Desde o desaparecimento do filho, a dona de casa Isabela Arcaráz, 50 anos, não dorme direito. “Quando, enfim, consigo dormir, eu acordo assustada com o meu filho gritando o meu nome, no escuro”, diz a mãe de Bernardo Flórez, 21 anos, um dos 43 estudantes desaparecidos em setembro no México, em um episódio até agora não esclarecido e que chocou o mundo.
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"Agora, que tivemos o Dia dos Mortos, foi uma sensação de desespero ver as oferendas para os que já se foram, porque não queremos acreditar que nossos filhos morreram. A gente ainda espera que eles regressem com vida”, conta, enquanto ajeita as oferendas com flores, frutas e pães deixadas para estudantes da Escola Normal Rural de Ayotzinapa mortos em massacres em anos anteriores.
No dia 26 de setembro, alunos deixaram a escola rumo à capital do país para participar de uma marcha, marcada para o dia 2 de outubro. A atividade marcaria o aniversário do Massacre de Tlatelolco, em 1968, quando de 200 a 300 estudantes foram mortos pela polícia durante um protesto.
Para ir à Cidade do México, eles “apreenderam” um ônibus privado – que também serviria para arrecadar subsídios (comida e dinheiro) para atividades acadêmicas. Quando passavam pelo município de Iguala, os alunos foram surpreendidos por uma violenta ação da polícia local. Testemunhas afirmam que civis encapuzados – homens ligados ao grupo criminoso Guerreros Unidos – também participaram da repressão aos estudantes. No episódio, seis pessoas morreram, 25 ficaram feridas e 43 jovens desapareceram.
O caso chocou os mexicanos e chamou a atenção da comunidade internacional. Dias depois, 22 policiais foram presos acusados de terem participado da ação.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) assumiu a investigação sobre o desaparecimento dos jovens e acusa o ex-prefeito de Iguala José Luis Abarca e a mulher dele, Maria de los Ángeles Pineda, de serem os mentores do crime. As investigações apontam que o ex-prefeito e a mulher temiam um protesto de estudantes em evento planejado pela primeira-dama. Os jovens que sobreviveram ao ataque negam interesse em fazer uma manifestação na cidade, mas têm duras críticas ao prefeito, a quem acusam de ter matado, em maio deste ano, Arturo Hernández Cardona, líder de oposição na região.
Abarca e sua mulher foram presos na primeira semana de novembro, acusados de formação de quadrilha, sequestro e homicídio culposo.
Integrantes do Guerreros Unidos foram presos e, de acordo com o Ministério Público, confessaram a participação no assassinato dos jovens dizendo que os corpos foram enterrados em “narcofossas” - covas clandestinas próximas a Iguala.
A PGR diz que a investigação segue aberta e que os jovens ainda são considerados desaparecidos. Já os pais e as mães dos alunos estão dispostos a continuar as buscas pelos filhos vivos, enquanto os corpos não forem encontrados.
Desde o desaparecimento dos jovens, os pais, a maioria camponeses da região, passam boa parte do tempo na escola rural. Um grupo compõe uma comissão que assumiu a função de interlocutora com a sociedade civil e o governo do México.
Isabela, mãe de Bernardo, fica sempre na escola. “A parte de ir às audiências e reuniões para falar do meu filho fica com meu marido”, diz. O casal deixou os outros filhos com parentes no pequeno sítio em que vivem para investigar o paradeiro de Bernardo. Ela mostra a foto do rapaz e, orgulhosa, diz que ele era trabalhador. “Ele estava muito feliz de estudar aqui porque já estava aprendendo coisa útil. Nas férias, ia para casa para ajudar o pai a semear e gostava de ensinar as coisas que aprendeu aqui”, relembra.
Na escola, as aulas foram suspensas e os alunos acompanham os pais dos estudantes desaparecidos nas manifestações e na peregrinação para tentar esclarecer os fatos e encontrar os rapazes.
No dia em que a Agência Brasil visitou a escola, uma parte dos pais havia viajado a Chilpancingo, capital do estado de Guerrero. A reportagem acompanhou a viagem e, na cidade, o clima também era de protesto, com a praça central ocupada por professores acampados. “Estamos aqui pelos alunos que desapareceram. E estamos paralisados até que o governo assuma a responsabilidade pelo que aconteceu”, afirmou o professor Saturnino García.
A Escola Normal Rural de Ayotzinapa é gratuita e tem cerca de 500 alunos em regime de internato. Para conseguir subsídios para manutenção da escola, os alunos fazem o que chamam de “arrecadação” - saem em grupo para conseguir dinheiro e mantimentos com comerciantes locais.
Os alunos dizem que a ação não é coercitiva. “Não usamos armas, mas pressionamos em grupo porque precisamos disso para manter a escola funcionando”, conta um estudante.
Outra prática comum nas atividades realizadas para arrecadar alimentos e fundos é o uso de ônibus de empresas privadas da região. “Nós paramos os ônibus e conversamos com os motoristas. Pedimos para os passageiros descerem e o motorista nos leva onde precisamos ir”, explica um aluno da escola.
“Se as empresas perdessem dinheiro, com certeza, já teriam procurado a Justiça. Mas isso nunca foi feito”, diz Javier Monroy, da Oficina de Desenvolvimento Comunitário e diretor do Comitê de Familiares e Amigos de Sequestrados, Desaparecidos e Assassinados em Guerrero.
A camponesa Magdalena Olivares, 40 anos, mãe de Antonio Santana, 20 anos, aluno do 1º ano, está com os filhos pequenos na Escola de Ayotzinapa à espera de notícias sobre o paradeiro do filho. “Já disseram que eles foram assassinados, mas queremos respostas e a punição de quem fez isso”, destaca. “Nada justifica o que fizeram com eles”, condena.
Magdalena diz que Antonio gostava muito de trabalhar e que, antes de chegar à escola, tinha atuado como padeiro e pedreiro. “Ele passou no exame daqui e o sonho dele era ser professor agrícola. É um menino honesto e inteligente”, defende.
Para ela, o episódio com os estudantes foi a “gota d’água” de uma situação que sempre se repete. “Já faz tempo que vivemos em uma terra sem lei. No México já aconteceram muitas coisas e ficamos calados. É hora de lutar por um México melhor.”