Segurança

UPPs passam por momento mais crítico desde o início do projeto

Desde 2013 o cenário vem se mostrando mais desafiador, com constantes tiroteios, mortes de traficantes, moradores e policiais

MARCOS OLIVEIRA
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MARCOS OLIVEIRA
Publicado em 11/04/2015 às 18:00
Agência Brasil
Desde 2013 o cenário vem se mostrando mais desafiador, com constantes tiroteios, mortes de traficantes, moradores e policiais - FOTO: Agência Brasil
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O caso do menino Eduardo de Jesus Ferreira, 10 anos, morto em meio a uma troca de tiros no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, reacende o debate em torno do futuro das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora). O ambicioso plano da Secretaria de Segurança do governo estadual experimentou um momento de estabilidade em seus primeiros anos de implantação, a partir de 2008. Mas desde 2013 o cenário vem se mostrando mais desafiador, com constantes tiroteios, mortes de traficantes, moradores e policiais. Também foram registradas denúncias de tortura e estupros por parte da Polícia Militar. Veja mapa com as UPPs instaladas até agora.

Além disso, quase mil PMs procuraram o Ministério Público (MP) para denunciar as precárias condições de treinamento e de trabalho. De acordo com levantamento feito pelo órgão, faltam condições básicas para que estes profissionais desenvolvam uma atividade que requer a complexidade de resgatar uma área perdida pelo Estado. Um exemplo dessas dificuldades está nas instalações que servem de base para as unidades. Das 38 UPPs, apenas 17 são feitas de alvenaria. As estruturas que ainda estão em contêineres são usadas como escritório para serviços burocráticos e também como apoio. Com as manchetes negativas, o governo do Rio de Janeiro anunciou que vai substituir os contêineres das Unidades de Polícia Pacificadora por bases definitivas.

Mesmo com esses problemas, um levantamento feito pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) mostra a redução da criminalidade desde que as UPPS foram criadas. Em fevereiro de 1991 foram registrados 732 homicídios dolosos, número que continuou alto nos anos posteriores. O panorama começou a mudar a partir de 2008, quando começam a ser instaladas as UPPs. Neste ano, foram registrados 505 homicídios no mês de fevereiro. A queda se acentuou mais em 2014 com o registro de 482 casos. E em fevereiro deste ano, o total de homicídios foi de 324, ou 55% a menos do que em 1991.

Mas os números positivos acabam sendo ofuscados por casos de abusos. Em 2013, Amarildo de Souza, “desapareceu” na favela da Rocinha. O pedreiro sumiu após ser retirado de casa e levado à sede da UPP da Rocinha por PMs da unidade. Ao todo, 25 policiais foram acusados pelos crimes de tortura, ocultação de cadáver, fraude processual e formação de quadrilha. Em abril do ano passado foi a vez do dançarino do programa Esquenta, da Rede Globo, Douglas Rafael da Silva Pereira, conhecido como DG, de 25 anos. Ele foi morto, na favela Pavão-Pavãozinho, durante uma troca de tiros entre policiais e traficantes. Seis policiais foram indiciados por falso testemunho e um por homicídio doloso qualificado.

O menino Eduardo, no Complexo do Alemão, no dia 2 de abril, foi a sexta vítima de bala perdida no local. Desde o início de 2015, confrontos tem sido rotineiros no lugar, que abriga 70 mil pessoas em 15 comunidades.

Um laudo feito por peritos da Polícia Civil do Rio confirmou que o disparo que matou o estudante saiu de um fuzil. Dois policiais militares que confirmam que fizeram disparos de fuzil perto do local onde o garoto foi morto estão de licença médica. Eles atuam em Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs).

 

ENTREVISTA COMPLETA COM IGNACIO CANO

Coordenador de Centro de Análise da Violência no Rio, o sociólogo Ignacio Cano critica a falta de diálogo entre a polícia e os moradores.

JC - Entre as recentes polêmicas envolvendo áreas pacificadas, está o desaparecimento do pedreiro Amarildo, a morte do dançarino DG e, agora, a do estudante Eduardo de Jesus. 

IGNACIO CANO - Nas áreas em que não existem as UPPs casos como estes são muito maiores. Não acredito que os policiais das UPPs são piores que os demais. Mesmo assim, diante de toda defesa que o governo faz do programa, essa violência constante representa uma frustração para a população. 

JC – Quais os pontos mais críticos?

CANO – Existe um problema central de relacionamento entre os policiais e a comunidade, dentro de um sistema que deveria ter esse tipo de ligação como parte estruturante do processo. As unidades estagnaram no estágio inicial. 

JC – No livro Os Donos do Morro, o senhor e os outros pesquisadores afirmam que comunidades pacificadas foram as que possuíam atrativo turístico.

CANO – O mapa das UPPs mostra isso. A escolha da maioria delas privilegiou localidades com maior IDH e alvo de visitas turísticas e não aquelas com altos índices de criminalidade. Um ponto que precisa ser destacado é que os homicídios diminuíram 75% e o número de roubos em 50%. Os desaparecimentos aumentaram em 92%, o que pode mascarar o número de homicídios nessas localidades. 

JC - Como a população percebe o papel das UPPs?

CANO - Atualmente é visto como uma força para controlar a vida dessas pessoas. Esse é outro desafio que as UPPs tem para resolver. São décadas de uma polícia vista como repressora, que ia na comunidade para fazer valer seu poder coercivo. Mostrar que a situação é outra e se colocar ao lado da sociedade é um objetivo ainda longe de ser atingido. 

JC-  Os policiais são preparados de forma satisfatória?

CANO - Não. Como se muda a mentalidade de um policial com treinamento de duas semanas. Existe um projeto em curso para melhorar esse trinamento, mas muita coisa ainda precisa ser feita. Desde o treinamento até as condições de trabalho da corporação. 

 

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