Os dois principais líderes ainda vivos do Khmer Vermelho foram condenados nesta quinta-feira (7) à prisão perpétua por um tribunal do Camboja, uma sentença histórica contra o regime que provocou quase dois milhões de mortes entre 1975 e 1979.
O ideólogo do regime, Nuon Chea, 88 anos, e o chefe de Estado khmer, Khieu Samphan, 83, foram declarados culpados por crimes contra a humanidade, extermínio, perseguição política e outros atos desumanos, incluindo deslocamentos e desaparecimentos forçados, anunciou Nil Nonn, juiz do tribunal de Phnom Penh apoiado pela ONU.
O veredicto foi recebido com lágrimas e aplausos por vários sobreviventes que acompanhavam o julgamento do lado de fora do tribunal.
Os dois condenados não reagiram ao ouvir a sentença, mas os advogados anunciaram que recorrerão imediatamente.
"É injusto para meu cliente", declarou Son Arun, advogado de Nuon Chea. Kong Sam Onn, advogado de Khieu Samphan, denunciou uma pena "muito severa".
Apesar da perspectiva de um novo julgamento em apelação, o porta-voz do tribunal, Lars Olsen, afirmou que a sentença representa "um dia histórico para as vítimas cambojanas, que precisaram esperar 35 anos".
Os dois ex-dirigentes, acusados de genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra, eram julgados desde 2011.
Para acelerar o julgamento, o processo foi dividido em blocos e este primeiro processo abordou apenas os deslocamentos forçados realizados pelo regime, os mais importantes da história.
Depois de chegar ao poder em abril de 1975, o Khmer Vermelho, que tinha um projeto utópico inspirado no marxismo de criar uma sociedade agrária ideal, sem moeda ou cidades, obrigou milhares de pessoas a abandonar a capital do país.
Khieu Pheatarak, uma mulher de 70 anos, estava entre os quase dois milhões de habitantes de Phnom Penh obrigados a deixar a cidade, sob a ameaça dos soldados que executavam os que não aceitavam a ordem.
"Nunca esquecerei o sofrimento, mas (o veredicto) é um grande alívio. É uma vitória e um dia histórico para todos os cambojanos", afirmou.
Após dois anos de audiências, a acusação solicitou em outubro de 2013 a prisão perpétua para os dois acusados, a pena máxima prevista pelo tribunal que decidiu, desde o início, excluir a pena de morte.
Nuon Chea e Khieu Samphan, detidos em 2007, negaram durante todo o julgamento as acusações. Em quatro anos, a Kampuchea Democrática, nome oficial do regime, provocou a morte de 25% da população do Camboja, vitimada por esgotamento, doenças, torturas ou execuções.
No início do julgamento em 2011, e antes da decisão de dividi-lo em processos menores, havia quatro pessoas no banco dos réus.
Mas Ieng Thirith, a ministra de Assuntos Sociais do regime, foi considerada incapaz para ser julgada e liberada em 2012. O marido de Thirith, Ieng Sary, ex-ministro das Relações Exteriores, morreu ano passado aos 87 anos.
Até o momento o tribunal havia anunciado apenas uma sentença definitiva, quando em 2012 condenou à prisão perpétua Kaing Guek Eav, conhecido como Douch, ex-diretor da prisão Phnom Penh S-21, também chamada de Tuol Sleng, onde 15.000 pessoas foram torturadas antes da execução em outras cidades.
O segundo julgamento contra Nuon Chea e Khieu Samphan começou em julho e inclui acusações de genocídio - relativas apenas aos vietnamitas e à minoria muçulmana cham -, casamentos forçados e estupros, além de crimes cometidos cometidos em vários campos de trabalho e prisões, entre elas a S-21.
Pol Pot, o principal líder dos Khmer Vermelho, morreu em 1998 sem ter sido julgado.