Em 20 de julho de 1969 o astronauta Neil Alden Armstrong, comandante da missão Apolo 11, foi o primeiro homem a pisar na Lua. No mesmo dia, Newton Leão, estudante e ativista político da Ação Libertadora Nacional (ANL), foi preso pela ditadura militar no Rio de Janeiro. Nesta segunda-feira (24), 45 anos depois, ele lembrou a coincidência entre as datas ao voltar à cela onde esteve preso nas instalações do antigo Departamento de Ordem Política e Social (Dops). Newton integrou a comitiva da Comissão Estadual da Verdade (CEV) que fez uma diligência no local.
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"Fui preso em 20 de julho de 1969 - mesmo dia em que o homem pisou na Lua - e estive aqui em 1970. Fiquei preso por sete meses (no Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna, DOI-Codi, do Exército) e depois vim para cá, em fevereiro ou março de 1970. Passei cinco meses na carceragem no 3º andar”, revelou Leão.
Esta foi a quinta diligência da CEV para reconhecer lugares onde pessoas foram presas e torturadas entre 1964 e 1985. Contou com uma comitiva de mais dez pessoas, entre ex-presos políticos e técnicos do Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac), que estuda tombar parte do prédio.
A comissão e órgãos da sociedade civil querem, com o tombamento, converter o antigo Dops em um centro de memória e nas sedes do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos e da Comissão de Reparação de Ex-presos Políticos do estado. A CEV solicitou uma reunião com o governador eleito do Rio, Luiz Fernando Pezão, para tratar do tema, sem data marcada.
A sede do antigo Dops pertence à Polícia Civil do Rio de Janeiro, que pretende transformá-lo em um museu, com espaço dedicado aos bens confiscados de religiões de matrizes africanas, por exemplo, cujo cultos foram por muitos anos considerados crimes. O representante na diligência Gilbert Stivanello ofereceu uma gestão compartilhada do prédio, que passa por reformas no interior, sem alteração das celas onde os ativistas foram presos e torturados, com atividades abertas ao público, como a própria visita da instalação. A proposta, no entanto, não agrada a CEV.
“Não dá (a coexistência com a Polícia Civil). Seria algo inusitado compartilhar no mesmo espaço o centro dos algozes e dos torturados. Fugiria ao padrão de países que passaram por ditaduras como o nosso”, disse o presidente da comissão, Wadih Damous. Ele lembrou que desde a década de 1930 a instalação é utilizada para a repressão política e já estiveram presos no local o político Luiz Carlos Prestes e ativista alemã Olga Benário, antes de ser extraditada para os nazistas.
Durante a diligência, uma das vítimas da repressão, a jornalista e tradutora brasileira Maria Helena Guimarães reconheceu a cela onde esteve presa e foi torturada grávida, a ponto de perder o bebê. “Ela perdeu um filho direto na tortura e outra gravidez que ela teve, na sequência, perdeu, por causa dos traumas psicológicos”, contou Newton. Maria Helena preferiu não voltar ao tema. “É muito dolorido. Venho aqui hoje para que as novas gerações não saiam às ruas pedindo a volta do regime militar”, desabafou ela, que voltou a pisar hoje na antiga cela.
A CEV também cobra que todos os documentos do prédio sejam recuperados pelo Arquivo do Estado do Rio de Janeiro. A polícia diz que retirou os papeis referente à ditadura de 1964 à 1985, mas os ativistas querem salvaguardar todos os registros das atividades no prédio.
Sem uso desde 2008, o prédio do Dops recebeu recentemente reforço na estrutura e teve a fachada recuperada, após sofrer danos com a construção de uma torre empresarial no entorno.