Os milhares de imigrantes haitianos que deixaram o país após o terremoto são responsáveis por uma das maiores diásporas modernas na América Latina. O terremoto no país, há cinco anos, não apenas prejudicou a infraestrutura básica do Haiti, mas comprometeu o mercado de trabalho. Atualmente, ter um emprego com carteira assinada e demais benefícios é quase um luxo, o que explica a busca de condição de vida digna a milhares de quilômetros da ilha caribenha.
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Dos mais de 30 mil haitianos que cruzaram a fronteira brasileira nos últimos anos, segundo o governo do Acre, principal acesso ao Brasil, a maior parte foi acolhida em São Paulo ou nos estados do Sul, principalmente no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. No município catarinense de Chapecó, no oeste do estado, os imigrantes trabalham em frigoríficos e moram nos bairros da periferia. Geralmente, fazem as compras nas lojas do centro.
Apesar do trabalho árduo, que inclui horas de atividade física repetitiva sem desviar o foco do manuseio de facas e serras elétricas, sob temperaturas médias de 8 graus Celsius, os haitianos se dizem conformados com o emprego. O salário líquido, por volta de R$ 1 mil, não tem atraído muitos brasileiros. Por isso, a mão de obra estrangeira é mais do que bem-vinda para as empresas. Para os haitianos, a quantia também é considerada baixa, principalmente com a atual depreciação do real em relação ao dólar, o que diminui o valor que eles podem enviar às famílias no Haiti, ao converterem para a moeda americana.
“Com o dólar batendo quase R$ 3, fica difícil mandar dinheiro para casa, onde estão meus pais, minha esposa e minha filha. Meu objetivo é trazê-los para cá, mas o salário é pouco”, disse Nauhm Saint-Julien, que no início trabalhou em um frigorífico, mas depois foi contratado como auxiliar em um estúdio de fotografia. Atualmente, estuda na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), por um programa especial para haitianos.
Perguntado se prefere ficar no Brasil ou voltar ao Haiti, responde que quer permanecer no país que lhe deu acolhida, pois o retorno à pátria não oferece garantia de emprego ou de oportunidades de estudos. “A situação econômica [no Haiti] é muito grave. Não há nada para se fazer lá. É muito difícil encontrar trabalho. Muitas pessoas com formação superior simplesmente não encontram serviço”, contou Nahum, que trabalhava em um cartório antes do terremoto.
Em 2011, quando começou a forte imigração para o Brasil, os haitianos já tinham em mente morar no país. Vários dos entrevistados em Brasileia e Assis Brasil, no Acre, disseram que pretendiam juntar dinheiro para trazer o restante da família. Boa parte dos haitianos que fizeram do Brasil sua segunda nação é constituída por profissionais qualificados com formação em medicina, enfermagem, engenharia e letras, principalmente. Também falavam com fluência o inglês, francês, espanhol e a língua nativa, o crioulo. Muitos, mesmo com dificuldade, já conversavam em português.
Em Chapecó, a determinação em ficar é a mesma para outros trabalhadores, apesar das dificuldades iniciais. Os que chegam têm de morar em alojamentos e dividem quartos com até seis pessoas para economizar dinheiro. O recém-chegado Jonald Destimé divide uma casa com mais 55 trabalhadores e ainda está aprendendo o português. “Lá é pior. Aqui, temos como recomeçar. Se puder, se tiver dinheiro, um dia chamo a minha família”, disse Jonald, que exibia com orgulho um tablet comprado no Brasil, equipamento fundamental para se comunicar com a família.
O colega de quarto Edgar Marcena contou que a falta de comida não é o principal drama de quem vive no Haiti, mas, sim, o desemprego. “Comida não é o problema. A dificuldade é achar trabalho. Temos como conseguir alimentos, mas não ganhamos dinheiro para comprar uma roupa, por exemplo”, relatou.
Alguns imigrantes conseguem se integrar mais facilmente à sociedade local e casam com mulheres da região, constituindo família e se mudando para casa própria. É o caso de Smith Rivette, que estuda letras na UFFS se casou recentemente com a chapecoense Crisiane Schneider Rivete. O amor entre ambos, iniciado no frigorífico onde trabalham, teve que superar barreiras culturais. Ela, de pele branca e loira e ele, de cor negra e estrangeiro. Os dois planejam ter filhos em breve.
Apesar da aceitação da família de Crisiane, como ela ressalta, a união provocou estranhamento em algumas pessoas. “Eu sempre disse que ia casar com uma pessoa bem morena. Aí o meu pai apoiou e disse que ia ajudar a pagar a festa. Mas, também, enfrentamos um pouco de racismo. Chegaram a dizer que ele tinha me dado um golpe, levado minhas coisas. Acharam que ele tinha ficado comigo só por interesse”, lembrou Crisiane.
Uma das formas de enfrentarem o preconceito e as dificuldades foi a fundação de uma associação de ajuda aos imigrantes. Dirigente da entidade, Jean Innocent Monfiston explicou que o objetivo é manter a cultura do seu país e auxiliar os recém-chegados que não dominam a língua. “Em um primeiro momento, acompanhamos os imigrantes e ajudamos com a documentação. Arrumamos emprego e também fazemos cursos de português. Estamos pedindo que a embaixada abra uma representação em Santa Catarina, onde já vivem mais de 5 mil haitianos”, explicou Jean.