Há um ano, a região metropolitana de São Paulo sofria com a falta d'água; há 11 dias, 26 pessoas morriam por excesso dela. Em um futuro de aquecimento global, em que a alternância de eventos climáticos extremos pode ser cada vez mais comum, o que é preciso fazer para tornar o conglomerado urbano da capital mais resiliente? Para o Dia Mundial da Água, comemorado nesta terça-feira (22) a reportagem ouviu especialistas em recursos hídricos para responder a essa pergunta.
A solução, dizem, é complexa. Pede uma mudança estrutural e coordenada, que vai além das obras de ampliação de calha de rios ou de construção de piscinões e demanda ações, como plantio de árvores, construção de reservatórios pequenos e espalhados pela cidade e reúso de água que seja potável. Uma análise divulgada nesta terça-feira, pela Fundação SOS Mata Atlântica mostra que no último ano houve uma piora da qualidade dos rios e córregos da cidade, em parte provocada por essa variação dos extremos.
"Tradicionalmente, considerava-se na academia que períodos chuvosos, por trazerem maior vazão, permitiam que os rios se renovassem e houvesse uma diluição das cargas de poluição, normalmente, mais altas na seca. Mas com o aquecimento global, as ilhas de calor nas regiões muito urbanizadas e a impermeabilização intensa do solo essa condição muda completamente", afirma Malu Ribeiro, coordenadora do levantamento. "Os temporais intensos acabam causando mais erosão, assoreamento dos rios e carregamento de poluentes."
Mananciais
Entre março do ano passado e fevereiro deste ano, foram avaliados 89 pontos em corpos d’água da capital. Nenhum deles apresentou qualidade boa. Na comparação com os 56 pontos em que tinha ocorrido coleta no ano anterior, os únicos dois bons, localizados em áreas de manancial no Parque dos Búfalos (Represa Billings) e em Parelheiros (Represas Billings/Guarapiranga), passaram a regular. E alguns que eram regulares passaram a ruim. No primeiro caso, diz Malu, houve um agravante: ocupações de moradias irregulares no entorno dos mananciais.
Ela defende a incorporação de cenários de risco nos planejamentos de obras de grande prazo. "Quando foi feito o projeto de rebaixamento da calha do Tietê, em 1998, esperava-se que isso ia controlar cheias por cem anos. Ele usava regras de engenharia com base nas ocorrências históricas, mas com as mudanças na cidade e no clima isso não se aplica mais. O nosso planejamento está sendo desafiado", diz Malu.
Para a bióloga, o primeiro passo seria mudar a legislação que classifica rios em classes de 1 a 4. A última, que é onde se enquadram o Tietê e o Pinheiros dentro da cidade, permitem níveis muito alto de poluição. Se essa categoria fosse revogada, o nível de poluentes despejado na água teria de cair.
"Isso é só o primeiro passo. Precisa de um conjunto de ações integradas. Elas envolvem promover a regularização de moradores em área de manancial, desocupando onde for possível. Fazer parques lineares no entorno de rios e córregos, ampliar e recompor com vegetação as várzeas. Sem floresta não tem água", defende.
Piscininhas e reúso
Estudo lançado no ano passado dentro do projeto Brasil 2040 observou que num contexto futuro de eventos extremos é preciso investir, concomitantemente, na chamada detenção de água distribuída em São Paulo.
"Em vez de fazer só piscinão, que são obras caras, propomos fazer alteração na lei orgânica para incentivar que cidadãos captem e reservem água de chuva em casa. Isso é bom para prevenir alagamento. E, com algumas adaptações, poderia haver algum modo de reservar essa água, com dois reservatórios ou com uma pequena cisterna e assim reduzir a pressão sobre consumo de água nos períodos secos", afirma o oceanógrafo Wilson Cabral, do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA).
Para Ivanildo Hespanhol, diretor do Centro Internacional de Referência em Reúso de Água e professor da Universidade de São Paulo (USP, também é necessário investir em reúso potável de água. Hoje, São Paulo faz reúso, mas em geral para aproveitamento para uso não potável, como para limpeza de áreas comuns. O pesquisador defende ser possível investir direto nas centrais de esgoto, promovendo um tratamento avançado com membranas de ultrafiltração e devolução direto para a rede de água.
"Temos de parar de importar água de bacias de fora de São Paulo, como nas grandes obras de transposição dos rios Paraíba do Sul e São Lourenço", afirma. "A sustentabilidade do sistema vai vir com o reúso não potável e potável, que é à prova de seca", diz.
Segundo ele, essa ação tem a vantagem de ser mais barata. Hespanhol calcula que com metade do valor previsto para a obra das duas adutoras citadas (R$ 5 bilhões) seria possível fazer reúso de água potável na mesma quantidade prevista de aumento da vazão com a transposição dos dois rios: 10m³/s.
"As autoridades ainda não reagem muito bem ao reúso potável, e a população tem um certo preconceito, mas é meramente uma questão de convencimento. Outros países, como África do Sul e Austrália, têm feito isso com sucesso. Temos tecnologia para tratar a água e certificar sua qualidade", diz.