A gráfica RR Donnelley, que decretou falência nesta semana, e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) são suspeitos de irregularidades que teriam ajudado a empresa a ser a única a imprimir o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) durante dez anos. Segundo as denúncias, funcionários do Inep operavam o direcionamento da licitação a pedido de representantes da RR Donnelley. Os contratos anuais são de mais de R$ 120 milhões.
Relatório técnico do Tribunal de Contas da União (TCU), a que o jornal O Estado de S. Paulo teve acesso, recomendou em 2018 que não houvesse "excesso de rigor" na licitação. Isso, no entendimento do TCU, restringia a competição porque apenas a RR Donnelley poderia cumprir as exigências. Também pediu que o contrato não fosse mais prorrogado sem concorrência. O processo ainda não foi julgado.
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Esta semana foram incluídas no processo denúncias feitas por uma empresa concorrente sobre um suposto "esquema fraudulento" que agora estaria sendo transferido para outra gráfica, a Valid SA. Ela foi homologada nesta quinta-feira, 4, como vencedora de uma licitação para imprimir todos os outros exames do Inep, com exceção do Enem - que continua sem definição de gráfica. O valor do contrato é de R$ 143 milhões. O processo estava parado na Justiça por questionamento dessa concorrente. A Valid SA, gráfica brasileira referência em impressões de segurança, como cartões de crédito e chip de celular, nega as acusações.
Conhecimento
As denúncias também chegaram ao conhecimento do ex-presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (Inep) Marcos Vinicius Rodrigues, que foi exonerado semana passada após desentendimentos com o ministro Ricardo Vélez Rodríguez. Por causa disso, em janeiro, ele passou a ter reuniões com representantes da Casa da Moeda. A intenção, segundo o plano de gestão do ex-presidente, era a de que Casa da Moeda não imprimisse o Enem, mas fizesse todo o gerenciamento do trabalho.
Ex-presidentes do Inep, no entanto, afirmaram que não foram informados sobre nenhum problema envolvendo a gráfica. "Nunca recebi nenhuma denúncia e não acredito que tenha técnicos do Inep envolvidos nisso", disse a presidente da autarquia durante o governo de Michel Temer, Maria Inês Fini.
A RR Donnelley foi pela primeira vez contratada pelo Inep em 2009, durante o governo Lula, quando a prova foi roubada e cancelada após denúncia do Estado. Depois houve apenas duas licitações, em 2010 e em 2016, ambas vencidas por ela. Após os processos licitatórios, o Inep tem renovado por cinco anos os contratos, limite estabelecido por lei em casos de serviços continuados e em que há "preços e condições mais vantajosas para a administração". Por causa disso, o Enem seria impresso neste ano novamente pela RR Donnelley. Mas, para o TCU, a renovação não se enquadra na lei. Entre as recomendações da auditoria está que o Inep "se abstenha de renovar contrato".
Outro questionamento é com relação à comprovação exigida nas concorrências de experiência das gráficas em exames. O material produzido deveria ter as "mesmas características técnicas e as mesmas condições de segurança" do que já foi feito até agora. "Pode-se chegar à conclusão de que somente atenderia às condições do edital empresa que já tenha executado edição anterior do Enem", diz a auditoria, o que "frustraria, em tese, o caráter competitivo do certame e feriria o princípio da autonomia". A RR Donnelley foi a única gráfica a imprimir o Enem desde que ele se tornou um vestibular. Por causa disso, o TCU pede que passem a ser cobradas condições "semelhantes".
O órgão também questiona a exigência de uma unidade que funcione como um backup caso a principal seja impedida de imprimir o exame. Isso aconteceria em casos de catástrofes ou acidentes que inviabilizassem o prédio. O TCU pede que o governo diminua o "subjetivismo" e faça uma "análise de probabilidade de ocorrência de eventos que demonstrem a real necessidade da exigência".
Nova denúncia. Segundo denúncia apensada ao processo do TCU feita pela Gráfica Plural na quarta-feira, profissionais da empresa falida agora trabalham para Valid SA e a teriam ajudado a vencer a licitação para os outros exames feitos pelo Inep. Entre eles o ex-presidente da RR Donnelley, Marco Barro, que trabalha atualmente como consultor da Valid SA. O outro seria Amilton Garrau, principal contato da RR Donnelley com o Inep e que participou de vídeos feitos pelo governo em comemoração dos 20 anos do Enem em 2018.
Garrau disse ao jornal que vai processar a Plural pelas "barbaridades sem embasamento". "Já passei por cinco ministros, seis secretários executivos, estão fazendo isso por conta de uma disputa comercial perdida."
A Plural havia ficado em primeiro lugar na licitação para os exames do Inep e foi desclassificada por não ter a unidade backup própria. Foi também na Plural que o Enem foi roubado em 2009, mas a empresa não foi responsabilizada pela Justiça. Entre as justificativas do Inep ao TCU está justamente que o rigor é necessário para que não se repita o que aconteceu em 2009.
Procurado, o Inep informou que as "relações contratuais se dão com as empresas, que definem entre os seus funcionários contratados quais os interlocutores junto à autarquia". "Até o momento, não houve notificação oficial sobre a denúncia mencionada" e que "tão logo seja oficialmente notificado sobre a denúncia serão adotadas as medidas cabíveis junto às instâncias competentes". As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.