Bola pra frente. Assim como os jogadores rolam a pelota no centro do campo para dar por iniciada uma partida, a Chapecoense, dirigentes, parentes das vítimas do acidente aéreo e o Brasil como um todo precisam reunir forças para começar o penoso, porém necessário, processo de dar continuidade à vida. A reconstrução, material e emocional, por mais difícil que se apresente, urge ser realizada. A própria história dá exemplos e aponta o caminho. Clubes como o Manchester United (Inglaterra), Torino (Itália), Alianza Lima (Peru) e The Strongest (Bolívia) também sofreram com desastres aéreos e conseguiram se reerguer e ganhar títulos após as tragédias.
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O consultor especialista em marketing e gestão esportiva Amir Somoggi acredita que a Chapecoense deve se inspirar nesses casos bem sucedidos para voltar a brilhar como vinha fazendo. “Tem que ir fundo na história e ver que atitudes foram tomadas por eles no processo de reconstrução. Claro que são outros clubes, outros momentos da história, mas a Chapecoense sempre teve uma gestão muito boa, sem dívidas, com orçamento controlado, então a receita é continuar seguindo o mesmo modelo. Hoje a situação é drástica, mas com a ajuda coletiva e a boa organização que já tinha, o clube vai se reerguer. Eu acredito que a Chapecoense vai sair fortalecida dessa história”, disse Somoggi.
O exemplo de reestruturação mais rápida veio da Bolívia. O The Strongest mostrou que não recebe o nome de “o mais forte” à toa e conquistou um título um ano após a tragédia. O acidente aconteceu em 1969, quando o time ia de Santa Cruz de la Sierra para La Paz, a aeronave caiu a 100 quilômetros da capital boliviana. Dezesseis jogadores morreram. Comovidas, as equipes rivais bolivianas emprestaram jogadores e o time realizou excursões dentro e fora do país, angariando recursos. A ajuda veio até do Brasil que organizou um Fla-Flu com a renda revertida para o clube boliviano. Assim, conquistou o Campeonato da Liga de La Paz em 1970 e repetiu o feito no ano seguinte.
Outro caso na América do Sul foi o ocorrido com o Alianza Lima. O avião com 16 jogadores do clube peruano caiu no Oceano Pacífico a 10 quilômetros do aeroporto de Lima, em 1987. Apenas o piloto sobreviveu. O time deu continuidade ao Campeonato Peruano com os jogadores que não viajaram por contusão ou suspensão, juvenis e quatro atletas emprestados pelo Colo Colo do Chile e até ídolos aposentados, mas perdeu a liderança e o título. O Alianza ainda conquistou uma vaga para a Libertadores do ano seguinte em que chegou a jogar contra o Sport, mas ficou em último na chave.
O reerguimento do Alianza foi difícil e longo. Só uma década após o acidente conseguiu erguer uma taça. Depois, o time se restabeleceu como potência no país. “Não foi nada fácil para o Alianza Lima se levantar do duro golpe de perder uma valiosa geração de jogadores. Mas aconteceu. Com o apoio dos fãs fiéis e a solidariedade de clubes nacionais e estrangeiros, o time ressurgiu das cinzas”, afirmou o jornalista peruano Carlos Paucar, do La República.
O maior exemplo de reconstrução de um clube pós-tragédia, contudo, foi na Inglaterra. Em 1958, após uma partida pela Copa da Europa, a aeronave com o time do Manchester United acabou abatido por uma tempestade de neve quando tentava decolar do Aeroporto de Munique. Houve 23 mortos, entre eles oito jogadores, mas sete pessoas sobreviveram, entre elas o maior jogador da história do futebol inglês, Sir Bobby Charlton. Com a importante ajuda do Real Madrid, o time se reergueu e foi vice-campeão já na temporada seguinte. Em 1963, os Red Devills conseguiram ganhar a Copa da Inglaterra. Uma década após o acidente veio a tão sonhada Copa da Europa, com o predestinado Bobby Charlton como capitão. Hoje é um dos times mais bem sucedidos do mundo e é considerado a marca mais valiosa do mundo do futebol.
O caso mais antigo e emblemático foi o do Torino. Em 1949, o avião com a delegação depois de um nevoeiro se chocou com o campanário da conhecida Basílica de Superga, em Turim. Todos morreram na hora, inclusive os 18 jogadores. O Torino liderava o campeonato italiano e era a base da seleção na época. Como faltavam quatro rodadas para o fim do torneio, a federação italiana nomeou o Torino campeão antecipadamente. Várias equipes disputaram amistosos com a camisa do Torino e doaram a renda, entre elas o Corinthians.
Todavia o clube jamais teve o mesmo protagonismo. Dez anos após o acidente sofreu o primeiro rebaixamento e disputou 12 vezes a segunda divisão. Só foi conseguir conquistar o título italiano na temporada 1975/76. Ainda assim até hoje é venerado no país. “O ‘Grande Torino’ se tornou o emblema de uma nova Itália, unida e orgulhosa dos seus filhos, cheia de esperança pelo futuro. Até hoje é um clube diferente de todos os outros aqui na Itália. Pra jogar no Torino é preciso ter algo de especial”, disse o jornalista italiano Paolo Negri, do TuttoSport.
A necessária reconstrução emocional
A morte. Como pode a única certeza da vida ser tão difícil de aceitar? Justamente por lembrar a finitude da existência é que causa tanto sofrimento encará-la. Além de reestruturação material, os clubes que passaram por acidentes aéreos também tiveram que se reconstruir emocionalmente. Sobreviventes, parentes de vítimas e torcedores aprenderam com a dor a dar a “volta por cima”.
Desde as primeiras horas que a notícia da tragédia com o avião da Chapecoense se espalhou o Brasil vive um sentimento de luto coletivo. Consternadas, as pessoas mais próximas das vítimas tendem na maioria das vezes a procurar negar o o que houve. “A negação do ocorrido, da gravidade, do impacto que vai ter na vida dos que ficaram pode ser um mecanismo para amenizar momentaneamente a aflição. Cada um tem a sua velocidade de integração com esta nova realidade. É como se deixasse a dor avançar só aos pouquinhos, de acordo com o que se pode suportar”, afirmou o doutor em neuropsiquiatria e ciências do comportamento Amaury Cantilino.
De acordo com ele, a melhor forma de passar por esse momento é buscar a serenidade na aceitação. “Por mais que tentemos controlar as diversas variáveis da vida, haverá sempre o imprevisível. Sucumbir à realidade de que somos todos frágeis e impermanentes nesta existência. Aceitar também que vamos sofrer, nos angustiar. Mas com a consciência de que o desespero é transitório. A saudade se mantém, mas o tormento se esvai com o tempo e com a nossa capacidade de superação”, orientou Cantilino.
Para conseguir dar na vida o “bola pra frente” é preciso reunir forças e o especialista explica onde buscá-las. “A força vem sobretudo do que nos dá sentido, da compreensão de que as adversidades existirão no caminho, entretanto a estrada da vida não se acaba nessas dificuldades. Muitas vezes as tribulações nos deixam extenuados, mas nos dão a oportunidade para refletirmos sobre o que realmente importa, nos revela quais são os nossos valores e pelo que devemos viver. Experiências como esta transformam”, finalizou Cantilino.