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Casos de preconceito racial ganham notoriedade por serem sofridos por pessoas famosas

Professor Milton Guran fala, em entrevista, sobre aparecimento de negros na mídia, a partir do caso de Thaís Araújo e Maju

Fabiana Moraes
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Fabiana Moraes
Publicado em 04/11/2015 às 21:09
Foto: Facebook/Reprodução
Professor Milton Guran fala, em entrevista, sobre aparecimento de negros na mídia, a partir do caso de Thaís Araújo e Maju - FOTO: Foto: Facebook/Reprodução
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No último final de semana, o Facebook da atriz Thaís Araújo foi palco de comentários preconceituosos direcionados à cor da pele e aos cabelos da atriz. Meses antes, foi a apresentadora Maria Julia Coutinho, do Jornal Nacional, que sofreu os mesmos ataques. Os exemplos de preconceito racial, no entanto, não passaram batido: uma adesão contrária foi logo deflagrada em ambos os casos – alguns dos comentários anti-racistas, é verdade, também soaram várias vezes preconceituosos (a exemplo do #somostodosmacacos, referente ao caso do jogador de futebol Daniel Alves, alvo de uma banana enquanto estava em uma partida entre Villareal e Barcelona). Os casos ganharam notoriedade por serem sofridos por pessoas famosas – no cotidiano, sabe-se, atitudes de imenso preconceito são direcionadas a milhões de negros e negras, principalmente aos que não aderem aos padrões do embraquecimento (alisamento de cabelos, afilamento de nariz). O fenômeno nos faz pensar até que ponto o aparecimento da população negra da mídia (novelas, publicidade, etc) provoca diferenças no olhar da sociedade, que tanto reclama esse aparecimento quanto mostra-se assombrada quando ele efetivamente acontece.

Pesquisador associado ao Laboratório de História Oral e Imagem da Universidade Federal Fluminense (UFF), o antropólogo, fotógrafo e documentarista Milton Guran estuda há anos o poder da imagem disseminada para muitos: “hoje mais do que nunca, parecer parece ser mais importante do que efetivamente ser”, escreve ele no artigo O olhar engajado: inclusão visual e cidadania. Um dos presentes no Seminário Internacional Presença Afrodescendente na América Latina, que acontece hoje e amanhã na Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj, programação abaixo), ele acredita que, à medida em que os afro-descendentes ganham visibilidade social, prestígio e demonstram que uma pessoa vale por si, e não pela cor da sua pele, alguns dos setores mais atrasados da sociedade reagem de forma preconceituosa, racista e reacionária. “Já se disse que o patriotismo é o último refúgio dos canalhas, e esse tipo e reação é a mesma coisa. Francamente, comparar Maju e Thaís a macacas é de uma estupidez que acaba funcionando como um atestado de pobreza de espírito de inveja sem par. São pessoas admiradas por todos pela sua competência profissional e conduta socialista impecável. São essas qualidades que, de fato, provocaram as ofensas.”

Ele sublinha que a reação das atacadas, que aconteceu simultaneamente aos atos racistas, foi exemplar para todos, negros e menos negros – colocados assim porque, defende Milton, há poucos brancos, de fato, no Brasil. “O amadurecimento das sociedade é como o das pessoas, um processo tortuoso e doloroso. As ofensas, ao dar visibilidade aos setores mais atrasados da sociedade, permitem que os setores mais progressistas reajam, e esse é o processo que conduz ao amadurecimento social.”

A presença de negros e negras na publicidade é encarada de maneira dialética pelo pesquisador: tanto ajuda a fomentar a pele escura em uma área que sempre vendeu apartamentos, sapatos e roupas a partir dos rostos de pessoas brancas, quanto tem nessa “novidade” um motivo mercadológico, não político. “À medida em que uma parte considerável das camadas mais pobres da sociedade foi, nos últimos anos, incorporada à classe da consumidores, ou seja, aqueles que tem algum poder, o sistema econômico passou a tomar essas pessoas como alvo da sua ação. Creio que tem menos relação com a cor e mais com o poder de compra. No entanto, é inegável que vivemos uma afirmação da autoestima afro-descendente que é fruto de vários fatores, sendo um dos mais fortes a própria ação das organizações negras ou ligadas à cultura e religiosidade afro-brasileira.”

O maior aparecimento de rostos negros, no entanto, não vem apenas de cima para baixo: a disseminação de celulares e câmeras fotográficas também provocou uma ocupação, no complexo sistema de imagens, de pessoas antes não vistas (ou vistas de maneira distorcida). São imagens produzidas quase sem a mediação de grandes empresas. As reações, como já foi dito, são várias: há quem celebre, há quem se sinta afrontado. “As novas tecnologias de produção e de circulação de informação, principalmente visual, deram oportunidade a quem nunca teve condições de ser visto e ouvido de ser protagonista deste tipo de comunicação de massa. Inclusive aos setores mais atrasados e pervertidos da sociedade, como vimos nesses recentes episódios racistas. Vale destacar, entretanto, que o saldo é bastante positivo porque foi criada uma nova arena de trocas sociais e de circulação de informação que é a mais democrática de todas, já que os meios de produção são compartilhadas por todos.”

O Seminário Internacional Presença Afrodescendente na América Latina vem de uma parceria com o Projeto Rota do Escravo, da UNESCO, e abre o mês da Consciência Negra. Nas discussões, a emergência dos movimentos afrodescendentes no continente (com foco no combate às desigualdades raciais, no reconhecimento dos seus valores culturais e na contribuição para a constituição dos atuais Estados Nacionais). Especialistas do Brasil, Colômbia, Uruguai, Costa Rica e México fazem parte do evento.

Programação:

5/11

09h – Mesa-redonda – Educação e relações étnico-raciais no Brasil: narrativas de experiências

Mônica Lima (Universidade Federal do Rio de Janeiro)

Cláudio Orlando Costa do Nascimento (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia)

Carlos Benedito Rodrigues da Silva (Universidade Federal do Maranhão)

Sylvia Couceiro (Fundação Joaquim Nabuco)

11h – Exibição do Documentário: “Trocas Atlânticas” produzido pelo LABdidática/Massangana Multimídia – FUNDAJ. Apresentação de Cynthia Falcão


14h – Painel III:

* A Década Internacional dos Afrodescendentes: desafios e perspectivas – Maria Elisa Velázquez, presidenta do Comitê Científico Internacional do Programa A Rota do Escravo.

Coordenação: Rosalira Oliveira (Fundaj)

16h – Abertura da Exposição Fotográfica Presença Afrodescendente na Fotografia

17h – Encerramento

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