SUPERAÇÃO

A Série A2 do Pernambucano de sonhos e prejuízo

A segunda fase do torneio termina neste domingo com um prejuízo de quase R$100 mil

Leonardo Vasconcelos
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Leonardo Vasconcelos
Publicado em 18/10/2015 às 8:30
Leonardo Vasconcelos / Especial para o JC Imagem
A segunda fase do torneio termina neste domingo com um prejuízo de quase R$100 mil - FOTO: Leonardo Vasconcelos / Especial para o JC Imagem
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O sonho de um dia brilhar no futebol não se calcula. É intangível. Em nome dele, dezenas de jogadores vêm entrando em maltratados campos desde o dia 27 de agosto deste ano na Série A2 do Campeonato Pernambucano. Contudo os números cortam as asas da imaginação dos atletas e os fazem fincar os pés em um chão. Duro, ingrato e endividado. A segunda fase do torneio que vai classificar duas equipes para a elite do futebol estadual no próximo ano chega neste domingo ao fim tendo levado em 76 partidas um público total de apenas 14.535 pessoas e deixado um prejuízo de R$ 98.154. A conta é paga pelos próprios clubes, mas quem salda o sonho de um aspirante a jogador?

O cálculo foi feito analisando os borderôs (espécie de nota fiscal) de todas as partidas disputadas este ano – a entidade só não publicou os dados referentes a dois jogos. O citado prejuízo diz respeito somente aos gastos da entidade por jogo como transporte e remuneração da arbitragem e delegados, entre outros (ver quadro ao lado), que em 86% das partidas sequer foram cobertos pelas rendas das partidas. Ao juntar todas dão o irrisório valor de R$ 113.462. Ou seja, se forem contabilizados outros gastos dos clubes como folha salarial, viagens, alimentação, pagamento de funcionários e manutenção dos estádios o rombo nas finanças se torna muito maior. 

As quatro partidas deste domingo vão definir as semifinais do torneio, o primeiro depois de 17 anos realizado sem o subsídio do governo pernambucano, por meio do programa Todos Com a Nota, que foi extinto este ano por contenção de despesas. Este foi mais um obstáculo para os times da série A2 e já está comprometendo os que vão disputar a divisão principal do estadual em 2016 (veja na reportagem de amanhã).

Antes mesmo de começar, as péssimas perspectivas de receita do campeonato já fizeram com que tradicionais time do interior como o Vera Cruz, de Vitória de Santo Antão, desistissem de disputá-lo. Ao longo dos jogos, o Serrano, que chamou a atenção por perder de WO como mandante, acabou abandonando o torneio por falta de recursos. Os times que insistiram na disputa viram partidas que ora tiveram nas arquibancadas pouco mais que um time de futebol, 13 pessoas (Flamengo 2x2 Afogados da Ingazeira), ora amargaram um prejuízo só com despesas da federação de R$ 3.104 (Petrolina 1x1 Araripina), ambas no dia 27 de setembro.

O Petrolina Futebol Clube, distante 712 quilômetros da capital, no Sertão, é um dos que mais sofrem com as taxas da FPF porque elas são calculadas tendo como base a distância percorrida pelas autoridades. “Isso é um absurdo. Nós é quem pagamos mais caro com essas taxas abusivas. Antes mesmo da bola rolar já temos uma dívida de quase R$ 5 mil por jogo só com o transporte e remuneração dos árbitros e delegados. Não tem público que banque isso. Essas taxas têm que ser repensadas. É muito difícil fazer futebol assim”, reclamou o diretor de futebol, Marcone Prazeres, que em oito jogos, viu o time acumular um prejuízo de R$ 18.269 com as citadas taxas.

O campeão de recorde de público negativo é o Olinda. Mesmo cobrando apenas R$ 5 de ingresso, o time só conseguiu levar até agora apenas 345 pessoas no total ao seu estádio, com uma nada invejável média de 49 por partida. “Fora as taxas da federação, nós gastamos quase mil reais com médico, gandula, porteiro e maqueiro só para abrir o estádio. É impraticável. Quando tínhamos o apoio do Todos com a Nota, o público respondia melhor. Em anos anteriores, em jogos decisivos, chegávamos perto da lotação de 4.500 pessoas. Hoje em dia está desse jeito”, lamentou o presidente do clube Elcio Ricardo Leite Guimarães.

Sem a ajuda do governo estadual, os clubes estão se virando como podem para quitar esses débitos. Reduziram ainda mais as já modestas folhas salariais e estão dependendo como nunca do repasse de verbas da prefeitura, patrocínios, apoios e doações. Alguns clubes, como o Araripina Futebol Clube, tiveram que usar a criatividade. “Como estávamos precisando de recursos estabelecemos um sistema para que as empresas da região adotassem jogadores. Assim cada uma ficava responsável por bancar o salário integral do atleta adotado”, explicou o tesoureiro do clube Eduardo Alencar.

O único time a não onerar os próprios cofres com os jogos foi o Afogados da Ingazeira que teve mais casa “cheia”. Foi dele o recorde de público de 680 pessoas para ver a vitória de 2x0 sobre o Belo Jardim, no dia 20 de setembro. A média de público, digna de aplausos em se tratando da Série A2, vem sendo de 409 pessoas. “Só conseguimos isso porque o povo da cidade abraçou o time. Na crise que está passando o país, mesmo cobrando dez reais, os moradores fizeram questão de vir nos apoiar. Só o fato de terminar esta fase da competição sem estar com o saldo devedor já é motivo de comemoração pra gente”, destacou o gerente de futebol Alex Faustino, claramente alegre. A “festa” é pelo lucro de R$ 5.737 levantado em 8 oito jogos.

O CANAVIEIRO QUE COLHE ESPERANÇA

Acordar às três horas da madrugada, esperar um ônibus na estrada, chegar duas horas depois em um canavial, cortar três toneladas de cana sob um sol escaldante, ao meio-dia, em vez de voltar para descansar em casa, ir direto para um campo de futebol treinar, algumas vezes sem almoçar por falta de dinheiro, até às cinco da tarde. Tudo para plantar o sonho de ser um jogador profissional e colher um futuro melhor em outros campos que não sejam os das usinas. Esta é a rotina da manhã do cortador de cana Varlio José da Silva, 20 anos, e da tarde do atacante Keú, do Barreiros, como é conhecido. Dois lados do homem e da cana em que ambos são moídos no começo em nome de uma doce transformação depois.

“Me esforço porque esse é o meu sonho. Não me sinto cansado não. Quando eu estou batendo bola esqueço de tudo. Comecei no time do engenho e agora já estou no da cidade. Se Deus quiser vou continuar crescendo e um dia vou ser um grande jogador”, disse Keú, deixando o facão de lado. O “atleta” é o perfil dos que disputam esta Série A2 do Pernambucano que ganham em média um salário mínimo – quando recebem, porque alguns times não pagam ou atrasam muito. Sem dinheiro, os jogadores tem que buscar renda em outros empregos. O próprio Barreiros, além de cortador de cana, conta com agente de saúde, pescador, etc. 

É o caso do zagueiro do Ipojuca Atlético Clube, Luís Eudes dos Anjos, o Hildinho, que sobrevive com uma barraca de praia em Porto de Galinhas. “Em dia de treino armo a barraca logo cedo, deixo um colega meu tomando conta, vou lá ficar com o time e depois volto para fazer meu dinheirinho. Tem que ser assim, porque futebol é paixão”, disse Hildinho, sem reclamar.

O seu companheiro de time, o volante Washington Paulo da Silva, o Worginho, 34, já defendeu a Cabense e o Ferroviário, mas não vingou. Para sustentar os filhos de 12, 8 e 2 anos aceitou trabalhar de pedreiro em Suape. Foi demitido e decidiu recomeçar no futebol. “O sonho a gente nunca pode desistir dele. Enquanto tiver esperança e perna tem que correr atrás”, afirmou. 

UMA CONCENTRAÇÃO FAMÍLIA

Uma concentração onde não há concentração. Assim pode se classificar a modesta casa que fica quase nos fundos do estádio Luiz Brito Bezerra de Melo, em Barreiros. Ela serve de moradia para sete jovens atletas do time da cidade e em dias de jogos recebe todo o resto da equipe para almoçar e jantar juntos. Ou seja, o lugar reflete tudo menos tranquilidade. Não há salário que pagaria os jogadores se submeterem a essas condições. E não há salário mesmo. Ninguém recebe para atuar no time. 

O presidente do clube, Daniel Lages, garante que, desde o início, isso foi acertado e com o consentimento de todos. “Quando nos demos conta de que não teríamos recursos para pagar salários, reunimos todo o grupo e abrimos o jogo. Daí explicamos a situação financeira e perguntamos quem toparia jogar sem receber. Todos responderam: Eu! Eles queriam jogar pelo amor ao futebol e a chance de disputar uma competição oficial. Então fizemos um pacto para irmos unidos até o final. Quando aparece um pequeno recurso distribuímos para eles apenas como ajuda de custo”, explicou Daniel.

O próprio presidente garante que paga os R$ 350 para custear o aluguel da casa para receber os sete jogadores que vieram da Região Metropolitana do Recife. São três quartos, cozinha, sala de estar e um terraço com um pequeno tanque chamado de piscina que um dia ao ser enchido vazou água por todos os lados. Na lista de gastos entram também R$180 de energia e R$80 de água e um extra. “Também mandei colocar internet para os meninos. Eles pediram para pelo menos ter isso. Sabe como são esses jovens não é? Querem sempre estar conectados”, brincou Daniel. 

De fato, ao entrar na casa na véspera de um jogo, boa parte dos jogadores estavam pregados em seus smartphones. Outros estavam jogando dominó no terraço. Também tinha aqueles vidrados na televisão que não à toa mostrava o noticiário esportivo. Na cozinha lá estava a “tia” Elisafan Lima de Oliveira, que ganha R$100 por semana para preparar as refeições do grupo.

Por almoço, ela prepara dois quilos de arroz, dois de feijão, quatro de macarrão e cinco de galinha. “E quase nem precisa lavar as panelas depois porque eles rapam tudo, não sobra nada. Eu faço com carinho porque aqui é como se fosse uma família. O tempero da minha comida é o amor”, frisou Elisafan, servindo os “filhos” com o carinho citado. 

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