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Raí cobra auditoria e transparência na CBF: 'Não pode ser tratada como um feudo'

"A CBF deveria ser uma das instituições mais transparentes do País", afirmou o ex-jogador

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Publicado em 17/08/2015 às 13:15
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"A CBF deveria ser uma das instituições mais transparentes do País", afirmou o ex-jogador - FOTO: Divulgação/SPFC
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Raí admite: é um cara desorganizado. Nos últimos meses, no entanto, ele se dispôs a colocar a sua vida em ordem, da infância ao aniversário de 50 anos, comemorado no dia 15 de maio. O resultado está no livro Raí Auto_Fotobio que o craque lança quarta-feira na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, na Av. Paulista, em São Paulo. 

Para falar sobre essa nova empreitada, Raí recebeu a reportagem do jornal "O Estado de S. Paulo" na semana passada, no quintal do seu escritório na Vila Madalena. Debaixo de um pé de jabuticaba, ele falou por quase uma hora não só sobre literatura. Bateu forte na classe política brasileira, nos dirigentes e cobrou transparência no comando da CBF. Confira a entrevista exclusiva, publicada nesta segunda-feira.

 

Estadão - De onde veio a ideia de fazer uma autobiografia fotográfica?

Raí - Eu já tinha recebido alguns convites para fazer uma autobiografia, mas nunca achei que era o momento. A ideia de uma fotobiografia, mais leve e agradável, me animou. O convite surgiu há dois anos, e quando fiz 50 anos, por ser um momento simbólico na minha vida, achei que era a hora. É uma trajetória rica que eu acredito que vale a pena dividir com outros. Sou desleixado, não sou de guardar muito as coisas e o livro acabou ficando como um registro histórico.

 

Estadão -Como foi a escolha das fotos?

Raí - Foi um processo prazeroso porque acabei revivendo momentos importantes, repensando toda a minha história. Sou o mais novo de seis irmãos, então não tinha muita foto da minha da infância. Foi difícil achar. Nas fotos da minha carreira optei por fazer uma mistura de imagens de vestiário e viagens com registros feitos pela imprensa.

 

Estadão -Você escreveu os textos sozinho?

Raí - Fiz um esqueleto em ordem cronológica com a ajuda de um profissional, mas depois que o texto estava pronto mexi bastante e dei um olhar bem intimista, pessoal. Achei importante falar da família, o modelo de criação e como meus irmãos me influenciaram por eu ser o mais novo, além do impacto que treinadores e companheiros tiveram na minha formação. 

 

Estadão -Além de fotos, há reprodução de páginas de jornais, inclusive do Estado. Por que você fez essa escolha?

Raí - Quis colocar momentos peculiares que foram registrados pela imprensa. Há uma passagem interessante de quando o Sócrates foi assistir a um jogo meu lá no Botafogo de Ribeirão de Preto. Eu estava começando a minha carreira e tinha um peso muito grande por ser irmão dele, mesmo assim tentava me livrar da cobrança e da comparação com ele. Acredito que esse tipo de coisa dá riqueza ao livro.

 

Estadão -Você já escreveu livro sobre sedentarismo e infantil. Qual é a sua relação com a literatura?

Raí - Adoro escrever. Nada de textos muito longos, mas contos e artigos eu gosto de fazer. O problema é que é muito difícil de eu me concentrar, sou muito distraído. Quando escrevi o livro infantil, fui para o meio do mato e fiquei dez dias lá para conseguir me concentrar. Quero escrever mais e voltar a estudar para estimular esse meu lado. Quando eu escrevo, pratico o meu lado mais poético e romântico. A literatura é uma maneira de você abrir o seu coração. O sentimento expresso no texto é diferente do falado.

 

Estadão -Como tem sido lidar com a ausência do Sócrates, morto em 2011?

Raí - Ele faz muita falta. Lamento a ausência no ambiente familiar, mas também a falta dele num contexto mais amplo. Sócrates sempre foi uma pessoa que influenciou muito os outros. Ao mesmo tempo que a saudade é forte, por outro lado os valores e ideias dele ganham força. É atemporal, está muito presente e são inspiradores para muita coisa que está acontecendo hoje, como o Bom Senso. A figura dele como mito está ganhando cada vez mais força e nos conforta saber que a sua coragem vai beneficiar muita gente, por muito tempo.

 

Estadão -Você se considera uma pessoa inquieta? Depois que parou de jogar abriu a Fundação Gol de Letra, a ONG Atletas pelo Brasil, a empresa Raí+Velasco, sala de cinema, camarote no Morumbi...

Raí - Sou bastante inquieto. O fato de ter construído na minha carreira como atleta um patrimônio de respeito e credibilidade muito maior do que o patrimônio financeiro e a popularidade me faz acreditar nos projetos em que me envolvo. Comecei a usar esse capital na área social, e depois de 15 anos sinto que ele ainda é forte e posso usá-lo em projetos relevantes.

 

Estadão -Desde a sua época de atleta você sempre se posicionou em relação aos problemas do País. Falta isso aos jogadores hoje em dia?

Raí - Dentro de casa, fui muito estimulado a ter esse comportamento. Acho que não é o caso da maior parte dos jogadores. O Brasil ainda está em um processo de redemocratização e consciência política. Essa falta de posicionamento não ocorre apenas com os atletas, mas pela visibilidade dos jogadores a cobrança é maior. O movimento Atletas pelo Brasil tem uma ação política que acredito que vai ter reflexo a curto e médio prazo. Já discutimos a possibilidade de desenvolver conteúdos para a formação dos atletas e tentar mudar esse perfil.

 

Estadão -Qual é a sua avaliação sobre o atual momento político, sobretudo em relação às manifestações contra o governo?

Raí - Vivemos um período delicado por causa dessa crise política justamente em um momento de crise econômica. Mas acho que os valores democráticos estão sendo fortalecidos, apesar de alguns exageros. O problema é que os movimentos sociais não estão aproveitando essa chance para unificar as causas em torno da reforma política. Hoje, quem está fazendo a reforça são os políticos que estão sendo criticados pela população e perdendo credibilidade e legitimidade. Grande parte do Congresso hoje é réu. Para mim, um plebiscito sobre a reforma política seria o grande avanço da sociedade brasileira desde a redemocratização. Temos de aproveitar esse momento de tensão social para que a população participe da reforma política. Minha preocupação é que a gente perca essa oportunidade. 

 

Estadão -Você confia na CPI do Futebol ou teme que tudo acabe em pizza?

Raí - Vivemos um outro momento em comparação com a CPI de 2000. Acredito e espero que a Justiça dê sequência a tudo o que for apurado no Senado. É preciso escancarar as dúvidas e questões nebulosas do nosso futebol. Desviar recursos do verdadeiro objetivo de uma instituição é algo que deve ser investigado pela Justiça.

 

Estadão -Como você vê a situação da CBF com a prisão do José Maria Marin? Defende a renúncia do Marco Polo Del Nero?

Raí - As medidas iniciais e necessárias para mudar o futebol brasileiro passam pelo poder. Diante dos últimos fatos há razões suficientes para fazer uma auditoria na CBF e nas federações. Para mim, transparência e democratização são vitais. Não basta o Marco Polo renunciar, o processo para definir seu substituto precisa ser mais democrático. O sistema não pode ser viciado com cartas já marcadas pelo poder. É preciso transparência total nos números e nos contratos para sabermos exatamente o que está sendo feito. A partir daí é que a gente vai começar a ter as mudanças que poderão dar algum resultado.

 

Estadão - Não é curioso as pessoas irem às manifestações contra o governo com a camisa da seleção?

Raí - Isso mostra que a CBF é um instituição tão importante para o País que não pode ser tratada como um feudo por um grupo de pessoas. O fato de as pessoas usarem a camisa da seleção nas ruas é mais uma prova de que os dirigentes têm de prestar contas e ter contrapartidas. A CBF deveria ser uma das instituições mais transparentes do País. Acabamos de perder uma Copa em casa por 7 a 1, mas a notícia boa é que o futuro está cada vez mais nas nossas mãos.

 

Estadão -A seleção brasileira corre risco de ficar de fora da Copa de 2018?

Raí - Estamos repensando a formação dos atletas e questionando os homens do poder da CBF e das federações. Eu acredito que teremos muitas mudanças pela frente, com novas estratégias e uma política de fortalecimento dos clubes. Isso vai ajudar o Campeonato Brasileiro e a seleção. Falando especificamente sobre as Eliminatórias, acho que o Brasil vai se classificar, mas hoje existe um risco maior de ficar de fora da Copa do Mundo do que nos anos anteriores.

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