A alma dos bons arquitetos deve vir, provavelmente, da vontade de fazer a obra transcender os limites do espaço físico. Da vontade de arquitetar também o mundo. Foi assim que Niemeyer conheceu Marianne Peretti, 85 anos, francesa de berço, pernambucana por obstinação: arquitetando céus.
Nos anos 1970, a artista plástica levou uma amostra de seu trabalho com vitrais para o arquiteto conhecer. Tão logo, aquele que viria a ser seu parceiro requisitou o painel escultural em vidro e aço que habita a residência do vice-presidente no Palácio do Jaburu, em Brasília. O primeiro de vários trabalhos em conjunto que abriram caminho para a maior obra da vida da artista: o teto da Catedral de Brasília, construída por Niemeyer nos anos 1958 e que teve os vitrais de Marianne anexados em 1988. “Eu fui ao escritório dele e mostrei umas fotos e uma maquete do meu trabalho. Com certeza ele gostou, não é? Ninguém mais fazia aquilo”, conta Marianne.
Por vitrais, entende-se a chamada arte da luz, capaz de transformar cores, luzes e vidros em um mosaico de essência, pode-se dizer, celestial. Quem visita a Catedral de Brasília tem a sensação de ver um espetáculo no qual a beleza monumental interna se casa com a beleza natural do mundo de fora. O encontro de Niemeyer e Marianne é, também, o da arquitetura e da luz, da modernidade e da renascença, dos traços e da humanização. A clareza de que os 2 mil m² de vitrais não tinham melhor casa se não um dos lares do arquiteto.
“O vitral poderia ter descaracterizado a arquitetura, mas, ao contrário, ele a magnifica”, diz Veronique David, engenheira do Ministério da Cultura da França, que esteve no Brasil de 29 de maio a 5 de junho para conhecer de perto as obras de Marianne.“Marianne teve uma ótima oportunidade de trabalhar com o arquiteto excepcional Niemeyer. Mas Niemeyer teve muita sorte de trabalhar com a intervenção artística de Marianne”, completa.
Apesar de ter nascido em Paris, terra da mãe, Marianne escolheu o Brasil, terra do pai, para espalhar seu legado. Olinda para abrigar seu ateliê e o Recife para ser seu museu particular. Seus vitrais ocupam igrejas, prédios, hotéis e espaços públicos na cidade.
Com Niemeyer, deu seu toque em obras como o Panteão, o Superior Tribunal de Justiça, a Câmara dos Deputados e o Memorial Juscelino Kubitschek. Hoje, sua irresistível personalidade e uma visível escoliose – herança da época em que subia e descia as escadas na construção dos vitrais da catedral – são testemunhas do porquê de Marianne ter se tornado a menina dos olhos de Niemeyer.
“Na catedral, por exemplo, evitei as soluções usuais das velhas catedrais escuras, lembrando o pecado. Ao contrário, fiz escura a galeria de acesso à nave e esta toda iluminada, colorida, voltada com seus belos vitrais transparentes para os espaços infinitos”, confessou Niemeyer sobre uma das primeiras obras realizadas na capital federal. Assim como as parcerias, cada um faz o céu que merece.