A África do Sul percorreu um longo caminho de reconciliação desde a libertação de Nelson Mandela em 1990, mas encontrar uma leitura da história comum entre negros e brancos permanece um desafio para a "Nação arco-íris".
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No dia 11 de fevereiro, o país celebra os 25 anos da libertação de seu herói nacional, que se tornaria quatro anos depois o primeiro presidente democraticamente eleito por toda a população.
Mas incidentes recentes demonstram que as diferentes comunidades estão muito distantes da construção de uma memória coletiva comum sobre a história do regime segregacionista do apartheid, que reduziu os negros a sub-cidadãos durante décadas.
Verne Harris, diretor de pesquisa da Fundação Mandela, se inquieta: "O projeto de reconciliação está em perigo". Pode ser porque "os sul-africanos tentaram exorcizar seu passado muito rapidamente", com a célebre "Comissão da Verdade e Reconciliação" (TRC), presidida por Desmond Tutu, cujos trabalhos começaram em 1996.
A TRC fez muito ao tentar aproximar repressores e vítimas, concedendo aos primeiros - sob certas condições - uma anistia caso concordassem em confessar seus crimes. Mas algumas feridas ainda estão abertas.
A decisão, nos últimos dias, de renomear uma rua com o nome de Frederik Willem de Klerk, o último presidente do apartheid e co-Prêmio Nobel da Paz com Nelson Mandela, provocou críticas da comunidade negra.
De Klerk foi o homem que libertou Mandela em 1990 e desmantelou gradualmente as leis de segregação. Mas ele também era o chefe de Estado numa época em que os serviços especiais torturavam e matavam os militantes negros.
Em um discurso recente, de Klerk denunciou "o tom de confronto, novo e amargo, no discurso nacional" - a antítese, segundo ele, do ideal promovido por Mandela. Ele se referia a alguns dos discursos do atual presidente Jacob Zuma, que acusa regularmente o apartheid e os brancos de estarem na origem das dificuldades enfrentadas pelo país.
Em janeiro, o chefe de Estado provocou polêmica ao afirmar que "os problemas do país começaram" quando Jan van Riebeek, o primeiro colono holandês, colocou os pés na Cidade do Cabo, em 1652.
Um partido branco radical imediatamente ameaçou retaliar por "incitação ao ódio". E, mais inesperado, a ex-secretária particular de Nelson Mandela, Zelda la Grange, tuitou: "Estou CANSADA dos ataque regulares de Jacob Zuma contra o brancos".
La Grange, vista regularmente como um símbolo da possível coabitação entre brancos e negros, virou alvo de uma saraivada de críticas e acusações de racismo.
Crime contra a Humanidade
"Nós não alcançamos o objetivo final de nossa viagem, nós demos apenas o primeiro passo em uma longa e difícil estrada", admitiu Harris, da Fundação Mandela.
"A grande maioria dos sul-africanos vive em uma realidade ainda muito herdada do apartheid. Eles só concebem a raiva (...) as velhas divisões e os velhos cismas são mais marcados hoje em dia", considera.
De fato, apesar do surgimento de classes média e rica negras, os habitantes das periferias continuam a ser quase exclusivamente negros. E os belos bairros da Cidade do Cabo ou de Johanesburgo são habitados majoritariamente por brancos.
"As tensões raciais retornam à superfície, o que se tornou particularmente visível no último ano", constata Anele Mtwesi, pesquisadora da Fundação Helen Suzman.
"Após a TRC, acreditávamos que tudo entraria em ordem", admite, lamentando finalmente que sejam essencialmente as vítimas as que mais se esforçaram para perdoar, enquanto as indenizações não alcançaram o esperado.
A pesquisadora apresenta um estudo de sua fundação que mostra que apenas 53% dos brancos sul-africanos consideram que o apartheid foi um crime contra a Humanidade.
Para Andre Keet, diretor do Instituto para a Reconciliação e a Justiça Social na Universidade Estadual Livre, o país "está muito concentrado no processo iniciado pela TRC, e não o suficiente naquilo que deveria ser um projeto político democrático para nos unificar".
Ele acrescenta que o sentimento de superioridade permanece extremamente vivo entre a população branca, mas que o atual discurso do poder não vai no sentido de uma reconciliação.