Em um momento de forte estresse com o nível dos reservatórios das hidrelétricas, um conjunto de 50 usinas somando quase 2 mil MW de capacidade instalada que poderiam estar operando estão paradas sem gerar um MWh de energia por problemas na expansão do sistema de transmissão, por falta de combustível ou pela manutenção de equipamentos. Se estivessem disponíveis, esses empreendimentos poderiam contribuir para reduzir a pressão sobre os reservatórios, que estão nos níveis mais baixos dos últimos 12 anos no Sudeste e no Nordeste em razão da falta de chuvas nas bacias do Rio Grande, Paranaíba e do São Francisco e do aumento da demanda por energia.
Desses 2 mil MW, volume importante é relativo às usinas eólicas. Segundo dados da área de fiscalização da geração da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), 48 projetos localizados na região Nordeste, que somam 1,158 mil MW, estão prontos para gerar e disponibilizar as suas ofertas ao sistema. Só que o atraso na construção dos ativos de transmissão que farão conexão dos empreendimentos à rede impede que os parques eólicos escoem a energia para o mercado. "Se estivessem operando, essas usinas poderiam contribuir para otimizar o nível dos reservatórios da hidrelétricas do Nordeste, que está baixo", argumentou o ex-diretor de geração da Cesp e dono da Consili Consultoria e Participações, Silvio Areco.
Esses projetos não podem escoar suas ofertas porque a estatal Chesf e a sua controlada, a TDG, atrasaram a construção das Instalações de Conexão Compartilhadas de Geração (ICG), que é um tipo de subestação em que várias usinas se conectam. As ICGs Acaraú II, Igaporã, João Câmara, João Câmara II e a subestação Pecém II já deveriam estar em operação comercial desde o ano passado, mas a demora na obtenção das licenças ambientais atrasaram as obras das instalações. A ironia para o consumidor é que a Aneel autorizou os donos dessas usinas eólicas a receber a remuneração prevista nos contratos, em que pese não tenham entregado nenhum MWh de energia para o mercado até o momento.
Boa parte desses empreendimentos foi contratada no leilão de energia de reserva realizado em 2009, e estavam previstos para entrar em operação comercial no final do primeiro semestre de 2012 e início de julho. Agora, com base nas previsões para a conclusão das ICGs, a agência reguladora trabalha com a expectativa de que as usinas comecem a operar ao longo de 2013 e no começo de 2014, sendo boa parte dos projetos prevista para julho e agosto de 2013 e janeiro de 2014. "O governo federal deveria fazer uma força-tarefa para destravar essas usinas eólicas e disponibilizá-las ao sistema o mais rápido possível", avaliou o presidente da Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia (Abiape), Mário Menel da Cunha.
Outro projeto relevante que está fora de operação comercial neste momento é a térmica nuclear Angra 1, que tem 640 MW de capacidade. Dado o seu baixo de custo de geração, um dos menores do País, essa usina é sempre requisitada pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) para gerar na base do sistema, contribuindo para otimizar os reservatórios e abastecer o mercado. Acontece que Angra 1 está parada desde o dia 5 de janeiro para manutenção, justamente no momento em que os reservatórios das hidrelétricas do Sudeste mais precisam da geração térmica para ajudar a recompor os seus níveis - é preciso ressaltar que, em condições normais, essa parada não seria um problema porque a geração hídrica estaria a plena carga em razão das fortes chuvas.
Segundo a Eletronuclear, que opera a termelétrica nuclear, a parada na operação da usina é necessária para a troca da tampa do reator e para o reabastecimento de combustível. Essa interrupção já havia sido acertada com o ONS e terá duração de 56 dias, ou seja, até o final de fevereiro. Nesse meio tempo, a estatal federal irá realizar diversos tipos de inspeções na usina, tais como a manutenção de turbinas, dos gerados elétricos e das bombas de refrigeração, e a substituição do sistema de controle de água de alimentação principal e de nível dos geradores de vapor por um digital. A térmica nuclear Angra II, por sua vez, segue operando normalmente.
Outro empreendimento parado que poderia ajudar neste momento é a termelétrica bicombustível Willian Arjona (MS), de 190 MW de capacidade e pertencente à Tractebel. Em dezembro de 2012, a Aneel emitiu um despacho no qual suspendia a operação dessa térmica utilizando o gás natural até que os problemas no fornecimento do combustível fossem equacionados - a companhia ainda tem a opção de retomar a operação do ativo utilizando o óleo diesel, que tem um custo mais elevado. Por causa dessa decisão, o ONS decidiu retirar a usina do seu horizonte do planejamento por tempo indeterminado.
Procurada pela Agência Estado, a Petrobras confirmou que suspendeu o suprimento de gás natural para Willian Arjona, "pois não existe contrato vigente" de fornecimento de combustível. Segundo a estatal, "há uma medida cautelar vigente que autoriza a Petrobras e a MSGás a não fornecer o gás para a usina". O impasse entre as partes começou em 2006, quando a Tractebel quis renovar o contrato de gás com a distribuidora sul-mato-grossense nas condições estabelecidas no Programa Prioritário de Termelétricas (PPT), que previa um preço para o insumo mais baixo do que o da Petrobras na época.
Como a MSGás condicionou a renovação do contrato a um reajuste no preço de venda do gás, com base em determinação da Petrobras, a Tractebel iniciou uma batalha jurídica para manter o fornecimento. Essa discussão entre as partes vem se arrastando desde então, e teve como último capítulo a medida cautelar favorável à estatal petrolífera. Assim como Angra 1, o funcionamento de Willian Arjona também poderia contribuir para reduzir a pressão sobre os reservatórios das hidrelétricas do Sudeste e do Centro-Oeste, que fecharam na quarta-feira (09) com 28,3% da capacidade total de armazenamento para as duas regiões.