A presidente do Chile, Michelle Bachelet, falou da tortura psicológica e espancamentos a que foi submetida em sua detenção em 1975 sob a ditadura de Augusto Pinochet, e explicou como a maturidade a ajudou a reconciliar-se com as dores do passado.
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Em uma reportagem especial transmitida na noite de quinta-feira (13) pela TV chilena, a presidente relatou detalhes de sua passagem pelo centro de torturas Villa Grimaldi, depois de ser detida pela polícia política em 1975 junto a sua mãe, Ángela Jeria. "Sofri torturas psicológicas, basicamente, e alguns golpes, mas não me 'fritaram' (choque elétrico)", narrou Bachelet à TV Chilevisión.
Milhares de pessoas passaram pelo centro de detenção Villa Grimaldi em Santiago, 236 das quais foram executadas ou figuram como desaparecidas. "Tive sorte se comparado com tantos outros, muitos morreram", destacou.
O pai da presidente, o general Alberto Bachelet, foi detido por manter-se fiel ao governo do destituído Salvador Allende e morreu na prisão em 1974 por causa das torturas a que foi submetido por seus próprios subalternos.
Bachelet e Jeria, por sua parte, foram obrigadas a viajar para o exílio quando libertadas. Viveram primeiro na Austrália e, em seguida, na Alemanha, onde Bachelet continuou seus estudos de medicina.
"No começo, sentia muita raiva, uma dor infinita. Sentia indignação. Não me teria imaginado naquele momento dialogando com pessoas com as quais consegui dialogar depois", comentou a presidente, que foi a primeira mulher ministra da Defesa do Chile (2006-2010).
Villa Grimaldi era um antigo restaurante localizado na periferia de Santiago, onde a elite da época se divertia. Depois do golpe de Pinochet, foi reacondicionado como prisão e centro de tortura de opositores.
Em 1997 foi inaugurado o Parque pela Pa Villa Grimaldi, um lugar de reflexão e memória que hoje está aberto para toda a comunidade, que Bachelet visitou na qualidade de sobrevivente para homenagear os que ali desapareceram.
DESAPARECIDO - Bachelet também falou de seu namorado na época, durante o golpe de Estado de 1973, o líder socialista Jaime López Arellano, que atualmente figura como desaparecido. "Gostaria muito de saber o que realmente aconteceu com ele: se está desaparecido, se está morto, se está em outro lugar", declarou a presidente.
O relacionamento com López Arellano marcou profundamente Bachelet, uma militante socialista na clandestinidade, após saber que o então namorado tinha delatado vários colegas quando foi detido e supostamente torturado pela polícia política.
Bachelet foi atrás das muitas versões: "Uma delas é que ele, devido à tortura, teria entregado nomes. No entanto, ele viveu nas casas de pessoas cujos nomes não entregou", disse. "Outras pessoas dizem que ele entregou alguns nomes, porque disseram a ele que se não o fizesse, iriam matar a mim e a minha mãe no exterior", acrescentou.
"Foi muito difícil para mim porque eu tinha essa questão de dever, porque era jovem, e provavelmente quando você é jovem tudo é muito branco ou preto, e vivi esta situação como uma traição pessoal e à causa", reconheceu em um capítulo que seus biógrafos citam para explicar a desconfiança como traço de sua personalidade política.
"Hoje, olho o passado com um olhar mais maduro", declarou, expressando seu desejo de saber o paradeiro de quem foi seu parceiro.
Bachelet, pediatra, se casou com um chileno na Alemanha com quem teve seus dois primeiros filhos e de quem se separou. Teve uma terceira filha com outro marido no Chile. Hoje se declara mãe solteira de três filhos.
A ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990) deixou mais de 3.000 mortos e 38 mil torturados no Chile, de acordo com dados oficiais.