Do alto, quem vê a barragem de Sobradinho encontra imensas tubulações que se estendem lago adentro e conectam a água do reservatório a um canal. A obra, implementada pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), é uma ação emergencial para evitar o desabastecimento do Perímetro Irrigado Senador Nilo Coelho. Criado em 1984, o perímetro tem 23 mil hectares divididos entre pequenas, médias e grandes empresas nos municípios de Petrolina, em Pernambuco, e Casa Nova, na Bahia.
“Essa é uma situação emergencial em que a gente não pode tomar uma decisão nem tão antecipada, porque não temos certeza sobre a chuva, nem tão tardia. Nós ficamos nesse dilema sobre qual o momento certo de arregaçar as mangas, mas parece que acertamos”, diz o gerente de empreendimentos de irrigação da Codevasf, Carlos Pinheiro. Devido ao baixo nível de Sobradinho, há um risco de que o canal de aproximação destinado ao perímetro irrigado não consiga mais captar água.
Água para o perímetro irrigado
A obra consiste na instalação de dez bombas flutuantes para pegar água em um ponto mais profundo de Sobradinho. A água passará pelas cinco linhas adutoras e seguirá, por meio de um canal de 2,4 mil metros construído à margem do lago, para distribuição aos produtores. “O São Francisco é nosso pai e nossa mãe. A fruticultura está visceralmente ligada ao rio. Se o rio falhar, temos um efeito dominó”, compara Leonardo Cruz, engenheiro civil responsável pela fiscalização da obra.
Barragem de Sobradinho from EBC na Rede on Vimeo.
Estima-se que a fruticultura irrigada no Nilo Coelho gere 45 mil empregos diretos e indiretos e mais de 400 mil toneladas de alimentos por ano – uma produção de R$ 1,1 bilhão anual. Com a construção do canal e instalação das bombas, mesmo que Sobradinho chegue a 0% de seu volume útil, será possível contar com os cerca de 6 bilhões de metros cúbicos de água que constituem o volume morto.
O empresário Sílvio Medeiros também ficou no limiar entre o que fazer e quando fazer para evitar prejuízos na sua fazenda. Ele produz uva e manga em 600 hectares no perímetro irrigado. Quando percebeu que o baixo volume de água em Sobradinho poderia afetar sua produção, providenciou a compra de equipamentos para a instalação de uma adutora. “Em maio, percebemos que o nível do lago estava muito baixo comparado a anos anteriores. Foi um momento de pânico.”
Graças à chuva que vem alimentando a nascente do Velho Chico, a quantidade de água em Sobradinho vem aumentando, mas ainda lentamente. Segundo o boletim diário de acompanhamento da Bacia do São Francisco, divulgado pela ANA, a capacidade do reservatório estava em 1,98% no dia 23 – vinte dias antes, o volume do lago estava em 1,11% de sua capacidade.
Segundo o Inmet, neste mês, até o momento, choveu 200 milímetros na cabeceira do rio. A média histórica de dezembro é 300mm. “A perspectiva é boa. Espera-se que ocorra chuva em janeiro, mas não deverá ser suficiente para suprir o déficit dos reservatórios. Vamos torcer para que esse período chuvoso esteja dentro da média histórica”, aguarda o meteorologista Claudemir de Azevedo.
Com a chegada de água nova, o canal do perímetro irrigado segue captando recursos suficientes para os produtores. “Temos perspectivas de que o nível do lago estabilize, mas não é uma situação confortável para os próximos anos”, explica Carlos Pinheiro. Estima-se que a vazão afluente de Sobradinho (água que entra no reservatório vinda da nascente do rio) esteja em torno de 1.200 m³/s. No mesmo período de 2000, a vazão chegou a 1.800 m³/s.
Situação diferente
Fora da área do perímetro irrigado, a situação é diferente. Em Casa Nova, próximo à sede do município, 86 produtores se reuniram em uma associação e construíram um canal para bombear água para as propriedades. A água de Sobradinho não está chegando ao Lago São Vitor, uma pequena barragem onde as fazendas captam o recurso para irrigação.
“Sobradinho costumava ter um nível estável e todos os anos o Lago São Vitor era abastecido, ficando entre 50% e 60% da capacidade. Não tínhamos problema com água. Somente em 2004 houve uma situação parecida, mas este ano foi o pior de todos. Fomos obrigados a fazer uma pequena transposição para não faltar água para os produtores”, relata Fernando Marins, presidente da associação de produtores do Lago São Vitor.
Abastecimento das cidades
As cidades em torno de Sobradinho também dependem da água do reservatório. As prefeituras de Casa Nova e Remanso precisaram mudar suas estruturas de captação de água para abastecimento dos municípios. Ambas precisaram levar bombas para um ponto mais profundo do lago. Em Remanso, essa estrutura precisou se afastar cerca de 7 quilômetros do ponto onde antes a água era captada.
Apesar de o abastecimento das cidades estar mantido, a água que chega às casas não tem pressão suficiente para encher as caixas d'água. “Para encher a caixa, a gente precisa da bombinha. Água tem, mas ela é fraca e não sobe”, conta Regivaldo de Castro, que trabalha com transporte em carroça em Casa Nova. Em Remanso, há bairros em que a água nem consegue chegar. É o caso da Vila Santana. Considerado o maior da cidade, o bairro tem mais de 6 mil habitantes, segundo a prefeitura. Lá, o abastecimento é feito por carros-pipa.
Odália do Nascimento, dona de casa, conta nos dedos as vezes em que a água correu pelos canos da casa onde mora com dois filhos e dois netos. Nascida em Remanso, ela chegou na cidade há um ano, vinda de uma temporada em São Paulo. Ao voltar, deparou-se com a situação atual de Sobradinho. “Quando cheguei aqui, foi que eu vi. Fiquei muito triste. Eu disse: oxe, o rio está assim? Está lá no final.”
Redução da vazão
A redução no volume de Sobradinho gera o temor de que esse mar volte a ser sertão. Desde abril de 2013, a Agência Nacional de Águas (ANA) vem editando sucessivas resoluções reduzindo a vazão da água que sai de Sobradinho em direção à foz do Rio São Francisco (vazão defluente). Esta semana, a vazão deverá passar de 900 metros cúbicos por segundo para 800m³/s. A vazão regularizada é de 2.060 m³/s.
A decisão foi tomada a partir de uma demanda do Operador Nacional do Sistema (ONS), responsável por coordenar a geração e a distribuição de energia pelo país. A intenção é controlar o volume de água presente na barragem para que não chegue ao nível zero. O reservatório tem volume útil de 28 bilhões de metros cúbicos.
A Usina Hidrelétrica de Sobradinho está operando com três turbinas, já que a quantidade de água que sai do lago não é suficiente para se dividir entre as pás de seus seis geradores. Da capacidade total de 1.050 megawatts (mW), só tem sido possível gerar cerca de 165 mW, somando todas as turbinas em funcionamento.
Entre as hidrelétricas instaladas no Nordeste, Sobradinho responde por 10% da energia produzida e distribuída na região. “Apesar de estarmos passando por uma crise hídrica severa, não há risco de as populações ficarem sem água nem risco de desabastecimento de energia. Se vier a acontecer de Sobradinho parar, nós compensaremos essa energia não gerada com outras fontes, como eólica e térmica”, garante José Aílton de Lima, diretor de operação da Chesf.
O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) critica o pedido de redução da vazão de Sobradinho feito pelo setor elétrico. Enquanto há o controle da água retida no lago, o pouco volume liberado em direção à foz do Velho Chico vem causando prejuízos socioambientais ao longo do percurso do rio.
O presidente do comitê, Anivaldo Miranda, cita que já é possível perceber o agravamento do assoreamento do leito e da erosão das margens do rio, além do impacto na biodiversidade no chamado Baixo São Francisco, entre Alagoas e Sergipe. Miranda cita que há comprometimento da navegação e da captação e qualidade da água para abastecimento de cidades dos estados.
“Quem está a montante [na direção da nascente] quer acumular água e quem está a jusante [mais próximo da foz] quer que mais água seja liberada. São interesses legítimos, mas conflitantes. Defendemos que esses interesses sejam gerenciados com o máximo de diálogo e acompanhamento da situação”, diz Miranda.
Apesar de emitir sua opinião, o comitê não tem poder de decisão sobre essas questões. Segundo Miranda, antes de decidir pela redução da vazão do lago, seria mais prudente aguardar o comportamento do período úmido na região da cabeceira do Rio São Francisco. Depois disso, em fevereiro e março, quando já haveria conhecimento sobre o volume de água, deveriam ser analisadas as demandas dos setores que utilizam os recursos do rio.