O pesadelo de Elizabeth Ferreira dura mais de duas horas e se repete diariamente, toda vez que entra em um ônibus, no qual viaja apertada como sardinha em lata de sua casa, a cinco minutos do Parque Olímpico do Rio, até o centro, onde trabalha, a 43 km.
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Faltando exatamente um mês para o início dos Jogos Olímpicos, em 5 de agosto, estádios e instalações estão praticamente prontos, mas o insuficiente transporte público ameaça aguar a maior festa do esporte mundial.
A esta inquietação soma-se, ainda, a ameaça do vírus da zika, que levou vários atletas e turistas a desistir do Rio-2016, o aumento nos registros de homicídios e assaltos no Rio e a instabilidade política desatada pelo julgamento do impeachment em curso contra a presidente afastada Dilma Rousseff.
Também está na lista de mazelas a recente suspensão das atividades do laboratório antidoping da cidade e a falência do estado do Rio em meio à pior recessão que o Brasil sofre em décadas, com policiais, professores e médicos reivindicando o pagamento de salários atrasados.
"Bem-vindo ao inferno"
"Bem-vindo ao inferno" dizia um cartaz em inglês, exibido nesta segunda-feira no aeroporto internacional Tom Jobim - repetindo a mensagem de boas-vindas apresentada aos passageiros há uma semana, feita por policiais que se queixam da falta de dinheiro até mesmo para comprar o papel higiênico nas delegacias.
"Os Jogos Olímpicos podem ser um fracasso", alertou o próprio governador interino do estado, Francisco Dornelles, que com os cofres públicos vazios deve escolher a quem pagar.
A nova linha 4 do metrô - que deve ligar Ipanema, na zona sul, à Barra da Tijuca, na zona oeste, onde fica o quartel-general das competições - é ameaçada pela falta de recursos mas, segundo as autoridades, estará pronta em 1º de agosto, a apenas quatro dias da abertura dos Jogos.
Inicialmente, apenas a "família olímpica" - atletas, delegações e torcedores com ingressos - poderão usá-la.
Para terminar a obra, o governo do estado do Rio, que declarou "estado de calamidade" financeira, usará parte da ajuda federal de 2,9 bilhões de reais aprovados para a segurança.
Dornelles "me assegurou que os recursos necessários para finalizar o trecho olímpico estarão garantidos e os concessionários não reduziram o ritmo. Estamos cumprindo o cronograma", afirmou à AFP o secretário regional de Transporte, Rodrigo Vieira.
O metrô do Rio, que funciona relativamente bem, mas com apenas duas linhas, é usado por apenas 4% da população. Trinta e sete por cento usa o ônibus para se locomover nesta caótica cidade bela e desigual, encravada entre o mar e a montanha, onde vivem 12 milhões de pessoas em toda a região metropolitana.
Ônibus lotados
Uma única linha faz o trajeto da casa de Elizabeth, em frente às instalações olímpicas de tênis de mesa, levantamento de peso e badminton, até o centro.
A viagem dura duas horas e 20 minutos, além da espera prévia de até 40 minutos. Às vezes há assaltos no ônibus. Muitos motoristas excedem o limite de velocidade e ignoram os sinais, incentivados por passageiros que pedem pressa.
"E estão superlotados! É obrigatório que todos tenham ar condicionado, mas alguns não têm", queixa-se esta corretora de seguros médicos de 56 anos.
Durante os Jogos, milhares de turistas poderão vivenciar um pouco da rotina dos moradores da cidade, presos em um nó de carros, ônibus e motos que avançam a passos de tartaruga, em meio a insultos e buzinaços.
A Prefeitura do Rio tentou mitigar a crise com a implementação de quatro linhas de "BRT" (Bus Rapid Transit), que avançam por faixas exclusivas ligando as zonas olímpicas e os aeroportos e são apresentados como uma espécie de "metrô sobre rodas".
Duas delas foram abertas para a Copa do Mundo de futebol de 2014. Uma terceira fará um trajeto limitado para a "família olímpica" do Parque e da Vila Olímpica até Deodoro, durante os Jogos, disse à AFP o número dois da Prefeitura, Rafael Picciani.
Em seguida, será inaugurada em sua totalidade para o público em geral.
Plano B
Se finalmente, a nova linha de metrô não for inaugurada para os Jogos, o "plano B" consistirá em um BRT que fará o trajeto do metrô.
O governo municipal também adiou as férias escolares de julho para agosto e decretou vários feriados para ajudar a desafogar o trânsito. Também instalou "faixas olímpicas" em muitas ruas e avenidas para veículos credenciados.
O especialista em grandes eventos esportivos Lamartine Pereira da Costa, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), prevê "grandes congestionamentos por causa do trânsito e porque o metrô só funcionará, no melhor dos casos, de forma limitada".
A nova linha de metrô não chegará até o Parque Olímpico: será preciso percorrer em BRT outros 23 km para chegar lá.
Muitos moradores não esperam melhorias. "Acho que quando concluírem as obras olímpicas será, inclusive, pior porque foram eliminadas várias opções de ônibus para priorizar o BRT. Para ir ao Barrashopping, que é muito perto daqui, a 20 minutos de carro, preciso pegar três ônibus. É absurdo!", conclui Elizabeth.