O primeiro dia do plantão judiciário da cracolândia, centro de São Paulo, teve uma internação feita à força e uma voluntária - ambas sem participação do mutirão do governo. Quem procurou ajuda no novo serviço esbarrou no desencontro de informações sobre internação e ficou frustrado com a falta de apoio.
A família do aposentado Reinaldo Mira, de 62 anos, precisou dopá-lo para levá-lo ao Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod), onde o plantão judiciário foi instalado. A autônoma Ana Paula Mira, de 34 anos, enganou o pai: disse que o levaria ao médico e colocou calmantes no suco que ele tomou de manhã.
“Se não tivesse feito isso, ninguém iria buscar meu pai. Ele ainda estaria na rua. Poderia até morrer. Ele está totalmente fora de órbita”, diz Ana Paula. Segundo ela, Reinaldo começou a usar crack com frequência há dois anos. Ana visitou o Cratod na semana passada e disse que foi orientada por funcionários a levar o pai ontem. O outro caso de internação foi de uma menina de 16 anos levada ao local pela família por vontade própria.
O jornal O Estado de S. Paulo apurou que integrantes do Judiciário e do Ministério Público não acreditam que seus colegas vão autorizar internação compulsória (sem consentimento do dependente e da família) nem veem a medida como solução ao crack. O programa, segundo o governo, é destinado apenas a exceções, usuários que estejam à beira da morte ou colocando a vida de outros em risco.
Mas os anúncios do governo não foram entendidos dessa forma pela população. Pelo menos oito mães ouvidas pela reportagem procuraram o Cratod na segunda-feira (21) para pedir a internação dos filhos. Elas achavam que sairiam de lá com o tratamento marcado, mas apenas receberam orientação para procurar a rede pública de atendimento de saúde.
“Estou saindo daqui com as mesmas dúvidas de quando cheguei”, disse a auxiliar geral Marlene Sampaio de Lima, de 53 anos. Ela esperava que seu filho de 27 anos, usuário de drogas há 11, pudesse ser internado naquela hora. Marlene foi orientada a procurar Centro de Atenção Psicossocial (Caps) do seu bairro.
Já para a diarista Edna, de 52 anos, assistentes sociais prometeram a ela que entrariam em contato com o Caps de seu bairro. Técnicos iriam visitar o filho dela, um homem de 26 anos e avaliariam seu quadro clínico.
Nem quatro usuários de drogas que foram ao Cratod por conta própria pedir ajuda ficaram internados. Médicos que avaliaram um dos casos, o do ajudante-geral Vágner José dos Santos, de 35 anos, que chegou ao Cratod às 10h, disseram que não havia necessidade de interná-lo e marcaram atendimento ambulatorial para a tarde. “Fui almoçar e dei sorte que não vi um cachimbo no caminho. Senão ia fumar.”