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Após 16 anos, completados nesta terça-feira (18), o segundo maior acidente ambiental na Baía de Guanabara ainda não foi devidamente compensado. Os principais afetados são os cerca de 20 mil pescadores artesanais, que foram obrigados a interromper suas atividades e até hoje não receberam a indenização judicial de R$ 1,23 bilhão, correspondente a R$ 500 por mês durante dez anos para cada pescador ou família.
A denúncia é do ambientalista Sérgio Ricardo, fundador do Movimento Baía Viva. No dia 18 janeiro de 2000, um oleoduto que liga a Refinaria Duque de Caxias (Reduc), da Petrobras, ao Terminal da Ilha D´Água, vizinho à Ilha do Governador, se rompeu, derramando 1,3 milhão de litros de óleo na região. O maior acidente ambiental da Baía de Guanabara ocorreu em 1975, quando o navio iraquiano Tarik Ibn Ziyad rompeu o casco e derramou 6 milhões de litros de óleo no corpo d'água.
Segundo Ricardo, desde a época do vazamento a situação de empobrecimento dos pescadores só piorou. “A Federação de Pescadores, autora da ação na qual eu sou testemunha, reivindica essa indenização para 20 mil pescadores, mas a Petrobras contesta isso. A empresa afirma que não são 20 mil, mas também não apresenta outro número”, disse o ambientalista.
De acordo com o ambientalista, muitos pescadores morreram nesses anos e as viúvas ainda não sabem se terão direito ou não a uma possível indenização. Na época do acidente, um estudo indicou que o impacto ambiental para a pesca seria de, pelo menos, dez anos, o que foi comprovado por uma perícia determinada pela Justiça.
“Houve uma redução de aproximadamente 90% na atividade pesqueira de 2000 para cá. Dez anos depois foi feita uma perícia técnica. A equipe rodou a Baía de Guanabara e encontrou grande quantidade de óleo nas áreas de manguezais, que são os berçários da natureza. É dali que sai todo o alimento para a cadeia produtiva da pesca. Então, os efeitos do vazamento se mostram presentes ainda hoje.”
Além da degradação ambiental, o ambientalista citou a ampliação da atividade petrolífera como causa da diminuição das áreas de pesca. “Praticamente 70% da Baía de Guanabara estão ocupados pela atividade petroleira após o início da exploração do pré-sal. São 12 dragagens, implantação de novos oleodutos, gasodutos, plataformas e rebocadores. Toda essa atividade de fundeio está dentro da Baía de Guanabara, onde o pescador é proibido de pescar a 500 metros dessas atividades petroleiras. Isso inviabiliza o trabalho.”
Conforme Sérgio Ricardo, a Reduc continua sendo a principal fonte individual de poluição da Baía de Guanabara, responsável por cerca de 20% dos contaminantes. “Não é um vazamento como o que ocorreu em 2000, mas, se sairmos de barco, ficaremos impressionados com a quantidade de óleo que chega pelo Rio Sarapuí e que acaba nos manguezais e nas áreas pesqueiras.”
Ele afirmou ainda que o valor acertado no Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado pela Petrobras, no valor de R$ 1 bilhão, não foi revertido para a recuperação ambiental ou para estruturação da cadeia produtiva da pesca artesanal.
“Na prática, não temos conhecimento de nenhum investimento com esse recurso para melhorar a saúde ambiental da Baía de Guanabara ou as condições de vida dos pescadores artesanais. A meu ver, esse TAC serviu apenas de marketing verde para a empresa e para que as autoridades ambientais fizessem propaganda de que estão atuando e fiscalizando, controlando as fontes de poluição. Efetivamente, não melhorou a qualidade da água da Baía, não recuperou as áreas de manguezais, não estruturou a atividade econômica da pesca e nenhuma praia foi despoluída.”
A Petrobras foi procurada pela reportagem, mas não se manifestou até a publicação da matéria. A Secretaria de Estado do Ambiente (SEA) informou que o TAC “já resultou” em melhorias na emissão de efluentes na Baía de Guanabara e de poluentes na atmosfera, além de prever medidas compensatórias pela poluição.
“Com prazo previsto para 2017, o TAC tem como objetivo geral a redução de 80% das emissões atmosféricas de poluentes e o tratamento mais rigoroso de 70% dos efluentes contaminados orgânicos e oleosos despejados na Baía de Guanabara pela refinaria da Petrobras. Várias das ações previstas no termo já foram concluídas, incluindo o tratamento de efluentes e a redução da emissão de poluentes, tais como o óxido de enxofre”, informou nota da SEA.
HISTÓRICO
Desde junho de 2000, um grupo de trabalho criado pelo Ministério do Meio Ambiente avaliou o impacto causado pelo derramamento. O relatório apresentado explica que os dutos entraram em funcionamento em 1993 e em 1997 houve rompimento por corrosão, derramandou 3 milhões de litros em uma região de mangue. Em 1999, a Petrobras havia pedido a renovação da licença para os dutos, mas ela não havia sido concedida até o vazamento de 18 de janeiro de 2000, que durou 4h35.
O rompimento do duto ocorreu a 2,6 mil metros do lançador da Reduc e foi causado por “fratura de fadiga, ocasionado por expansão, contração térmica” e perda de suporte no solo, segundo apontou a Agência Nacional do Petróleo (ANP).
O relatório informou também que “a alteração do solo do canal ocorreu devido ao assoreamento do Rio Iguaçu, levando o duto a perder o apoio necessário às suas funções”. Entretanto, relatório da Petrobras afirmou que houve alteração na condição do solo e avaliação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que houve falha no projeto e na manutenção do duto.
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) suspendeu a pesca na região por 30 dias e aplicou à Petrobras três multas por causa dos danos ambientais causados, no total de R$ 51,05 milhões de reais. Os municípios do Rio de Janeiro, São Gonçalo, Magé, Duque de Caxias e Guapimirim foram os mais atingidos e todos assinaram acordos com a Petrobras para projetos de educação e recuperação ambiental.
“O MPU [Ministério Público da União], por meio de sua procuradora no município do Rio de Janeiro, firmou com a Petrobras, por ser o mar patrimônio da União, um Compromisso de Ajustamento de Conduta, que inclui uma multa diária caso os prazos estipulados, com base na Resolução nº 265, não sejam cumpridos. A Petrobras vem atendendo aos prazos e às cláusulas estabelecidas. O referido compromisso ressalta, em seus artigos, o caráter preventivo das providências a serem adotadas pela Empresa para evitar futuros acidentes”, destacou o documento de 2001.
Conforme o relatório, as ações emergenciais de limpeza realizadas pela Petrobras conseguiram recuperar todo o óleo vazado, considerando a evaporação, com a retirada na água, na areia e em outros resíduos. O documento informou ainda que houve pagamento de indenização para 9,4 mil pessoas “que vivem da pesca e do comércio pelo período em que ficaram impedidas de exercers suas atividades, totalizando R$ 6,5 milhões”.
“Em virtude do derramamento de óleo, a Petrobras elaborou o Programa de Excelência Ambiental e Segurança Operacional, que prevê inúmeras ações por três anos, com investimentos da ordem de R$ 1,8 bilhão”.
O documento tratou também da poluição da baía de forma geral, causada principalmente pelo esgoto in natura despejado nas águas, e citou o Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG), iniciado em 1991 e que durou 15 anos, mas não teve eficácia, apesar de ter consumido US$ 800 milhões.
Em outubro de 2002, a Petrobras informava ter a Baía de Guanabara como sua maior preocupação em relação ao meio ambiente. Na época, a empresa desenvolveu um programa de segurança para alcançar os patamares internacionais na área, concluído em 2005 e denominado de Programa de Excelência de Gestão Ambiental e Segurança Operacional (Pégaso).
Em 2013, a companhia lançou um plano de prevenção de acidentes ambientais com óleo na Baía de Guanabara envolvendo 33 empresas.