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Condenado na França a 5 anos de prisão sob a acusação de planejar atentados terroristas, o físico Adlène Hicheur, de 39 anos, nascido na Argélia e naturalizado francês, radicado no Brasil há três anos, divulgou na segunda-feira (11) texto em que diz que o processo judicial não reuniu provas contra ele, apesar da sentença.
Ao obter liberdade provisória, após dois anos, ele se mudou para o Rio, onde leciona no Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) como professor visitante.
"Fui preso pela polícia francesa no fim de 2009 e a única justificativa de minha detenção foram minhas visitas aos chamados websites islâmicos subversivos. Fui privado da minha liberdade por dois anos apenas com base nisso. Nenhum outro elemento foi apresentado contra mim", afirma ele na carta, encaminhada ao Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF).
No documento, Hicheur diz que "a acusação não sustentou o caso com fatos e evidências". "O caso foi fabricado, usando-se partes pinçadas de uma conversa virtual com o objetivo de mostrar que haveria uma tentação de considerar a violência como solução para conflitos internacionais em países árabes e muçulmanos como Iraque ou Afeganistão". O Estado procurou Hicheur ontem na UFRJ, mas ele não estava em seu gabinete.
O pesquisador Ignacio Bediaga, que trabalha no CBPF e foi responsável pelo convite ao físico para que viesse trabalhar no Brasil, também divulgou carta em que defende e elogia o colega. "Durante esses quase dois anos de trabalho conjunto, o dr. Hicheur, além de realizar um trabalho excepcional, mostrou um comportamento moral e ético exemplar, bem como uma grande disponibilidade de colaborar com o grupo", escreveu.
Especializado em partículas elementares, Hicheur desenvolvia até 2009 uma carreira acadêmica reconhecida internacionalmente. Fazia pós-doutorado na Escola Politécnica Federal de Lausanne, na Suíça, e trabalhava no Centro Europeu para Física de Partículas. Foi quando se afastou para tratamento médico devido a problemas de coluna.
Na casa dos pais, na França, começou a frequentar fórum na internet que reúne jihadistas e trocou mensagens com um interlocutor que se identificava como "Phenix Shadow" - segundo a polícia, era Mustapha Debchi, apontado pelo governo da França como integrante da organização terrorista Al-Qaeda.
As mensagens foram interceptadas pela polícia francesa, que prendeu o físico. Processado, foi condenado a 5 anos de prisão. Detido em 2009, foi libertado em 2012. No início de 2013 foi convidado pelo CBPF, unidade de pesquisa do Ministério da Educação, para participar de um projeto no Brasil. Durante três meses, com bolsa de estudos do CBPF, fez pesquisas e produziu relatório. Voltou para a Europa, mas a polícia suíça o proibiu de entrar no país até 2018.
Hicheur foi, então, convidado a estender a pesquisa no Brasil, auxiliado por bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Ele teve o currículo aprovado por comissão do Ministério da Educação e do CNPq. Recebeu ajuda mensal de setembro de 2013 a abril de 2015. Desde julho de 2014 é contratado da UFRJ. Seu contrato terminará em julho.
Após um episódio em 2014 na mesquita que frequenta em Vila Isabel, Rio, o físico virou alvo de investigação da PF, que fez operação de busca em sua casa e em seu gabinete na UFRJ. A investigação foi arquivada. O CNPq informou que, para conceder a bolsa, analisou o currículo acadêmico e o mérito do projeto do qual o físico participaria - e a condenação de Hicheur nunca foi levada em conta. A UFRJ divulgou que não havia nenhum impedimento legal à contratação.
Entrada de físico preso por terrorismo deveria ter sido barrada, diz Mercadante
O ministro da Educação, Aloizio Mercadante, afirmou que o professor Adlène Hicheur, condenado por planejar atentados terroristas na França, deveria ter tido sua entrada no Brasil bloqueada em 2013, quando chegou ao País para ser professor de Física na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). "Não temos qualquer interesse nesse tipo de perfil", disse o ministro sobre o caso revelado sexta-feira pela revista Época.
Mercadante afirmou que sabia do caso há pelo menos três meses, quando ainda era ministro da Casa Civil. A Polícia Federal teria feito contato com a pasta e com o Ministério da Educação para solicitar informações sobre o argelino de 39 anos, naturalizado francês, que entre 2013 e 2014 recebeu R$ 56 mil como bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e hoje tem salário de R$ 11 mil na universidade.
Sua especialidade é a física das partículas elementares, assunto que pesquisou quando fazia parte da Organização Europeia de Pesquisa Nuclear (Cern), na Suíça.
"O currículo acadêmico preenche todas as exigências. É um pesquisador altamente qualificado, com produção científica intensa. O problema não é se ele é professor, engenheiro ou estudante. Quando foi ter acesso ao visto de entrada, a pesquisa sobre a vida dele tinha de ter sido feita. Se tivesse indício de que houvesse, como no caso, condenação por práticas terroristas, sua entrada deveria ter sido bloqueada", disse.
Fórum
Em 2009, a inteligência francesa descobriu a participação de Hicheur em um fórum online utilizado por jihadistas, onde trocou mensagens com um membro da Al-Qaeda, indicando estar disposto a "trabalhar no seio da casa do inimigo central e esvaziar o sangue de suas forças". Hicheur foi preso e condenado a 5 anos de prisão. Solto, tentou voltar à Cern, mas foi barrado pela polícia suíça e impedido, pela Justiça, de ficar naquele país até 2018.
Não houve, segundo Mercadante, nenhum contato do reitor da UFRJ com o MEC. O ministro afirmou que o caso, agora, compete à Polícia Federal, ao Ministério da Justiça e à Advocacia-Geral da União (AGU). A assessoria de imprensa da Justiça afirmou que "um suposto caso de deportação é um processo administrado pela PF". Polícia e AGU não se manifestaram sobre o caso até o fechamento dessa reportagem.