No dia seguinte à sua reeleição para um quinto mandato à frente da Fifa em meio a um dos maiores escândalos de corrupção da história do esporte, Joseph Blatter usou duas estratégias: começou atirando para todos os lados para acertas as contas com os críticos, e depois se colocou como o "homem da situação", que vai resgatar a união e a credibilidade na entidade.
EUA na mira
A primeira declaração do suíço neste sábado foi nua entrevista à RTS, a televisão pública do seu país. O cartola de 79 anos, que é presidente da Fifa desde 1998, se disse "chocado" com as acusações de Loretta Lynch, procuradora-geral dos Estados Unidos.
Blatter não digeriu o que aconteceu na manhã de quarta-feira, num hotel de luxo de Zurique, quando sete altos dirigentes da Fifa foram presos, a pedido da justiça americana, por suspeitos de corrupção, entre eles dois vice-presidentes da entidade e o brasileiro José Maria Marin, ex-presidente da CBF.
"Há sinais que não enganam: os americanos eram candidatos para sediar a Copa do Mundo de 2022 e perderam. Se eles têm problemas com crimes financeiros ou de direito comum que dizem respeito a cidadãos norte ou sul-americanos, que sejam presos lá, mas não em Zurique, no meio do congresso", reclamou.
O presidente da Fifa já tinha usado o mesmo argumento na véspera, poucas horas antes da eleição, quando também insinuou que a operação policial foi motivada pela perda da disputa para sediar a Copa.
"Não vamos esquecer que os Estados Unidos são os patrocinadores número um do Reino Hachemita (a Jordânia), ou seja, do meu adversário (o príncipe jordaniano Ali bin Al Hussein, candidato derrotado na eleição). Isso não cheira bem", disparou.
As críticas de Blatter não vão mudar em nada a determinação dos investigadores americanos. "Estou bem confiante na possibilidade de haver uma nova onda de indiciamentos", avisou o diretor de investigações criminais da Receita Federal americana (IRS), Richard Weber.
Acerto de contas com Platini
Depois dos Estados Unidos, o próximo alvo do suíço foi a Uefa, cujo presidente, Michel Platini lhe pediu 'olhos nos olhos' para renunciar na quinta-feira, véspera da eleição.
"Ninguém vai tirar da minha cabeça que o ataque dos americanos e a reação de Platini não são mera coincidência", criticou.
Blatter denunciou o "ódio, não apenas de uma pessoa, mas de uma organização, a Uefa, que não entendeu como consegui chegar à presidência em 1998 (na ocasião, derrotou o sueco Lennart Johansson, ex-presidente da Uefa)".
Em 1998, ele recebeu justamente a ajuda de Platini, com o qual ficou amigo quando os dois trabalharam lado a lado na organização da Copa do Mundo daquele ano, na França. "Perdoo todo mundo, mas não esqueço", avisou o suíço, em tom ameaçador.
Renúncia descartada
Mesmo assim, o cartola confessou que "vamos ter que continuar com Platini e a Uefa. Não podemos viver sem a Uefa e a Uefa não pode viver sem nós".
Alvo de manchetes muito pesadas da imprensa inglesa, Blatter repetiu, como um disco arranhado, a velha insinuação do rancor por ter perdido a organização da Copa: "os ingleses eram candidatos para sediar o Mundial de 2018, e perderam".
Quando um jornalista salientou, numa entrevista coletiva, que, em grandes multinacionais, o presidente renuncia quando membros do conselho de administração são presos num caso de corrupção, o cartola não titubeou.
"Porque deveria renunciar? Seria aceitar, admitir: 'o que acontece é minha culpa'. Eu luto desde 2011 (ano do início do último mandato) com as diferentes comissões da Fifa contra a corrupção", alegou.
Cadeiras vazias no comitê executivo
Depois de responder às críticas de forma ofensiva, Blatter tentou satisfazer todo mundo ao manter a distribuição de vagas por continente para as duas próximas Copas do Mundo sem modificação em relação à edição anterior.
Desta forma, a América do Sul continua com quatro vagas e mais uma por meio de repescagem, que o quinto colocado disputará contra uma seleção da Ásia.
Blatter agradou inclusive a Uefa, ao dar 14 vagas aos europeus para a Copa de 2018, as 13 habituais, e mais uma para a Rússia, o país-sede.
"Decidimos que as vagas por confederação para 2018 e 2022 vão se manter sem mudanças em sua divisão e distribuição", limitou-se a explicar o dirigente, que se disse "afetado pelos ataques", e pregou "união e solidariedade".
O clima, no entanto, não foi totalmente ameno. Houve três ausências marcantes de reunião. A mais notada foi a do inglês David Gill, representante da Uefa, que disse claramente ter recusado o comunicado por desaprovar a reeleição de Blatter.
"Não tomei esta decisão de forma leviana. Os terríveis acontecimentos dos três últimos dias me convenceram de que não é apropriado ser membro do comitê executivo da Fifa com a direção atual", justificou.
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Outro dirigente que não compareceu foi o hondurenho Alfredo Hawit, designado presidente interino da Concacaf, com o afastamento de Jeffrey Webb, um dos presos na operação lançada pela justiça americana.
A terceira ausência já era esperada. Presidente atual da CBF, Marco Polo Del Nero, que sucedeu Marin em abril, retornou ao Brasil na noite de quinta-feira, véspera da eleição presidencial.
Na sexta-feira, Del Nero alegou que "não sabia de nada" sobre problemas de corrupção na entidade além de descartar, como Blatter, qualquer possibilidade de renúncia.