Entrevista

'Irmã Dulce me deu mais do que pedi', confessa o maestro José Maurício sobre a graça recebida

Miraculado da Irmã Dulce, o maestro acompanha em Roma, neste domingo (13), a cerimônia de canonização da primeira santa nascida no Brasil

Cleide Alves
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Cleide Alves
Publicado em 12/10/2019 às 10:15
Foto: Filipe Jordão/JC Imagem
Miraculado da Irmã Dulce, o maestro acompanha em Roma, neste domingo (13), a cerimônia de canonização da primeira santa nascida no Brasil - FOTO: Foto: Filipe Jordão/JC Imagem
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O maestro José Maurício Bragança Moreira, baiano de Salvador, tem 51 anos e mudou-se para o Recife em 2011, apaixonado por uma pernambucana. Cego por glaucoma, até 10 de dezembro de 2014 nunca tinha visto Marise Mendonça, a mulher que lhe fez trocar de cidade. “Nesse dia, ela saiu de casa e me deixou cego. Quando voltou eu estava enxergando. Antes de Marise chegar, vi uma foto na sala e sabia que era de uma viagem nossa. Olhei e disse: meu Deus, minha mulher é linda!”. Foi assim, descontraído e bem-humorado, que o maestro atendeu o JC em sua casa para falar sobre a graça concedida por Irmã Dulce. “Meu oftalmologista me examinou, o nervo ótico continuava danificado, ele não sabia se no outro dia eu ainda estaria vendo e me disse para curtir a vida. Comemoro o milagre até hoje.” A seguir, trechos da entrevista com o miraculado da Irmã Dulce. Ele acompanha em Roma, neste domingo (13), a cerimônia de canonização da primeira santa nascida no Brasil.

Leia a entrevista

GLAUCOMA

Eu tinha 23 anos quando descobri o glaucoma. Era míope desde os 14 anos e comecei a usar óculos cedo, mas não media pressão ocular. Quando medi pela primeira vez o resultado deu 18, o médico achou muito alta e recomendou exames para aprofundar o diagnóstico. Fiz o exame que media a pressão ocular de três em três horas por três dias e foi constatada uma oscilação fora do comum – 15, 50, 10 – para uma pessoa de 23 anos. Era um glaucoma muito agressivo e eu já estava perdendo muito nervo ótico. A partir daí comecei a cuidar para não ficar cego. Os colírios para baixar a pressão não foram suficientes. No fim de 1999, mais de 9 anos depois do início do tratamento, senti que estava perdendo o olho direito.

CEGUEIRA

Fui para Belo Horizonte fazer um tratamento para drenar o que havia sobrado do nervo ótico, fui a São Paulo para ser submetido a uma cirurgia para manter a pressão ocular e em janeiro de 2000 quando voltei de São Paulo para Salvador já estava sem visão. Uma nuvem de fumaça forte tomou conta do olho todo e em questão de meses a nuvem bloqueou minha visão. Eu só tinha percepção de claridade apenas, sabia se estava num ambiente claro ou escuro. Foi muito triste, muito horrível, eu tinha uma vida independente, dirigia, trabalhava com informática, andava sem bengala. Fiquei deprimido, a família e os amigos sofreram comigo.

VIDA

Fiz cursos para me adaptar à nova vida, fiquei um ano dependente até aprender a usar a bengala, andar nas ruas de uma cidade grande, sendo cego, é muito difícil. Fiz curso de braile e decidi estudar música porque música estava no meu sangue, meu pai me ensinou a tocar violão quando eu tinha 11 anos e eu tinha noção de regência. Juntei meus conhecimentos musicais ao braile e me tornei maestro. O primeiro coral que eu criei era formado por alunos cegos da escola onde eu havia estudado. Fundei corais em escolas, empresas, no INSS e nas Obras Sociais Irmã Dulce. Em Salvador as pessoas me chamavam de maestro cego.

 Foto: Filipe Jordão/JC Imagem

IRMÃ DULCE

A história de Irmã Dulce está presente na nossa vida, o Armarinho Bragança, do meu avô, era um dos colaboradores das obras sociais, nos anos 1950. Meu pai era gerente de uma loja de material de construção e também fazia doações para Irmã Dulce. Ela era uma iluminada pelas obras que fazia, para os baianos ela sempre foi santa, especialmente agora com o reconhecimento. Vi Irmã Dulce muitas vezes nas ruas, sempre pedindo, e estive perto dela três vezes. A primeira foi em 1982 numa excursão da escola para conhecer as obras sociais; a segunda vez foi na loja, ela entrou e perguntou a meu pai: “O que tem para mim hoje?”; e a terceira foi no Banco do Brasil, em 1984, eu era menor aprendiz e ela estava autografando um livro sobre as obras sociais.

OUSADIA

Na minha hora de pegar o autógrafo, num rompante de ousadia segurei a mão dela e dei um beijo. Em vez de ela soltar a mão, ela puxou a minha mão e deu um beijo. Aí eu falei: vou ficar três dias sem lavar a mão, e me identifiquei como neto de Bragança, do armarinho. Depois eu dei um beijo na cabeça dela, no hábito, e fiquei feliz por ter beijado a mão de Irmã Dulce.

  Foto: Filipe Jordão/JC Imagem

CONJUNTIVITE

Em dezembro de 2014 tive uma conjuntivite horrível, com muita dor e sofrimento. Depois de três noites sem dormir, peguei a imagem de Irmã Dulce que foi da minha mãe, coloquei sobre os olhos e silenciosamente fiz uma oração para ela, pedindo que curasse minha conjuntivite, queria apenas alívio para a dor e uma noite de sono. Botei a imagem de volta no criado-mudo, bocejei e adormeci, um sono tranquilo. Isso era mais ou menos 4h30 da manhã.

MILAGRE

Acordei por volta das 8h, minha esposa me deu um saco de gelo para eu colocar no olho, que estava muito inchado, e foi ao banco. O gelo derretia, molhava meu rosto e eu enxugava com papel toalha. Quando estava fazendo esse movimento vi a minha mão, do nada. A nuvem que tinha bloqueado meus olhos começou a se dissipar quatro horas após a oração. Na mesma proporção que a nuvem cobriu meus olhos aos 32 anos, ela se dissipou e eu voltei a ver de novo. Depois de 14 anos eu estava vendo a minha mão. Liguei para minha mulher e disse: volte para casa porque estou vendo a minha mão. Com um mês e meio eu estava vendo tudo.

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OBRA COMPLETA

O choque foi tão grande que eu nem lembrava da oração que havia feito. Achei que podia ser um flash instantâneo, meu nervo ótico estava danificado, minha cegueira era irreversível, estava convencido de que seria cego para o resto da vida. Irmã Dulce me deu mais do que pedi. Mas ela sempre foi assim. Se alguém pedisse ajuda para subir dois degraus, ela levava a pessoa até o fim da escada, a ajuda era completa, não deixava nada pela metade. Considero o milagre de Irmã Dulce eterno. Nunca imaginei contribuir para ela ser reconhecida como santa, a felicidade maior foi receber a graça de voltar a enxergar. Não tenho palavras. Pena meus pais não estarem vivos para verem isso.

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