mundial de 2104, quando será palco da final, esse número diminuirá ainda mais: 76.500.
"Para onde vão esses quase 10 mil lugares que tiraram do estádio? Vão para camarotes e assentos maiores que a Fifa exige. Tudo está sendo feito em nome de um conforto que nem todo mundo vai poder pagar", diz o pesquisador. "Essa será uma realidade com a qual o futebol brasileiro terá de lidar."
Marcos Alvito, antropólogo, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e fundador da Associação Nacional dos Torcedores (ANT), destaca que um dos marcos desse processo de elitização do futebol brasileiro foi o fim da geral do Maracanã, em 2005. A transformação foi um divisor de águas. No lugar do setor mais popular do Estádio Mário Filho, foram colocadas cadeiras.
"Foi uma mudança desnecessária. O Maracanã deveria continuar do jeito que estava para os jogos nacionais e nas partidas internacionais poderiam colocar cadeiras provisórias. Foi isso que a Alemanha fez durante a Copa de 2006, por exemplo", afirma Marcos Alvito.
Ele também critica a maneira como o dinheiro público está sendo usado para a Copa. Sua principal queixa é que as camadas mais pobres da sociedade estão pagando pela construção de estádios que não terão condições de usufruir depois de prontos. "É um processo que chamo de Robin Hood ao contrário. Os estádios se parecerão com shoppings, terão lojas e restaurantes, porque estão em busca de um consumidor com poder aquisitivo possível", diz o professor.
Para tentar amenizar essa "distorção", a ANT pretende apresentar um projeto de criação de ingressos populares para ser implantado em todo o País após 2014. "Não somos contra ter alguns bilhetes mais caros, mas queremos uma lei em que pelo menos 30% das entradas sejam reservadas para as camadas mais populares, já que foi o povo que ajudou a levantar os estádios. O futebol é um patrimônio cultural do brasileiro e não podemos afastar o povo dele", diz Marcos Alvito. "Se isso ocorrer, será um genocídio cultural."
Professor de finanças da Fundação Instituto de Administração (FIA), Alan Ghani vê com ressalvas a elitização nos estádios. Para o economista, o poder de consumo do brasileiro pode sofrer alterações até 2014, o que não garantiria a presença de um público disposto a pagar por ingressos caros. "O brasileiro está consumindo especialmente com lazer, e o futebol faz parte disso. Mas não sei se isso vai se manter. Estamos no meio de uma crise mundial e os efeitos ainda são nebulosos", avisa.