Ao mandar prender oito funcionários da Vale pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), o juiz Rodrigo Heleno Chaves viu indícios de do crime de homicídio qualificado dos executivos da mineradora. Os investigados foram presos em Belo Horizonte, Itabira (MG) e Rio de Janeiro, após pedido do Ministério Público do Estado. Ao todo, são 14 mandados de busca e apreensão e oito de prisão.
Os investigadores identificaram em e-mails trocados por funcionários da Vale e da consultoria alemã Tüv Süd que a empresa de mineração já sabia de problemas com sensores da barragem dois dias antes do rompimento. O mar de lama em Brumadinho, no dia 25 de janeiro, deixou 166 mortos e 147 desaparecidos até a última quinta-feira (14), segundo números atualizados da Defesa Civil de Minas Gerais.
Na decisão, o juiz anotou que "diante de todas as anomalias verificadas na barragem B1 (Mina Córrego do Feijão) desde meados de 2018, aliadas à alteração drástica nos piezômetros verificada em janeiro de 2019, aparentemente não havia outra alternativa aos funcionários da Vale senão a de acionar o PAEBM (Plano de Ação de Emergência para Barragens), com imediata evacuação da área".
"Saliento, por isso, que as fundadas razões de autoria do crime de homicídio qualificado dos oito funcionários da Vale ora representados fundam-se na concreta possibilidade da assunção do risco de produção do resultado por eles. Não há que se falar, neste momento, que a decisão está calcada em responsabilidade criminal objetiva, pois os elementos concretos até agora produzidos demonstram o contrário", afirmou.
"Em um País que se pretende sério, fatos com tal envergadura e seriedade, com consequências nefastas para a sociedade, merecem total e profunda apuração. Por isso é que neste momento é necessária a tutela da investigação, para que se apurem todos os responsáveis pelo ato, se aqueles que ocupam os cargos mais relevantes da Vale SA tinham conhecimento da situação, enfim, todos os pormenores que poderão esclarecer definitivamente o que ocorreu. Caso os investigados tivessem optado pelo acionamento do PAEBM é forçoso concluir que, provavelmente, quase todas as vidas seriam poupadas."
Segundo o juiz, não há "qualquer prejulgamento dos fatos". O magistrado admite que "é possível que com o aprofundamento das investigações conclua-se de maneira diversa".
"Pode ser que os investigados, em caso de eventual futura ação penal oferecida, albergados pelo contraditório e ampla defesa, tragam aos autos novos elementos aptos a desconstituir o quadro que ora se me apresenta", afirma.
"Ocorre que, hoje, o que coligido aos autos aponta que qualquer um dos oito funcionários da Vale ora representados, pela posição que ocupavam, sabedores da situação crítica da barragem desde meados de 2018, sem que alguma medida eficaz fosse tomada, e diante da leitura discrepante dos piezômetros em 10 de janeiro de 2019, situação que permaneceu sem solução até o dia anterior ao rompimento, deveriam obviamente ter agido de maneira preventiva e acionado o PAEBM, o que evitaria que centenas de vidas fossem ceifadas."
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Cronologia dos fatos
Rodrigo Heleno Chaves anotou que estava "fazendo uma análise com base na cronologia dos fatos". O magistrado afirmou que estava também "analisando a postura que o técnico da área, ciente de todos os riscos que envolviam a situação (que se apresentavam claros), deveria adotar no caso em análise".
"É sim possível que os oito funcionários, mesmo não querendo diretamente que o resultado ocorresse, tenham assumido o risco de produzi-lo, pois já o haviam previsto e aceitado as suas consequências. Saliente-se que tais afirmações não constituem indevida reprovação judicial de opinião técnica, haja vista que alicerçadas em depoimentos e trocas de mensagens via e-mail entre diversos técnicos da área e envolvidos nos fatos, como foi possível constatar-se", assinalou.
"Saliento que neste momento descabe qualquer alegação quanto à primariedade, bons antecedentes e residência fixa dos investigados, pois se trata de prisão temporária e não preventiva, que apresenta outros requisitos. O foco são as investigações, que devem solapar quaisquer dúvidas porventura existentes a fim de que tragédias dessa monta não mais se repitam em nosso País."
O juiz negou a prisão de quatro executivos da Tüv Süd, também requeridas pelo Ministério Público do Estado. O magistrado afirmou que em relação a eles "ainda se faz necessária a produção de outros elementos, pois, ao que parece, não assinaram a declaração de estabilidade da barragem e, em tese, não tinham a incumbência de acionar o PAEBM".
"Surgindo novos elementos em relação a eles, nada impede que seja reapreciada a medida postulada pelo Ministério Público", anotou.