Ditadura

Estádios da Copa América foram usados como centros de tortura por Pinochet

Os detidos não podiam receber visitas e poucos sabiam o que acontecia nos estádios

Da AFP
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Publicado em 04/03/2015 às 17:01
Foto: MARTIN BERNETTI / AFP
Os detidos não podiam receber visitas e poucos sabiam o que acontecia nos estádios - FOTO: Foto: MARTIN BERNETTI / AFP
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Três dos nove estádios que receberão em junho partidas Copa América no Chile carregam um passado doloroso: foram usados como centros de detenção e tortura durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).

"Passamos fome, frio, maus-tratos, e vimos gente morrer", lembra à AFP Manuel Méndez, de 66 anos, no subsolo do estádio Nacional de Santiago, onde ficou preso durante 50 dias.

O setor com velhas arquibancadas de madeira foi mantido intacto, como vestígio dos horrores da ditadura, que deixou mais de 3.200 vítimas.

"No lugar onde estamos pisando, havia as nossas 'camas'. Dormíamos no chão mesmo. Nos davam apenas um cobertor, e não dava para deixá-lo aí, se não a gente apanhava", acrescenta.

A arquibancada foi preservada depois de uma recente renovação do maior estádio do país, e destoa no meio dos assentos de plástico vermelhos colocados nos outros setores. 

Cerca de 40.000 presos políticos foram detidos no recinto, e outros milhares no estádio de Playa Ancha, em Valparaíso, e em Concepción.

 

Rotina do horror 

Sem saber qual era seu destino ou se voltariam um dia a ver seus familiares, os presos chegavam de caminhão aos estádios, onde dormiam nos caminhos de acesso às arquibancadas.

Os detidos não podiam receber visitas e poucos sabiam o que acontecia nos estádios.

No Estádio Nacional, havia um setor especial, abaixo da tribuna de honra, onde se encontravam os prisoneiros de "maior escalão", dirigentes sindicais e líderes políticos do ex-presidente socialista Salvador Allende.

"Esta zona era conhecida como o setor VIP, onde pensávamos que eram tratados melhor, mas não era nada disso. Na verdade, era pior. Eles tinham que fazer as necessidades aí mesmo e dormir abraçados para não passar frio", relata Manuel Méndez.

Foi naquele lugar que perdeu-se o rastro de um dos presos mais famosos do estádio Nacional, o jornalista americano Charles Horman, que foi torturado e executado dentro do recinto.

Sua história inspirou o filme 'Missing - Desaparecido', de 1992. Horman trabalhava numa produtora de cinema chilena e foi detido por uma patrulha militar por ser acusado de liderar atividades "subversivas", ao denunciar a atuação da CIA contra o regime de Allende.

 

Dever de memória

O estádio Nacional receberá a partida abertura da Copa América, entre Chile e Equador, no dia 11 de julho, além de jogos de quartas de final, semifinal e a final do torneio.

Em março do ano passado, associações de ex-presos políticos inauguraram um memorial em homenagem às vítimas dentro do estádio.

São exibidas cartas escritas por prisoneiros e grandes fotos em preto e branco, mostrando detidos envoltos em cobertores, em meio às arquibancadas, onde passavam dias com frio e fome.

Outros dois memoriais se encontram nos portões principais e no vestiário de uma piscina olímpica, onde eram detidas as mulheres.

Cada dia 11 de setembro, aniversário do golpe que derrubou Allende, em 1973, milhares de pessoas colocam velas acesas ao retor do estádio, que deixou durante um período de triste memória de ser um lugar de alegria e paixão pelo esporte para se transformar num centro de torturas.

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